‘É como se eu estivesse sempre gripada’; recuperados da Covid-19 relatam fadiga muscular e cansaço respiratório
Um estudo italiano publicado na revista científica “Annals of Internal Medicine” mostrou que pessoas que tiveram uma forma grave de coronavírus, sobretudo as com idade mais avançada e que foram hospitalizadas em cuidado intensivo, podem desenvolver problemas neuromusculares, como dificuldade para engolir, enfraquecimento das cordas vocais e fadiga muscular (veja mais abaixo).
Ao contrário dos pacientes analisados no estudo, a enfermeira de São Paulo Larissa Leal Rodrigues, de 31 anos, teve uma forma moderada da Covid-19 e não precisou ser hospitalizada, mas está com fadiga muscular mais de três meses após ter sido diagnosticada com o vírus.
“Estou bem, mas minha respiração não voltou ao que era antes. O corpo está bem cansado, querendo cama todo o dia. É como se eu estivesse sempre gripada”, conta Larissa.
Antes da Covid-19, Larissa corria cerca de 15 km por semana e fazia musculação todos os dias. Devido à fadiga muscular e ao cansaço respiratório, a enfermeira ainda não conseguiu voltar a correr nem a fazer exercícios físicos rigorosos.
“Tenho conseguido fazer musculação, mas não consigo mais fazer exercícios seguidamente, preciso parar para descansar”, conta.
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Além dos problemas neuromusculares, Larissa ainda não recuperou o olfato. “Não sinto cheiro de perfume, comida estragada ou do cocô dos meus cachorros. Já aconteceu do meu marido dizer: ‘tem algo queimando no fogão’, e eu não sentir o cheiro.”
A dor de cabeça na região da testa é outro sintoma da Covid-19 que Larissa ainda sente.
A enfermeira Larissa era fisicamente ativa antes da Covid-19. Mais de 3 meses após a infecção, ainda não conseguiu se recuperar. — Foto: Arquivo pessoal
O médico que cuida do caso de Larissa é o pneumologista Frederico Fernandes, presidente da Sociedade Paulista de Pneumologia e Tisiologia. Ele conta que quadros como o da enfermeira têm sido mais frequentes.
“Estamos vendo que pacientes que tiveram coronavírus na Itália, grande parte ficou com sintomas persistentes, como falta de ar, cansaço e fadiga muscular. Também observamos que pacientes pós-Covid ficam menos tolerantes a atividades físicas. Isso aconteceu com pacientes meus que eram atletas e não conseguiram ainda recuperar seus condicionamentos físicos”, diz Fernandes.
Sequelas pulmonares
O pneumologista está tratando ainda alguns pacientes pós-coronavírus que estão com sequelas persistentes.
“Temos visto muitos casos de fibrose pulmonar após a recuperação da Covid-19, principalmente em pacientes que precisaram ser internados na UTI”, relata o médico.
Fernandes conta o caso de um senhor de 60 anos, saudável, que desenvolveu a fibrose após a infecção pelo vírus.
“Ele ficou 30 dias internado por causa da Covid-19, mas não precisou ser entubado. O pulmão dele está com sequelas causada pela fibrose. Atualmente, ele precisa de fisioterapia respiratória e física, suplementação de oxigênio e acompanhamento fonoaudiólogo”, relata Fernandes.
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Quanto aos pacientes que passaram pela entubação, Fernandes explica que alguns precisam de reinternação por causa dos problemas neuromusculares.
“Muitos ficam com problemas neuromusculares após a UTI. Uma das consequências é a perda na coordenação da respiração e deglutição. Eles se alimentam e não percebem que aspiram comida. Desenvolvem pneumonia e, como já estão debilitados, precisam ser reinternados”, conta o médico.
Por causa das sequelas que muitos têm apresentado, para o médico intensivista e epidemiologista da Universidade de São Paulo (USP) e do Instituto de Saúde Global de Barcelona, Otavio Ranzani, é cedo para se falar em curados do coronavírus.
“Ainda estamos aprendendo sobre os efeitos a médio e longo prazo de quem teve Covid-19 e o que já sabemos é que uma parcela ainda terá efeitos da doença, seja no pulmão ou outros órgãos [depois dos 14 dias]”, explica Ranzani.
“Muitos doentes que tiveram um quadro sintomático e são considerados recuperados, na verdade, ainda sentem sintomas, como tosse, cansaço, dor muscular entre outros”, exemplifica o intensivista.
“No pós-pandemia, veremos novas demandas para o sistema de saúde. Teremos pacientes pós-Covid com sequelas pulmonar, cardíaca, déficit cognitiva. Serão milhares de pessoas que precisarão do acompanhamento médico de uma equipe multidisciplinar”, afirma Fernandes.
Miastenia grave
No estudo italiano, cientistas de três universidades da Itália descrevem o caso de três pacientes que não tinham doença autoimune ou neurológica, mas que desenvolveram a miastenia grave cerca de uma semana após terem febre alta (por volta de 39º C) por causa da Covid-19.
A miastenia grave é uma doença neuromuscular autoimune que ataca os músculos de várias regiões do corpo, podendo afetar atividades vitais como engolir e respirar.
Foram os casos e os sintomas desenvolvidos:
Paciente 1: homem de 64 anos que, após 4 dias de febre, apresentou diplopia (popularmente conhecida como visão dupla) e fadiga muscular. “A estimulação repetitiva do nervo facial diminuiu 57%”, descreveram os cientistas
Paciente 2: homem de 68 anos que apresentou fadiga muscular e disfagia (dificuldade de engolir) após 7 dias de febre
Paciente 3: mulher de 71 anos que desenvolveu hipofonia (enfraquecimento das cordas vocais) e disfagia depois de 6 dias de febre
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A miastenia grave ocorreu nos pacientes, de acordo com o artigo, após o vírus induzir o corpo a atacar o cérebro, acionando o sistema imunológico para produzir anticorpos que, erroneamente, tiveram como alvo os tecidos ou órgãos da própria pessoa.
Miastenia gravis provoca grande fraqueza muscular
Tremores e delírios
Diversas pesquisas têm demonstrado que pacientes da Covid-19 podem desenvolver uma gama de problemas neurológicos.
Em 7 de julho, a revista especializada “Brain” publicou um estudo da University College London sobre as consequências neurológicas da Covid-19. Delírio, inflamação cerebral, derrame e danos nos nervos estão entre alguns sintomas detectados nos pacientes.
Outro estudo recente identificou danos cerebrais em 125 pacientes que estiveram em estado grave por conta do coronavírus. Quase metade deles havia sofrido derrame devido a algum coágulo que se formou. Outros apresentaram inflamação cerebral, psicose e sintomas de demência.
Segundo os pesquisadores, também havia ligações entre danos neurológicos e a Sars e a Mers. Mas no caso da Covid-19 isso está acontecendo em uma escala muito maior.