Brumadinho: 6 meses após acordo que prevê aplicação de multas não pagas pela Vale em parques, nenhum projeto foi apresentado
Seis meses se passaram desde o anúncio do acordo que destina os R$ 250 milhões em multas aplicadas pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) após a tragédia de Brumadinho, e não pagas pela Vale, a investimentos nos parques federais do estado e em programas de saneamento. Mas até agora, nenhum projeto foi apresentado pela mineradora.
O desastre da barragem da mineradora, ocorrido em janeiro de 2019, matou 270 pessoas. Destas, 11 continuam desaparecidas.
A Vale aguarda decisão judicial sobre o acordo para apresentar propostas, já que, pouco depois da homologação do documento em setembro, o Ministério Público Federal (MPF) pediu sua anulação (vídeo abaixo).
Ministério Público Federal quer anular acordo em que a Vale destinaria verba a parques
De acordo com o MPF, a medida abre a possibilidade de se transferir à Vale “não só a elaboração de projeto de fortalecimento e apoio à gestão dos parques nacionais, mas a própria gestão em si, o que contraria a Lei 9.985/2000”. A legislação não permite que uma empresa privada fique à frente de unidades de conservação, sem participação de órgão público.
O acordo foi anunciado em julho pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, em Belo Horizonte. Na época, ele disse que o dinheiro será liberado pela empresa a partir do momento em que projetos de reestruturação forem feitos. Porém, o ministro não deu nenhum prazo para que isso aconteça.
“Para que a gente entrasse numa discussão longa de aplicação de recursos, sujeito ao regime de aplicação pública, este modelo pressupõe que será a própria companhia que irá custeando projetos na medida que projeto for escolhido. Serão feitos os projetos, a companhia, a Vale executa”, disse o ministro. “A escolha será feita de acordo com o interesse público, porém com agilidade inerente ao setor privado”, completou ele durante o anúncio.
Ministro Ricardo Salles (esq), governador Romeu Zema e ministro Marcelo Álvaro Antônio — Foto: Redes sociais
Dos R$ 250 milhões previstos, R$ 150 milhões serão destinados aos parques da Serra da Canastra, do Caparaó, da Serra do Cipó, da Serra do Gandarela, Cavernas do Peruaçu, Grande Sertão Veredas e as Sempre-Vivas. Os outros R$ 100 milhões serão destinados a programas relacionados a saneamento gerenciados pelo Ministério.
O MPF também alega que a homologação do acordo foi feito pelo juiz Mário de Paula Franco, da 12ª Vara Federal, que não participa das decisões que envolvem Brumadinho. Ele costuma atuar em ações referentes a Mariana, onde 19 pessoas morreram após barragem da Samarco, pertencente à Vale, se rompeu, em 2015.
Segundo o órgão, é “intrigante” como o acordo contemplou “uma inusitada cláusula de escolha de Vara e magistrado específico, qual seja, o juiz federal substituto da 12ª Vara Federal Cível e Agrária de Belo Horizonte”.
O juiz fundamentou sua decisão sobre a homologação se baseando no acordo firmado no caso do Rio Doce, contaminado pelo “mar de lama” há cinco anos. Porém, o MPF afirma que são casos muito diferentes.
“São eventos diferentes, ocorridos em momentos e espaços diferentes, sendo que o desastre de Brumadinho vem sendo processado perante a Justiça Estadual de Minas Gerais”, disse o MPF em sua alegação.
O MPF também alega que não foi intimado a se manifestar sobre o acordo e que contesta a decisão de não investir o valor nas comunidades atingidas em Brumadinho.
Os R$ 250 milhões em multas aplicadas pelo Ibama são por causar poluição ambiental, provocar morte de espécimes da biodiversidade; lançar rejeitos de mineração em recursos hídricos; causar poluição hídrica e tornar área imprópria para a ocupação humana.
Até o momento, a Justiça não julgou o pedido de anulação e não há previsão para que isso aconteça.
O que dizem os envolvidos
Procurado pelo G1, o ICMBio, que vai participar da realização dos projetos, informou que o Ibama é o responsável pela questão da multa. O instituto confirmou que até o momento nenhum projeto da mineradora foi apresentado.
A Vale informou que pagou a multa de R$ 250 milhões, mas que o valor está depositado em juízo até o julgamento do pedido da anulação. A mineradora disse ainda que o acordo “não prevê transferência da gestão de parques nacionais para a empresa.”
O G1 também procurou o Ministério do Meio Ambiente, mas até a conclusão desta reportagem, não obteve resposta.
A Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) informou que os R$ 100 milhões a serem investidos em saneamento básico serão aplicados no fechamento de lixões em Minas Gerais.
Neste ano, a previsão é que R$ 9 milhões deste montante serão usados para “a construção e operacionalização de quatro unidades de triagem e compostagem no Norte de Minas”.
Em nota, a Semad informou que está discutindo com o Ministério do Meio Ambiente “outras áreas prioritárias para o fechamento de lixões no Estado, em que serão aplicados os R$ 91 milhões restantes do valor da multa pago pela mineradora ao Governo Federal”.
Parques concedidos
Em abril do ano passado, Salles já havia dito que o dinheiro da multa iria para os parques de Minas Gerais. Mesmo com o dinheiro da Vale, todos eles passarão por processo de concessão para a iniciativa privada.
O ministro disse na época que os investimentos iniciais feitos com a multa colaborarão para tornar as áreas mais atrativas – embora no processo de concessão umas das obrigações geralmente impostas aos concessionários é o investimento no patrimônio público.
Na época, o Ministério Público Federal (MPF) pediu explicações ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) sobre a possível conversão de multa aplicada à Vale pelo desastre de Brumadinho (MG) em investimento em parques de Minas Gerais.
Em nota, o diretor executivo de Relações Institucionais, Comunicação e Sustentabilidade da Vale, Luiz Eduardo Osório, chegou a dizer que o acordo é “um marco importante”.
“O acordo para a autocomposição da multa do Ibama é um marco importante do nosso compromisso de reparar e compensar os impactos do rompimento da Barragem I do Córrego do Feijão”, contou ele.
Fonte: G1 Minas Gerais