Mundo

‘Educação é tesouro que levei da cadeia’, diz homem inocentado após 23 anos de prisão

151230215348_nick_yarris_640Nick Yarris tinha 20 anos quando foi condenado à morte nos Estados Unidos por um crime que não cometeu. Ele passou 23 anos em confinamento solitário e afirma que foi torturado.

Sua vida tornou-se um sofrimento tão grande que chegou a pedir que fosse executado, mesmo sabendo que era inocente.

Há 11 anos ele foi libertado graças a avanços na técnica de identificação por DNA – e, agora, diz sentir-se agradecido pela experiência que teve na prisão.

Longe de ter ressentimentos, Yarris viaja pelo mundo falando sobre como a passagem pelo sistema carcerário o ajudou a ser uma pessoa melhor.

O americano, cujo caso é relatado no documentário Fear of 13 (“Medo do 13”, em tradução livre), falou com o programa Newshour, da BBC.

Ele contou como passou os primeiros anos de sua pena preso numa cela de isolamento, sem poder falar.

“Eu não sabia o que era raiva até então. Batia minha cabeça na parede de raiva e frustração”, disse à BBC.

“Foi só por causa da amabilidade e da compaixão de um carcereiro que me deu alguns livros e me ajudou a ler que mudei tudo e parei de ser amargo ao longo dos anos.”

Terapia de palavras
Yarris afirma que a educação a que teve acesso na prisão mudou sua vida. Ele era um homem de muito poucos recursos quando entrou na prisão em 1981, acusado de violentar e matar uma jovem no Estado de Pensilvânia.

Ele foi preso pela polícia ao dirigir um carro roubado sob o efeito de anfetaminas.

Em uma tentativa de escapar da prisão, disse aos policiais que sabia quem tinha matado a jovem, de cuja morte ele ficou sabendo pelos jornais.

Mas a estratégia deu errado quando as autoridades descartaram o suposto homem apontado por Harris como suspeito e o acusaram.

“(Quando recebi a sentença) era o aniversário de 50 anos da minha mãe, e o juiz não conseguia me olhar nos olhos, porque ia me condenar.”

“Isso me deixou com muita raiva. Eu queria que ele me respeitasse. E cometi o erro de mandá-lo ir para o inferno quando ele proferiu a sentença. Os guardas foram brutais comigo”, relembra.

Segundo Yarris, sua falta de conhecimento na época limitou suas possibilidades de provar a própria inocência.

“Eu tinha um jeito de falar horrível e zombavam de mim. Foi muito difícil me defender sem poder falar bem”, relembra.

Com a ajuda de um carcereiro que o emprestou livros, Yarris usou educação como terapia contra agressividade (Foto: BBC)Com a ajuda de um carcereiro que o emprestou livros, Yarris usou educação como terapia contra agressividade (Foto: BBC)

Por isso, ele acabou usando o tempo na prisão para melhorar sua educação, seu vocabulário e seu domínio da língua – enquanto pensava em uma maneira de sair de lá.

O nome do documentário, “Medo do 13”, faz referência à palavra triscaidecafobia – medo irracional do número 13 –, uma das palavras que Yarris ensinou a si mesmo em seu projeto de saber mais.

10 mil livros
“A estrutura que construí através do 10 mil livros ou mais que li nos 23 anos que passei em confinamento solitário se tornaram a base de uma fundação que é indestrutível para mim”, diz o ex-condenado, hoje com 53 anos.

Da prisão ele também levou outro aprendizado, que diz considerar ainda mais valioso.

“O tesouro que eu levei de lá não foi ouro, mas sim o belíssimo conhecimento que adquiri sobre mim mesmo e uma educação maravilhosa.”

“Nesses meus 11 anos de liberdade, consegui mais do que jamais sonhei”, afirma, emocionado.

Desde que deixou a prisão, ele dá palestras contando sua história, para “deixar uma mensagem para os mais jovens sobre como a educação pode empoderar alguém”.

E também pede que as pessoas escrevam cartas para prisioneiros no corredor da morte

Ele escreveu dois livros de memórias e vive na Inglaterra com sua esposa, que conheceu enquanto estava na prisão.

Mas Yarris também reconhece que a experiência negativa que viveu o marcou para sempre.

“Ainda vivo com 11 ossos quebrados que não se curaram totalmente, dois discos quebrados no pescoço, meu rosto foi destroçado e me falta parte do olho esquerdo. Vivo em agonia física todos os dias da minha vida.”

“Não há leis que possam compensar o que fizeram comigo, mas não serei uma vítima disso, porque isso desconsidera as minhas ações.”

(G1)