Dilma chora ao receber relatório final da Comissão da Verdade
A presidente Dilma Rousseff se emocionou e chorou nesta quarta-feira (10), durante a cerimônia de entrega do relatório final da Comissão Nacional da Verdade, ao fazer referência aos brasileiros que perderam parentes e amigos no combate à ditadura.
Ex-presa política, a presidente afirmou em seu discurso que o documento elaborado ao longo de dois anos e sete meses (consulte a íntegra) ajuda o Brasil a “se reconciliar consigo mesmo” após as duas décadas de regime militar.
“Estou certa de que os trabalhos produzidos pela comissão resultam do esforço pela procura da verdade, respeito da verdade histórica e estímulo da reconciliação do país consigo mesmo, por meio da verdade e do conhecimento”, declarou Dilma.
A presidente reeleita disse ainda que ter acesso à verdade não “significa revanchismo”. “A verdade faz com que agora tudo possa ser dito, explicado e sabido. A verdade significa a oportunidade de fazer o encontro de nós mesmos com nossa história e do povo com a sua história”, disse. “Mereciam a verdade aqueles que continuam sofrendo como se morressem de novo, e sempre, a cada dia”, afirmou.
A Comissão da Verdade entregou à presidente, na manhã desta quarta, o relatório final sobre as violações aos direitos humanos cometidos entre 1946 e 1988, especialmente na ditadura militar, de 1964 a 1985. A divulgação ocorre na data em que se celebra o Dia Internacional dos Direitos Humanos.
Um grupo de militares recorreu à Justiça para tentar barrar a divulgação do documento, no entanto, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) negou a socilitação.
O documento lista os responsáveis pela repressão política, além de 434 vítimas dos crimes cometidos. Há ainda a relação dos locais onde ocorriam as sessões de interrogatórios forçados, prisões ilegais e desaparecimentos forçados. A íntegra dos três volumes, com mais de 2 mil páginas, será disponibilizada às 11h no site oficial da comissão.
Para Dilma, as novas gerações e aqueles que perderam familiares e amigos mereciam saber a verdade sobre os acontecimentos que marcaram o período da ditadura militar. A presidente destacou ainda que o acesso à informação é necessária para pacificar o país e evitar mágoas.
cerimônia de entrega do relatório (Foto: Roberto
Stuckert Filho/PR)
“Esperamos que esse relatório contribua para que fantasmas do passado doloroso e triste não possam mais se proteger das sombras do silêncio e da omissão. A ignorância do passado não pacifica.”
A presidente se comprometeu a “tirar todas as consequências necessárias” do relatório, mas defendeu o respeito pelos “pactos políticos” feitos para viabilizar a redemocratização, uma referência à Lei de Anistia, que perdoou violações cometidas por militares e militantes de esquerda durante a ditadura.
“Vamos tirar todas as consequências necessárias. Nós reconquistamos a democracia a nossa maneira. Por meio de lutas duras, sacrifícios humanos irreparáveis, mas também por meio de pactos e acordos irreparáveis. Assim como respeitamos e reverenciamos todos os que lutaram pela democracia […] Também reconhecemos e valorizamos os pactos políticos que nos levaram à redemocratização”, disse.
Recomendações da comissão
Em discurso, o coordenador da Comissão Nacional da Verdade, Pedro Dallari, disse que o relatório recomenda a criação de um órgão público para dar seguimento aos trabalhos iniciados pelo colegiado, inclusive com investigações que possam identificar mais vítimas da ditadura militar. “Certo que o rol de vítimas do relatório não é definitivo”, disse.
Dallari afirmou ainda ter a convicção de que as violências cometidas no período da ditadura militar não voltarão a ocorrer. “Cumprimos o que a lei determinou. Em meu nome pessoal [e dos demais integrantes da comissão] oferecemos a vossa excelência e ao país este relatório, com a firme convicção de que os fatos nele descritos não se repetirão nunca mais”, afirmou.
Ao fazer agradecimentos, Dallari afirmou que o ministro da Defesa, Celso Amorim, soube dialogar, apesar das resistências entre militares aos trabalhos da comissão. “Aqui quero fazer um registro especial ao relacionamento que houve com o Ministério da Defesa, em que pese as circunstâncias difíceis, em nenhum momento deixou de haver um diálogo respeitoso e relacionamento institucional entre entes do estado brasileiro.”
Relatório
O relatório é composto de três volumes e dividido em 18 capítulos. O primeiro descreve os fatos principais da ditadura, desde o contexto histórico que antecedeu o golpe militar de 1964, passa pela criação dos órgãos de repressão, as ações de repressão no exterior (como a Operação Condor, de colaboração com ditaduras latino-americanas), além dos métodos usados na repressão aos opositores do regime.
Há ainda um capítulo sobre a atuação do Judiciário, outro sobre a guerrilha do Araguaia (iniciativa de luta armada a partir do campo no Norte do país), além da relação de locais onde ocorreram as violações e a lista de responsáveis indiretos e diretos pela implantação, manutenção e prática sistemática de torturas, homicídios e prisões ilegais. Uma última parte contém as conclusões e recomendações.
O segundo volume traz estudos elaborados por equipes coordenadas pelos membros da comissão sobre diversos grupos que sofreram ou colaboraram com a repressão. Há, por exemplo, capítulo dedicados aos militares perseguidos ou a empresários que ajudaram na perseguição. Há também textos referentes à perseguição contra operários, camponeses, universitários, religiosos, homossexuais, além de um sobre os grupos armados de oposição.
O terceiro e último volume conta a história de cada um dos 434 mortos e desaparecidos identificados pelo grupo, bem como as circunstâncias que os levaram à morte. Os relatos mostram o sofrimento por que passaram e fazem reverência à oposição que fizeram ao regime de exceção.