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Estudo da USP diz que classificação ‘Centro e periferia’ é ultrapassada e identifica 8 novos padrões urbanísticos em SP

A divisão de São Paulo entre Centro e periferia é ultrapassada e insuficiente para dar conta da grande complexidade do município, já que a megalópole tem ao menos oito padrões urbanísticos diferentes. Eles vão de áreas predominantemente comerciais da região central a localidades com setores rurais de zonas afastadas (veja na imagem acima).

Essa é a conclusão de uma pesquisa inédita do Núcleo de Estudos de Estudos Violência da Universidade de São Paulo (NEV-USP) à qual o G1 teve acesso.

Dentre os principais pontos levantados pelo estudo, estão:

  • dividir São Paulo apenas entre Centro e periferia não faz mais sentido
  • a cidade tem ao menos oito padrões urbanísticos diferentes – de áreas predominantemente comerciais e com infraestrutura a localidades com setores rurais; na pesquisa, esses padrões foram nomeados de A a H (veja detalhamento abaixo)
  • entre os indicadores para delimitar os grupos, estão: condições ambientais, condições habitacionais, condições sanitárias e de higiene, mobilidade urbana, padrões criminais e perfil populacional
  • ideia de que a periferia é violenta (senso comum tanto para a população quanto para o poder público) não é verdadeira
  • há muitas periferias e muitos Centros de São Paulo
  • os padrões identificados não se refletem nas divisões político-administrativas existentes, e isso revela uma desconexão entre a gestão pública e a estrutura da cidade

A ideia do estudo, segundo o pesquisador Marcelo Batista Nery, partiu do interesse por analisar a seguinte contradição: embora o processo de democratização tenha evoluído no Brasil, a violação aos direitos humanos não foi reduzida.

Uma das explicações para isso, diz Nery, é haver uma cidade como São Paulo, por exemplo – ela é heterogênea, ou seja, não tem um único padrão. A desigualdade social é um dos motivos para essa variação tão ampla de padrões.

“A primeira ideia era usar São Paulo como área de estudo, mas sabemos que existem várias ‘São Paulos’ em São Paulo. Pensamos verificar uma relação de Centro e periferia, mas isso caiu rapidamente, porque se percebeu que essa relação não fazia mais sentido, dada a fragmentação da própria cidade”, disse o pesquisador em entrevista ao G1.

Um dos exemplos citados por Nery – que conduziu a pesquisa ao lado de Altay Lino de Souza e Sérgio Adorno – é o da variação da violência em um mesmo bairro.

“Por exemplo, a relação de direito à vida com os homicídios era um elemento que estava longe de respeitar os limites político-administrativos. A [Organização das Nações Unidas] ONU, em meados da década de 1990, declarou o Jardim Ângela como sendo um dos lugares mais violentos do mundo. Mas aquela localidade é exatamente na ‘fronteira’ entre Jardim Ângela, Capão Redondo e Jardim São Luís, na Zona Sul”, afirma.

“Então, as unidades político-administrativas existentes não se mostravam adequadas a um estudo, dado que não era o Jardim Ângela como um todo que era violento. Mas havia lugares específicos dentro do Jardim Ângela que eram muito violentos.”

A cidade de São Paulo possui mais de 1,5 mil km² de área e cerca de 12 milhões de habitantes. Atualmente, o município é dividido oficialmente em 96 distritos, que são administrados por 32 subprefeituras. Geograficamente, os distritos estão agrupados regiões ou “zonas”.

No entanto, os pesquisadores concluíram que não fazia sentido trabalhar com essas divisões. Mas como encontrar semelhanças e diferenças em lugares tão distantes entre si?

“Tão importante quanto saber a característica do lugar era saber como essa característica evoluiu no decorrer do tempo. Uma coisa fundamental para distinguir os lugares em São Paulo é a verticalização. Só que, mais importante do que quanto é verticalizada a área, é o quão rápido esse processo se deu. Porque isso tem impactos econômicos e sociais”, responde Nery.

Diferentes tipos de urbanização na cidade de São Paulo — Foto: Divulgação/NEV USPDiferentes tipos de urbanização na cidade de São Paulo — Foto: Divulgação/NEV USP

Diferentes tipos de urbanização na cidade de São Paulo — Foto: Divulgação/NEV USP

Urbanização como critério

Depois de vários testes, os três pesquisadores encontraram 19 indicadores que se mostraram fundamentais para determinar cada padrão urbano.

“Sem sombra de dúvidas, a variável mais influente para a definição do padrão de fragmentação da cidade foi o momento em que a localidade foi urbanizada. O primeiro dado do mapa de urbanização da cidade é de 1881, então a gente foi seguindo por faixas de período até 2010”, explica Nery.

Apesar de o período de urbanização ser o fator preponderante, grupos com histórias semelhantes acabaram se diferenciando quando consideradas outras características.

“Existem três padrões cujo período de urbanização é bem próximo: C, D e E. Entretanto, eles são muito diferentes. O padrão C, por exemplo, se caracteriza por ser de domicílios com residentes de mais alta renda, de condomínios fechados, de prédios de alto padrão. Essa localidade, apesar de ter sido urbanizada no mesmo período [que as demais], é onde a população mais rica se concentra”, afirma Nery.

Houve casos, entretanto, em que o alto índice de violência contou como elemento fundamental para compreender determinados padrões.

“Então, essa ideia que a periferia é violenta – que está muito no senso comum da população e do poder público ainda hoje – não é verdadeira. Assim como existem muitas periferias, existem muitos centros de São Paulo”, avalia o pesquisador.

“Evidentemente um centro que é mais voltado para a atividade comercial e de serviços, onde a infraestrutura urbana é muito boa. E existe um centro muito mais voltado à residência das pessoas”, completa, explicando a diferença entre os padrões A e B.

Veja abaixo os oito padrões urbanísticos de SP:

Grupo A

Grupo A - padrão urbanístico de São Paulo — Foto: Divulgação NEV/USP Grupo A - padrão urbanístico de São Paulo — Foto: Divulgação NEV/USP

Grupo A – padrão urbanístico de São Paulo — Foto: Divulgação NEV/USP

  • Descrição: comercial e de serviços
  • Urbanização: antiga, quase toda na década de 1920. Processo completou-se entre 1950-1962
  • Características: habitações de uso coletivo, como hotéis, pensões, hospitais e alojamentos; além disso, tem maior proporção de edifícios, que tendem a contar com um número menor de unidades por andar – essa condição é comum em estabelecimentos comerciais, como escritórios. Pontos de grande atividade econômica, como a Avenida Paulista e a Avenida Engenheiro Luís Carlos Berrini, além de áreas da região Central, como Higienópolis; a concentração de renda nesse padrão é elevada em comparação a outras áreas

“[O grupo A] Se concentra mais na região Central da cidade, do ponto de vista geográfico e de ser a localidade que foi primeiro urbanizada na cidade. Estou falando da região Central mesmo, que na década de 1920 já estava passando pelo processo de urbanização, falando de Higienópolis, toda essa localidade”, explica Marcelo Batista Nery, um dos autores do estudo.

“Essa localidade tem como característica tanto ter uma infraestrutura muito boa quanto ter uma mobilidade urbana muito importante. É aquele lugar onde a pessoa vai trabalhar, mas não é lugar onde a pessoa reside. A população flutuante é muito grande.”

Grupo B

Grupo B - padrão urbanístico — Foto: Divulgação/ NEV-USP Grupo B - padrão urbanístico — Foto: Divulgação/ NEV-USP

Grupo B – padrão urbanístico — Foto: Divulgação/ NEV-USP

  • Descrição: residencial de urbanização consolidada
  • Urbanização: majoritariamente entre 1930 e 1949. Completou-se no período entre 1975-1985
  • Características: é semelhante ao grupo A, mas com bem menos domicílios improvisados; tem a menor densidade demográfica entre os 8 grupos e é predominantemente residencial, reunindo algumas das áreas mais valorizadas da cidade

“O grupo B foi a localidade que foi urbanizada logo depois da A. Tem uma infraestrutura muito boa, mas não é tão boa como a primeira. E ela tem como característica ser muito mais voltada à questão residencial que de atividade econômica”, diz Nery.

Grupo C

Grupo C  — Foto: Divulgação/NEV-USP Grupo C  — Foto: Divulgação/NEV-USP

Grupo C — Foto: Divulgação/NEV-USP

  • Descrição: urbanização radial
  • Urbanização: entre 1950 e 1962, o que coincide com a degradação da região central
  • Características: são os condomínios de alto padrão; o grupo C tem boas condições sanitárias e de higiene, destacando-se pela elevada proporção de chefes de família alfabetizados (98,9%) e de alta renda (5,5%)

“O C são os condomínios de alto padrão. Se lembrar daquela foto famosa que tem Paraisópolis de um lado e do outro um prédio com piscinas. O lado do prédio rico é o padrão C, mas do lado tem Paraisópolis. Para ver que não dá para falar que o Morumbi é assim. Pela característica de não estar em área de proteção de mananciais, Paraisópolis provavelmente deve se encaixar no E ou F”, diz o pesquisador.

Grupo D

Grupo D — Foto: Divulgação/NEV-USP Grupo D — Foto: Divulgação/NEV-USP

Grupo D — Foto: Divulgação/NEV-USP

  • Descrição: residencial disperso de urbanização radial
  • Urbanização: majoritariamente entre 1950 e 1962
  • Características: tem baixos índices de verticalização e baixa taxa de homicídios; a proporção de domicílios com instalação sanitária é menor do que a dos três primeiros grupo. Áreas mais periféricas e com infraestrutura menos adequada que nos grupos A, B e C

“O D é a localidade que tem o padrão médio. A violência nesse local é média, infraestrutura mais ou menos. A única coisa que chama a atenção nessa localidade é o fato de que, segundo o último senso de 2010, não havia nenhum domicílio improvisado neste grupo”, afirma Nery.

Grupo E

Grupo E — Foto: Divulgação/NEV-USPGrupo E — Foto: Divulgação/NEV-USP

Grupo E — Foto: Divulgação/NEV-USP

  • Descrição: habitação irregular em áreas de urbanização antiga
  • Urbanização: mesmo período que os grupos C e D (1950- 1962), mas cresceu entre 1991-2010
  • Características: foi o mais atingido pelo crescimento populacional, as migrações e a demanda por habitação. Nessas áreas, os moradores começaram a sublocar seus imóveis, o que favoreceu a formação de cortiços e favelas

“Tem uma infraestrutura média, como o D, mas o que diferencia muito é o fato de ter muita favela com uma densidade demográfico muito grande. [São] os lugares mais urbanizados, que têm já uma infraestrutura, mas com essas favelas com alto adensamento”, diz o autor do estudo.

Grupo F

Grupo F — Foto: Divulgação/USP-NEVGrupo F — Foto: Divulgação/USP-NEV

Grupo F — Foto: Divulgação/USP-NEV

  • Descrição: residencial concentrado de urbanização gradativa em áreas de proteção aos mananciais e de risco geológico
  • Urbanização: entre 1950 e 1985
  • Características: marcado pelo baixo crescimento populacional e baixos índices de verticalização. O grupo F se distingue dos demais pelo alto padrão de homicídios. São áreas de proteção de mananciais.

“O F já entra na área de proteção de mananciais, sendo que é o lugar mais violento da cidade. É uma característica muito importante”, afirma Nery.

Grupo G

Grupo G — Foto: Divulgação/USP-NEVGrupo G — Foto: Divulgação/USP-NEV

Grupo G — Foto: Divulgação/USP-NEV

  • Descrição: habitação irregular concentrada em áreas de urbanização atual
  • Urbanização: iniciou-se no período entre 1963-1974, mas ainda possui áreas não urbanizadas
  • Características: destaca-se pela variação de verticalização e ainda preserva parte do seu território como rural

“O G também está na periferia, também começa a entrar na área de proteção de mananciais e se caracteriza por uma infraestrutura urbana muito ruim. O atendimento de água é ruim, o atendimento de esgoto é ruim, a coleta de lixo. Mas tem menos favelas que no E. É menor a densidade em comparação ao E”, explica o pesquisador.

Grupo H

Grupo H  — Foto: Divulgação/NEV-USP Grupo H  — Foto: Divulgação/NEV-USP

Grupo H — Foto: Divulgação/NEV-USP

  • Descrição: habitação em áreas periurbanas
  • Urbanização: de 1975 a 1985
  • Características: tem o maior conjunto de setores rurais e as áreas com maior risco geológico; registra os piores índices de atendimento de água, esgoto e coleta de lixo

“O H á a região periurbana. São locais que mesmo em uma cidade global como São Paulo ainda têm características rurais. Além desse fator, também chama a atenção o fato de ser muito violento. Menos que o F, mas muito violento. O número de chefes de família de alta renda é raro”, diz Nery.

Fonte: G1 São Paulo