Dilma x Collor: o que impeachment de hoje difere do de 92
Caso o processo de impedimento do mandato da presidente Dilma Rousseff (PT) seja aprovado por dois terços dos deputados da Câmara neste domingo (17), os brasileiros estarão um passo mais próximos de ver o segundo impeachment da história do país.
Mesmo assim, sobram diferenças entre o processo atual e o que destituiu Fernando Collor de Mello em 1992.
Para entender as principais diferenças – e semelhanças – entre os dois casos, EXAME.com conversou com cientistas políticos e um sociólogo. Veja ponto a ponto de cada uma delas:
1. Crime
Para que um pedido de impeachment tenha consistência, devem existir evidências de que o mandatário cometeu algum crime comum (como homicídio ou roubo) ou crime de responsabilidade – que envolve desde improbidade administrativa até atos que coloquem em risco a segurança do país.
O sociólogo Wagner Iglecias, professor da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP, afirma que essa é a primeira (e principal) diferença entre os dois pedidos.
“Naquela época, as pessoas tinham certeza de que Collor tinha cometido um crime de responsabilidade”, diz o especialista. “Hoje, no caso de Dilma, paira a dúvida”.
Collor foi acusado de ter recebido 6,5 milhões de reais oriundos de um esquema de financiamento ilícito coordenado por seu ex-tesoureiro de campanha Paulo César Farias.
“O senhor PC Farias anunciava a quem quisesse ouvir que, das propinas arrecadadas, 30% se destinavam a ele próprio e 70% ao presidente da República”, descreveu Genebaldo Correia, então líder do PMDB, na sessão plenária da Câmara que julgou o ex-presidente em 1992.
Já a acusação de Dilma diz que ela cometeu crime de responsabilidade ao permitir manobras orçamentárias sem autorização do Congresso – como as pedaladas fiscais e a abertura de créditos suplementares.
Quando o governo percebeu que não cumpriria a meta de superávit, prevista na Lei de Diretrizes Orçamentárias, a presidente editou decretos para liberar 2,5 bilhões de reais em créditos extras. A manobra não foi comunicada previamente ao Congresso.
“Houve uma maquiagem deliberadamente orientada a passar para a nação (e também aos investidores internacionais) a sensação de que o Brasil estaria economicamente saudável e, portanto, teria condições de manter os programas em favor das classes mais vulneráveis”, diz o texto do pedido de impeachment contra Dilma.
Ainda assim, existe a dúvida de se a ação da presidente figura, de fato, um crime de responsabilidade. Para Iglecias, as pedaladas dividem opiniões entre os juristas. “Trata-se de algo comum na gestão pública. É um instrumento que também foi usado nos governos Lula e FHC, por exemplo”.
A defesa de Dilma, representada pelo advogado-geral da União, José Eduardo Cardozo, diz que as pedaladas são subvenções econômicas — permitidas por lei — e não operações de crédito. “Não há transferência de dinheiro do Banco do Brasil para a União”, diz o documento.
De acordo com a defesa, o que houve foi um atraso nos pagamentos, sendo que as dívidas decorreram do acúmulo de saldos devidos.
A defesa afirma que os créditos suplementares são permitidos por lei e são “apenas espécies de ‘freios de rearranjo ou de rearrumação’” para adaptar o planejamento à realidade, ou seja, não modificam o orçamento. “Crédito suplementar é alteração da lista sem mudar o orçamento”, afirmou Cardozo em reunião ao colegiado da Câmara.
2. Apoio dos parlamentares
O professor e cientista político da FGV/EBAPE, Carlos Pereira, explica que o governo Collor não contava com uma maioria legislativa. “O Partido da Reconstrução Nacional (PRN) foi criado por ele para disputar a eleição”, diz. “Dessa forma, por ser minoritário, ele não dispunha de uma base social sólida. Quando surgiram os primeiros sinais de um comportamento ilícito, ele ficou completamente isolado”.
Isso significa que “quando chegou no plenário da Câmara, a votação foi praticamente unânime”, afirma o especialista da EACH-USP.
No dia 30 de setembro de 1992, uma quarta-feira, a acusação de Collor foi admitida por 87,8% dos deputados. Dos 502 parlamentares da Câmara, somente 38 disseram não ao impeachment contra o ex-presidente.
Para Iglecias, se o processo de Dilma for aprovado na Câmara, será por uma margem bem pequena. “A presidente tem pelo menos 100 votos”, diz. “Já a união parlamentar para aprovar o impeachment de Collor foi absurda”, contando inclusive com a união de PT, PMDB e PSDB – hoje de lados opostos.
No cenário atual, Dilma também segue no caminho do isolamento. Após o desembarque oficial do PMDB da base aliada, o governo assistiu à debandada sequencial do PP, PRB e PSD – juntas, as três legendas somam 106 deputados federais.
Ainda assim, o cientista político da FGV/EBAPE diz que, diferentemente de Collor, a petista conta com uma bancada razoável no Legislativo e está inserida em um partido forte – fato que pode garantir o resultado apertado para um dos lados na votação de domingo.
3. Rito
Apesar do rito processual que julgou a ação contra Collor ser o mesmo que julga Dilma Rousseff, o Supremo Tribunal Federal (STF) dava mais autonomia à Câmara dos Deputados.
Em dezembro do ano passado, por exemplo, o Supremo barrou algumas regras definidas pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e estipulou que o procedimento seguisse a Lei do Impeachment, de 1.079/1950.
“Em 92, quando a Câmara admitiu a acusação contra o presidente, ninguém mais defendia Collor”, diz o Iglecias. “O desgaste de um novo julgamento seria tão grande que a votação no Senado foi simbólica”.
No contexto atual, por conta da forte divisão parlamentar, a decisão do afastamento de Dilma estará nas mãos do Senado.
4. Manifestações populares
Em 1992, o pedido de afastamento de Collor era unânime tanto para a população, quanto para as lideranças sindicais e os partidos políticos. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e a União Nacional dos Estudantes (UNE) – hoje, de lados opostos – estavam unidas na luta pela derrubada de Collor.
Como a divisão popular era pequena, os protestos eram bem controlados, descreve Wagner Iglecias.
O principal ato, conhecido como “Domingo Negro”, aconteceu em 16 de agosto de 1992. Dias antes, o então presidente Collor pediu apoio aos brasileiros: convocou a população para vestir verde e amarelo em sua defesa. A proposta fracassou. Em resposta, milhares de brasileiros tomaram as ruas vestindo roupas pretas.
Já no governo Dilma, há uma divisão acentuada entre os que são contra e pró-impeachment. “A impopularidade de Dilma é altíssima, mas, na lógica das manifestações populares, está clara a existência de uma fragmentação da opinião popular”.
Em 2015, três grandes atos contra o governo foram realizados. Neste ano, as manifestações favoráveis (e desfavoráveis) ao impedimento da presidente acontecem esporadicamente. A maior delas foi em 13 de março, quando 3 milhões de pessoas foram às ruas de todo o país clamando pelo impeachment da petista.
5. Postura do Vice
Iglecias diz que, desde o início, o vice de Fernando Collor, Itamar Franco, adotou uma postura reservada e leal. “Ele cumpriu o papel que um vice-presidente deveria cumprir: foi fiel e reservado até o fim”.
Iglecias descreve que Itamar tirou o seu apoio ao presidente apenas quando o processo foi colocado em julgamento na Câmara dos Deputados.
Para o cientista político da Universidade de Brasília (UnB), Antônio Flávio Testa, o vice de Dilma, Michel Temer, adota uma postura defensiva. “Ele está de olho no futuro próximo”, diz.
Nesta semana, o jornal Folha de S. Paulo revelou uma gravação de 14 minutos em que Temer fala como se o processo de impeachment da presidente já tivesse sido aprovado na Câmara.
“Agora, quando a Câmara dos Deputados decide por uma votação significativa declarar a autorização para instalação de processo de impedimento contra a senhora presidente, muitos me procuraram para que eu desse pelo menos uma palavra preliminar à nação brasileira, o que faço com muita modéstia, cautela, com muita moderação, mas também em face da minha condição de vice-presidente, naturalmente de substituto constitucional da senhora presidente da República”, diz Temer na gravação.
Essa é a segunda vez que um depoimento do vice nos bastidores vaza para a imprensa. Em dezembro do ano passado, uma carta dele endereçada a presidente Dilma também veio a público.
No texto, o peemedebista relata uma série de episódios que demonstrariam, nas palavras dele, a “absoluta desconfiança” que Dilma sempre teve em relação a ele e ao PMDB.
Em ambos casos, os vazamentos geraram sátiras e críticas de colegas de partido.
(MSN)