Tudo num clique: a vida na era dos apps
Fonte: http://especiais.g1.globo.com/economia/tecnologia/a-vida-na-era-dos-apps/
É tipo uma lâmpada mágica moderna: com um smartphone na mão, é só clicar ou falar com a telinha para comprar e receber praticamente qualquer coisa onde estiver, decidir em que rua virar — ou se é mais negócio ir pedalando — e até saber a hora de parar e… meditar. O G1 reúne histórias de quem resolve a vida com os aplicativos ou tira sua renda por meio deles.
Lembra de 2014, o ano de “Beijinho no ombro” e do 7 a 1? Também foi naquela época que o brasileiro comprou smartphones como nunca e que aplicativos hoje populares, como o Uber, surgiram ou se consolidaram no país.
De lá para cá, o percentual de usuários da internet que se conectam pelo celular saltou de 76% para 97% — ou 123 milhões de pessoas*. E o brasileiro passa, em média, 3 horas por dia nos apps**.
*Dados de 2018 da pesquisa TIC Domicilios/Cetic. **Relatório de 2018 do App Annie
Do executivo ao catador de recicláveis: muita gente já não consegue viver sem aplicativos. Eraldo Francisco, de 50 anos, conseguiu dobrar a sua renda e trabalhar menos usando o app Cataki, que indica onde há material reciclável. “Não preciso parar e mexer [no lixo]. Eu já vou nas casas certas”, diz o morador de São Pedro da Aldeia, na Região dos Lagos do Rio.
Em outra ponta do Rio de Janeiro, Daniel Braga, de 28 anos, sócio de uma empresa de assessoria financeira, usa mais de 40 apps todos os dias.
Para ele, os aplicativos já substituíram carteira de identidade e de crédito. “Em uma viagem para São Paulo, acabei esquecendo a minha carteira. Cheguei ao aeroporto, apresentei a habilitação no celular, entrei no avião. Quando cheguei lá, fiquei com fome. Encostei o celular na máquina e paguei.”
O Cataki foi idealizado pelo grafiteiro e ativista Mundano e lançado em 2017. O app funciona como um “Tinder da reciclagem”, aproximando catador de quem separa lixo reciclável. Estão cadastrados 1.400 recicladores brasileiros no serviço.
Smartphones no Brasil e a evolução dos apps
Veja os números de vendas de aparelhos nos últimos anose como aplicativos mexeram com a vida das pessoas.
Fonte: IDC e App Annie
Ligando os pontos
Aplicativos viraram ‘pontes’ para conectar pessoas a seus desejos. E tambémligam quem precisa de ajuda aos que estão dispostos, longe ou perto
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Ser os olhos de alguém que não enxerga. A estudante de Joinville (SC) Rhanna Santos, de 19 anos, topou o desafio e se cadastrou no aplicativo Be My Eyes, que conecta voluntários a cegos ou pessoas com visão limitada. Foi assim que ela conheceu a jornalista Mariana Baierle, de 33 anos, que estava em Porto Alegre, a mais de 600 km de distância. A visão de Mariana não passa dos 10%, e ela precisava encontrar um exame de sangue dentre vários papéis. Com uma rápida ligação de vídeo, o problema foi resolvido.
“Fiquei tão feliz no dia, porque ela estava muito agoniada em não saber qual era o papel. Consegui ajudar e mudar o dia dela”, conta Rhanna. Mariana diz que não usa o app o tempo todo, mas ele faz diferença. “Quando me aperto, sei que ele está ali no meu celular à disposição.”
Existem aplicativos que conectam pessoas para diversos fins. Um deles, que mudou a rotina da universitária paulistana Paloma Magalhães, de 22 anos, é o Wazecarpool, um serviço de caronas. Ela encontrou uma garota para dividir os custos do trajeto de 11 quilômetros de casa até o trabalho e também acabar com a solidão da “viagem” de uma hora de duração. Logo, outros bancos do seu carro foram preenchidos, e nasceu um grupo de amigos. “A gente também sai às vezes no bairro, porque a gente mora perto”, diz Paloma.
Para Lucas Pierre Paiva, de 22 anos, a era dos apps significa ter acesso muito mais rápido a vários serviços – e ganhar tempo. O estudante de design e digital influencer não passa vontade. Se quer uma planta para sua casa, em Curitiba, ingredientes para uma receita ou se precisa de ração para o gato, pede por aplicativos e recebe tudo em poucos minutos. Até pipoca de cinema ele já mandou entregar. “E não é que chegou deliciosa? Foi engraçado e inacreditável ao mesmo tempo.” Lucas admite que a praticidade tem um lado ruim: muitas vezes faz compras por impulso.
Mais baixadosem 2018
Maiores apps, por usuáriosativos mensais em 2018
Fonte: AppAnnie
O mundo na mão
A ‘língua’ dos grandes apps é universal: eles funcionam do mesmo jeito em qualquer lugar. Daí que não é preciso saber falar o idioma local para descolar quarto, carro, comida ou achar a rota. E os tradutores no telefone estão cada vez mais eficientes: já leem placas em tempo real.
Pessoas de 129 países já usaram Uber no Brasil
Os mais frequentes são:
Em Olinda (PE), um dos destinos turísticos preferidos do Nordeste, a francesa Diane Arnould, de 27 anos, se vira bem com transporte público e também com apps dos particulares. “Preciso de espaço no telefone e, por isso, prefiro deixar apenas o Uber instalado, já que funciona em diversos países. Para caronas, uso o BlaBlaCar. Adoto a mesma estratégia do couchsurfingpara viajar com segurança. Peço carona, principalmente, a quem já tem avaliações positivas”, afirma.
Menos dados no celular e também menos bagagem. Em vez de levar guias e mapas impressos, Diane usa apenas aplicativos para se localizar. “Mesmo offline, o mapa me mostra tudo, desde hospedagem a mercados e restaurantes.”
Na passagem por Olinda, a francesa conheceu outra estrangeira, a professora espanhola Araceli Luna, de 26 anos. Também usuária de apps que facilitam a viagem, ela aprendeu a tomar alguns cuidados.
Couchsurfing é uma plataforma que funciona em 180 países. Os anfitriões inscritos nela oferecem cama ou Um sofá a turistas sem cobrar nada. A ideia é conhecer gente diferente.
Não dá para ficar o tempo todo com o celular na mão. Eu geralmente faço como os nativos. Se vejo, na rua, os moradores com os smartphones nas mãos, imagino que posso fazer o mesmo. Se as pessoas preferem escondê-los, também o faço. Também escrevo aquilo que vejo no celular num papel, para não depender apenas dele o tempo todo
Acesso restrito
São Paulo pode ser uma metrópole onde todos os grandes apps disponíveis no Brasil iniciam seus serviços. Mesmo ali, não basta ter um smartphone para desfrutar das facilidades.
Em locais como os extremos sul e norte da capital paulista, usuários têm dificuldades para conseguir transporte por app, principalmente tendo esses locais como pontos de partida. Em um mesmo dia o G1 chamou carros do Uber e do 99 Pop para ir aos extremos Norte e Sul de São Paulo e conversou com moradores e motoristas da Vila Brasilândia e de Heliópolis.
Eles relataram falta de atendimento, longas esperas e até corridas que não chegaram ao destino (veja o vídeo).
“Uber aqui não chega, 99 só vem porque é próximo à avenida, mas mesmo assim demora pra chegar”, diz Elias Santos Silva, 18 anos, morador da Vila Guarani, região da Brasilândia.
Se você tem condição de comprar um celular bom, eu também tenho, todo mundo tem condição aqui. Se qualquer outro bairro pode ter [acesso aos aplicativos], por que eu não posso ter?
O Uber diz que o aplicativo “pode impedir solicitações de viagens de áreas com desafios de segurança pública em alguns dias e horários específicos”. A empresa não informou quais são essas áreas.
Mesmo alguns motoristas de apps que chegam a esses locais dizem que preferem cancelar essas corridas, por questão de segurança. Mas nem todos pensam assim. “É mais comum você ser assaltado em bairros no Centro do que na comunidade. Violência tem em todo lugar”, afirma Lucas Thiago Brito de 23 anos, morador da região da Brasilândia e motorista de aplicativo há mais de 6 meses.
O próximo bilhão de usuários
O Brasil foi listado pelo Google como um dos mercados onde estarão os “next billion users”, ou o próximo bilhão de usuários da internet. São lugares onde a rede ainda tem muito potencial para melhorar e se espalhar.
“Para entender para onde a internet está indo, temos que olhar para São Paulo, Bangalore, Shanghai, Jacarta e Lagos”, diz Caesar Sengupta, executivo do Google responsável pela área que estuda os futuros internautas.
Virou trabalho
O Brasil está no topo da lista de lugares onde a economia gerada em dispositivos móveis cresce a ritmo maior que o próprio PIB do país, segundo a consultoria App Annie. Divide o pódio com Japão e Reino Unido.
Carlos Adriel Honorato, de 21 anos, trocou o cimento das obras pelo concreto das vias do DF. Ele deixou de ser ajudante de pedreiro para entregar comida, motivado pelo dinheiro. Mas a regra é conhecida: ganha bem quem trabalha bastante. O motoboy vê vantagens na vida autônoma, mas também cita os riscos e a falta de direitos trabalhistas. “Se for roubado, não tem jeito, você perdeu.”
Quem faz minha renda sou eu, quem faz meus horários sou eu. A gente passa a ganhar dinheiro, mas não tem direito a INSS. Vira um vício. Você vê o dinheiro entrando e quer rodar mais. Já trabalhei 14 horas sem pausa
Motoboys que trabalham com aplicativos de entrega se veem em um limbo jurídico: eles são autônomos ou têm vínculo trabalhista com as plataformas? O Ministério Público do Trabalho de São Paulo ajuizou ao menos duas ações civis públicas dizendo que as empresas se omitem em relação ao vínculo de trabalho. Plataformas do tipo dizem que estão “reinventando a logística” e que é preciso uma regulamentação inovadora.
Diferente de Carlos, o que levou o administrador Sidnei Sarmento aos aplicativos não foi a possibilidade de ganhar mais, e sim o desemprego. Depois de 25 anos de estabilidade em uma grande empresa, ele entrou para o grupo dos milhões de brasileiros sem trabalho, segundo o IBGE. “Consegui achar no Uber uma luz para eu me manter. Mas eu não quero permanecer nessa atividade”, diz Sidnei, morador do Rio de Janeiro.
Para a confeiteira Layde Sena, 41 anos, os aplicativos significaram a saída de uma crise financeira. Ela fechou uma loja física em Teresina que só dava prejuízo e passou a ter lucro vendendo bolos pela internet. Antes, Layde gastava R$ 5 mil e faturava apenas R$ 4,5 mil. Sem os custos da loja, ela consegue hoje um lucro de R$ 5 mil. Apesar de se dar bem com os apps, a confeiteira não abre mão do caderninho, onde guarda o telefone de todos clientes.
Os fotógrafos Laysa Gomes e Léo Branco, de São Luís, são exemplo de quem teve problemas com a tecnologia. Uma falha no WhatsApp no dia 3 de julho comprometeu a comunicação com os clientes, e eles perderam trabalhos. “Eu vivo no aplicativo e sofri com esse ‘bug’. Nesse dia, não fechamos orçamentos.”
Para onde vamos?
A próxima fronteira dos aplicativos no Brasil pareceestar no nicho financeiro.
O número de downloads de apps de finanças cresceu 75% entre 2016 e 2018 no mundo, segundo a consultoria App Annie. No Brasil, a alta foi de mais de 100%.
E 28% dos brasileiros conectados usaram um serviço on-line para fazer pagamentos em 2018, segundo a pesquisa TIC Domicílios.
A referência desse mercado é a China, que “pulou” do dinheiro “vivo” para os apps sem nem passar pelos cartões de plástico, e por isso acabou se desenvolvendo muito no digital.
Por lá, a carteira digital aparece até dentro de aplicativos que têm outras funções, como o WeChat — WhatsApp dos chineses.
Nos últimos meses, diversas grandes empresas anunciaram novos produtos de pagamentos móveis e carteiras digitais no Brasil. O maior app do tipo no país, o PicPay, tem 10 milhões de usuários na base – em 2014, eram 500 mil. E a meta é chegar ao dobro no ano que vem.
A maioria desses clientes ainda está em regiões como Sul e Sudeste e é bastante jovem: tem entre 18 e 34 anos. Neste ano, a empresa patrocinou a Taça das Favelas no Rio e em São Paulo, de olho no potencial de consumo das classes C e D — estratos em que mais da metade da população já está conectada, principalmente pelo celular.
No mercado global, até o Facebook, que é dono dos aplicativos mais baixados no mundo — Instagram, WhatsApp e Messenger — apresentou sua própria criptomoeda, a libra, que será lançada em 2020, e uma carteira digital, para facilitar pagamentos e transferências digitais.
Com mais de 2,3 bilhões de pessoas em sua base de dados, a empresa tenta usar esse número gigante de pessoas para alavancar a expansão do próprio projeto.
O tamanho dos mercados no digital
Previsão para o Brasil
R$ 174 bi
Pagamentosvirtuais
R$ 91 bi
E-commerce
R$ 19 bi
Redes sociaise mensagens
R$ 11 bi
Entregade comida
R$ 2 bi
Transporte
Fonte: Itaú BBA