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Mesmo com lei aprovada, médicos do TO não vão receitar a “pílula do câncer”

O Congresso Nacional aprovou projeto de lei que autoriza pacientes com câncer a usarem a fosfoetanolamina sintética, substância utilizada no tratamento experimental contra a doença. A matéria agora só depende de sanção da presidente Dilma Rousseff (PT). A droga não é reconhecida pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a quem cabe o controle e fornecimento das licenças legais para a produção e distribuição de medicamentos no Brasil. Isso tem causado polêmica entre Justiça, pacientes e médicos. A médica oncologista Marina Mendes Vasco afirmou  nessa quinta-feira, 24, que, mesmo que haja a sanção presidencial ao projeto, os médicos não poderão prescrever a fosfoetanolamina. “Nós, médicos, somos proibidos pelo Conselho Federal de Medicina de prescrever, porque não é um medicamento, é uma substância em estudo”, explicou a especialista.

O principal ponto que faz com que os médicos não recomendem o uso, segundo Marina, é o desconhecimento dos efeitos da droga. “A gente não sabe ainda qual a reação dele no organismo, quais os efeitos colaterais que pode ter, qual é a dose recomendada. Por exemplo, cada quimioterapia que fazemos, nós sabemos quais os efeitos esperar, quais as necessidades que aquela droga tem, mas da ‘fosfo’, a gente não tem estas informações.”

Com a aprovação, de acordo com a médica, pouca coisa muda, pois quem tiver interesse continuará tendo que adquirir a fosfoetanolamina “por meios próprios”. “Vai continuar sendo como é agora. Quem tem interesse vai ter que, por meios próprios, tentar adquirir a substância porque a gente não pode recomendar, não pode prescrever. Até porque não sabemos como prescrever, qual é a dose desta substância. Quando os estudos ficarem prontos, e se os estudos forem positivos, é que vamos poder recomendar”, esclareceu Marina.

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Marina sobre uso da droga: “É prematuro e arriscado”

Ela contou que inúmeras vezes foi procurada por pacientes que queriam usar a fosfoetanolamina, mas ainda assim não prescreveu a substância. “Eu sempre digo a verdade. É uma substância que está em estudo, não temos recomendação para prescrever porque não é medicamento. Não tem indicação ainda para o câncer, porque não foi testada em seres humanos”, justificou.

Outro argumento da oncologista, é que para cada tipo de câncer existe um tratamento diferenciado. “Uma doença é diferente da outra e para cada tipo a gente tem um tratamento diferente”, disse, acrescentando que é difícil imaginar um medicamento que sirva para todos os tipos de câncer. “Mas é o que eles vêm pregando [os criadores da substância]”.

A médica reforçou que é “prematuro” e “arriscado” fazer uso da droga antes dos estudos ficarem prontos. “Pode fazer mal porque, por exemplo, tem quimioterapia que quem tem problema no coração ou problema renal não pode usar e essa substância não sabemos para quais pacientes podemos passar. A gente passa a quimioterapia para o paciente e fica avaliando os possíveis efeitos colaterais daquela substância, já sabendo o que a gente pode encontrar. No caso da ‘fosfo’, a gente não sabe o que esperar e nem qual é a dose: se é uma, duas, ou três capsulas, se é uma vez por semana, ou todo dia, a gente não tem essa informação”, ressaltou.

Todos ganham
Marina foi cautelosa ao comentar sobre a possibilidade de existir interesses em proibir a substância na indústria de quimioterapia, radioterapia, clinicas e laboratórios, que poderia se sentir ameaçada com a possível aprovação da fosfoetanolamina como medicamento contra o câncer, já que o valor para a sua produção é de menos de 10 centavos. Ela acredita que não existe motivos para a indústria se sentir prejudicada.

“Acho que não há motivos, porque nós temos várias drogas em estudo, o tempo todo, e sobressaem aquelas que mostram dados positivos de eficácia. Se a droga for positiva, mostrar que funciona para o câncer, vai ser um ganho para todo mundo, principalmente para o Brasil. Vai ser muito bom se a droga for boa, mas nós médicos só podemos dizer isso quando o estudo comprovar. Sem esse estudo, a gente não pode falar nada”, avaliou.

Divulgação “positiva”
A oncologista ainda questionou o fato da mídia mostrar resultados positivos de tratamento com a fosfoetanolamina, mas não divulgar casos que possam não ter funcionado. “Importante dizer que a mídia vem mostrando os pacientes que usaram e funcionou. Mas e aqueles que usaram e não deu resultado? Ninguém mostrou. Como ela já está disponível há 20 anos, provavelmente, o número de pessoas que usou e não funcionou pode ser maior do que daquele que a mídia tem mostrado”, sugeriu.

Primeiros testes
Os primeiros testes com a fosfoetanolamina sintética não foram animadores. A medicação teve baixo grau de pureza e mostrou pouco ou nenhum efeito sobre as células tumorais. O desempenho foi muito inferior ao de drogas anticâncer disponíveis há décadas. A conclusão é do grupo de pesquisadores instituído pelo governo. Eles concluíram que a fosfoetanolamina apresentou quatro substâncias diferentes. Mesmo com estes resultados, testes com a droga não devem ser descartados.

Outras pesquisas independentes foram realizadas pela Universidade Federal do Ceará e pelo Centro de Inovação e Ensinos Pré-Clínicos, em Santa Catarina. Em ambos os estudos, para diminuir os tumores, tiveram que ser utilizadas concentrações de fosfoetanolamina milhares de vezes maiores que as de drogas anticâncer convencionais. Já os testes administrados em ratos de laboratório saudáveis mostraram que não houve efeitos tóxicos. O próximo passo deverá ser a realização de estudos em animais doentes para ver o que acontecerá com a droga em contato com os tumores.

Por sua vez, o professor aposentado Gilberto Orivaldo Chierice, que iniciou os estudos com a substância, rebateu os resultados dos testes, em ofício elaborado com a Defensoria Pública da União no Rio de Janeiro. O documento pede também que sejam esclarecidos os gastos na ordem de R$ 2 milhões para esta etapa da pesquisa.

No total, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) vai investir, em três anos, R$ 10 milhões nos estudos da fosfoetanolamina. O Ministério tem o site (clique aqui) que informa as etapas das pesquisas desenvolvidas pelos institutos credenciados e divulga os relatórios do Grupo de Trabalho (GT).

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Primeiros testes não foram animadores, pois mostrou pouco ou nenhum efeito sobre as células tumorais

Aprovação no Senado
Na mesma semana que sairam os resultados dos primeiros testes, o plenário do Senado aprovou o Projeto de Lei da Câmara (PLC) 3/2016 que autoriza pacientes com câncer a usarem a fosfoetanolamina sintética antes de seu registro na Anvisa. O projeto foi aprovado na Câmara dos Deputados no dia 8 e seguiu para o Senado, onde também foi aprovado na Comissão de Assuntos Sociais (CAS) no dia 17, e depende agora da sanção presidencial.

Pelo texto, que tem como autores 26 deputados, o paciente deve apresentar laudo médico que comprove o diagnóstico e assinar termo de consentimento e responsabilidade. O uso da substância é definido como de relevância pública. O projeto autoriza produção, importação, prescrição, posse ou uso da substância, em caráter excepcional, enquanto estiverem em curso estudos clínicos acerca do produto. Para produzir, importar, prescrever e distribuir a substância, os agentes precisam ser regularmente autorizados e licenciados pela autoridade sanitária competente.

A deputada federal Dulce Miranda (PMDB) comemorou a aprovação. Ela é membro do Grupo da Fosfoetanolamina na Câmara Federal, que tem trabalhado desde novembro do ano passado e fez diversas articulações para que o Projeto de Lei fosse aprovado no Parlamento. Coautora da matéria, a deputada professora Dorinha (DEM), também comemorou a aprovação do projeto no Senado. Para ela, se trata da “renovação de esperança” de pacientes com câncer.

Na Justiça
A Justiça Federal no Tocantins (JFTO) chegou a negar, em janeiro, o pedido de um paciente com câncer para que determinasse à Universidade de São Paulo (USP) o fornecimento de cápsulas de fosfoetanolamina. Do final de 2015 até o início deste ano, sete processos foram negados.

Já o desembargador José de Moura Filho, do Tribunal de Justiça do Tocantins, em janeiro, reconheceu que a competência para julgar as ações que buscam acesso de pacientes à substância é da comarca de São Carlos, no Estado de São Paulo. Em novembro de 2015, o desembargador Marco Villas Boas também havia reconhecido a incompetência da justiça do tocantinense para apreciar os processos contra a autarquia paulista. Com as decisões, os processos foram remetidos para a comarca de São Carlos.

Entretanto, ainda em 2015, três pacientes conseguiram liminar na Justiça para receber a fosfoetanolamina.

Utilização da substância
A fosfoetanolamina é uma substância que imita um composto que existe no organismo, identificando as células cancerosas e permitindo que o sistema imunológico as reconheça e as remova. Pesquisas sobre o medicamento vêm sendo feitas pelo Instituto de Química de São Carlos, da Universidade de São Paulo (USP), há cerca de 20 anos, por meio de estudos conduzidos pelo professor aposentado da universidade Gilberto Orivaldo Chierice.

O órgão fazia sua distribuição de forma gratuita. Em 2014, a droga parou de ser entregue, após portaria da USP determinar que substâncias experimentais deveriam ter todos os registros antes de serem liberadas à população. Sem a licença, pacientes passaram a buscar a liberação na Justiça, por meio de liminares. (Com informações da Agência Senado e da Agência Brasil)

(Cleber Toledo)