2 anos após tragédia da Vale, quatro cidades do entorno de Brumadinho ainda sofrem com impactos
Há dois anos, Selma Barbosa vendia hortaliças para a Central de Abastecimento de Minas Gerais (Ceasa). A horta era irrigada com a água do Paraopeba, que passava perto da casa dela. Mas às 12h28 do dia 25 de janeiro de 2019, um “mar de rejeitos” vindo da barragem de Córrego do Feijão, da Vale, em Brumadinho, contaminou o rio.
“O rio era tão limpinho tão maravilhoso. Eu plantava milho, alface, couve, cebola, pimentão, tomate, quiabo, banana. Eram a minha renda. Eu perdi tudo. Agora só Deus para ter misericórdia da gente”, disse a produtora rural que precisou vender as criações de gado e de porcos para poder sobreviver.
Selma está entre as 3.066 pessoas que sofrem as consequências da contaminação do Rio Paraopeba em São Joaquim de Bicas – cidade em que mora –, Betim, Mário Campos e Juatuba.
Horta de Selma Barbosa, em São Joaquim de Bicas, já foi mais vistosa — Foto: Selma Barbosa/Arquivo pessoal
De acordo com um relatório feito pela Associação Estadual de Defesa Ambiental e Social (Aedas), contratada como assessoria técnica independente, por determinação da Justiça, 62,51% dos atingidos não exercem nenhum tipo de atividade remunerada. Selma, por exemplo, vive hoje do bolsa-família.
“A gente vive aqui sem renda nenhuma. Às vezes eu escovo o cabelo de alguém. A gente vive assim hoje. Era tanta fartura, acabou tudo”, contou ela.
Segundo o relatório, 67% dos atingidos de São Joaquim de Bicas tiveram diminuição de renda após o rompimento da barragem da Vale. Em Mário Campos, este índice chegou a 66%. Em Juatuba, o número foi 64% e 63% em Betim.
“Os moradores atingidos pelo rompimento tiveram renda muito prejudicada. A questão da contaminação da água, morte de rebanhos e animais, contaminação de hortas, por exemplo, vem acarretando progressivamente danos à saúde das pessoas e ao desenvolvimento econômico local. Os danos são constatados desde a perda dos espaços e formas de produção até o aumento do custo de vida no território”, disse o coordenador institucional da Aedas, Luiz Ribas.
Falta de água para beber
Caminhão-pipa da Vale abastece caixa d’água na região do Rio Paraopeba — Foto: Vale/Divulgação
Ainda segundo o relatório, menos de 40% das famílias atingidas têm regularidade no abastecimento de água. Desde a suspensão do uso da água do Paraopeba, os moradores relatam problemas no abastecimento.
O Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam) constatou que o Rio Paraopeba, no trecho entre Brumadinho e Pompéu, está impróprio para consumo e agricultura. Desde então, o abastecimento e a distribuição de água potável têm sido responsabilidade da Vale, de acordo com determinação da Justiça.
Porém, de acordo com relatório da Aedas, 12% dos atingidos de São Joaquim de Bicas, 11% dos de Betim, 7% dos de Mário Campos e 6% dos de Juatuba disseram que não têm água para beber.
Água do Rio Paraopeba está imprópria para consumo — Foto: Ibama/Divulgação
“Até setembro de 2020, cerca de 1.165 famílias entraram em contato com as assessorias técnicas, principalmente apontando problemas na distribuição de água feita pela Vale”, disse Luiz Ribas..
Várias comunidades se tornaram dependentes dos caminhões-pipa disponibilizados pela Vale, na tentativa de minimizar o problema de abastecimento. Segundo a mineradora, 55 veículos percorrem, juntos, 11 mil quilômetros por dia, em média, levando água para moradores ribeirinhos manterem as criações e hortas. Fardos de água mineral para uso doméstico também são distribuídos, segundo a Vale.
“Hoje a gente tem que molhar as plantas com pingo de água que recebe de vez em quando. Plantinhas fazem até dó”, disse Selma.
Muitos moradores também relataram problemas com a Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa). Em Juatuba, 86% dos atingidos se sentem inseguros de usar a água fornecida pela empresa. Em Betim, este número está em 69%; em Mario Campos, 60% e em São Joaquim de Bicas, 52%.
Segundo o relatório, 31% dos atingidos de Mario Campos relataram problemas de saúde que teriam sido causados pela água, como problemas intestinais e de pele. Em Betim, este índice chega a 30%, 26% em São Joaquim de Bicas e 25% em Juatuba.
“O que mudou foi a tranquilidade. Aumento de dúvidas com relação a qualidade da nossa água, do ar, do solo. Antes da tragédia, o nosso rio recebia visitações. Hoje não acontece mais, pois não se pode pescar”, contou Vanessa Antônia Gonçalves do Prado, moradora de Juatuba.
De acordo com ela, os problemas no abastecimento ficaram frequentes depois da tragédia.
“Tem dias que falta muita água. Meu marido, uma vez, ficou com as mãos com cheiro forte de ferrugem após me ajudar com afazeres da casa”, disse a dona de casa.
Comportas da unidade de captação de água do Paraopeba não funcionam desde o rompimento — Foto: Thais Pimentel/G1
O Sistema Paraopeba, criado no fim de 2015 para solucionar o problema de racionamento de água na época, se tornando responsável por 43% do abastecimento na Região Metropolitana de Relo Horizonte, está paralisado desde o rompimento da barragem.
A Vale foi obrigada pela Justiça a construir um novo ponto de captação para evitar uma crise no fornecimento de água. A nova estação só deve ficar pronta em fevereiro. A Copasa informou que não há risco de desabastecimento porque os reservatórios estão operando acima da média.
Sobre a desconfiança em relação à qualidade da água relatada por atingidos em Juatuba, Betim, São Joaquim de Bicas e Mário Campos, a companhia informou que as cidades são abastecidas pelas represas Rio Manso e Serra Azul. “Portanto, a água captada, tratada e distribuída para os moradores dessas cidades não é do rio Paraopeba”, disse a nota.
Em atendimento à solicitação da Aedas, a Copasa “visitou todos os locais indicados pela associação com suspeita da qualidade da água, coletou e realizou a análise fisicoquímica da água distribuída. Todas as amostras confirmaram a potabilidade da água”.
Sobre os relatos de falta de água frequente desde o rompimento da barragem, até a conclusão desta reportagem, a Copasa informou que o fornecimento está normal.
Auxílio financeiro
Pássaro pousa na margem do Rio Paraopeba, em Brumadinho (MG), dias depois do rompimento da barragem — Foto: Edmar Barros/Estadão Conteúdo
A Aedas ainda afirma que “não é adequada a proposição do uso do auxílio financeiro emergencial, ainda pago pela Vale, como forma de mitigação dos danos apresentados nesta matriz. É preciso reconhecer que o auxílio financeiro tem como finalidade a manutenção geral das condições de vidas das famílias atingidas, e a mitigação de danos relacionados à perda da capacidade ou redução drástica no auferimento de renda e/ou aumento de despesas cotidianas”.
A assessoria técnica definiu 247 medidas para mitigação dos danos causados pelo rompimento da Barragem de Córrego do Feijão, em Brumadinho.
A Vale disse em nota que o “pagamento emergencial mensal segue sendo pago a mais de cem mil pessoas residentes em Brumadinho e até 1 km do leito do rio Paraopeba. Os recursos destinados ao auxílio emergencial ultrapassam R$ 1,7 bilhão”.
Leia abaixo a nota da Vale na íntegra
“A Vale não tem medido esforços para garantir que as pessoas impactadas pela interrupção da captação no rio Paraopeba tenham água sempre à disposição e em quantidade suficiente, bem como para viabilizar a continuidade das atividades de produtores rurais atingidos.
Desde o rompimento, foram realizadas 2.262 visitas e mais de 15 mil atendimentos para identificar o volume de água necessário para atender plena e regularmente as famílias e produtores rurais elegíveis ao longo de 250 quilômetros de extensão do rio (de Brumadinho a Pompéu). Em janeiro de 2021, passamos da marca de 1 bilhão de litros de água distribuídos para uso doméstico, irrigação e dessedentação animal.
As condições de armazenamento de água também foram aprimoradas. A Vale já doou 1.696 novas caixas d’água, 194 bombas hidráulicas e fez a interligação hidráulica de 609 propriedades. Também foram instalados 250 filtros para que as pessoas que possuem poços subterrâneos possam tratar melhor sua própria água.
A empresa também instalou cerca de 360 captações de recursos hídricos, superficiais e subterrâneas (poços), para abastecimento da população dos 22 municípios impactados pelo rompimento, e também implantou sistemas de tratamento de água para adequação aos padrões de potabilidade.
Para os produtores rurais ao longo da calha do rio Paraopeba, os cerca de 16 mil animais, que têm relação direta com a produtividade e renda de suas atividades, já receberam mais de 340 milhões de litros de água para dessedentação. Também foram instalados 893 bebedouros e fornecidas aproximadamente 80 mil toneladas de ração. Outra ação foi a instalação de 605 mil metros de cercamento para evitar o contato dos animais com a água do rio Paraopeba. Além disso, só para irrigação das plantações, os produtores receberam mais de 470 milhões de litros de água.
De toda água distribuída pela Vale desde janeiro de 2019, cerca de 80% foram destinados para consumo animal e irrigação, o que possibilitou aos pequenos produtores impactados continuar com suas atividades produtivas.
São 55 caminhões-pipa que percorrem, juntos 11 mil quilômetros por dia, em média, levando água para as pessoas elegíveis e para manter atividades produtivas (dessedentação animal e irrigação), além da distribuição dos fardos de água mineral para uso doméstico.
Todos são higienizados mensalmente por empresas especializadas. A água distribuída é captada, já tratada pela Copasa, em duas estações de tratamento, em Juatuba e Curvelo. Adicionalmente, antes de cada entrega a Vale faz a análise do teor de cloro e analisa também outros parâmetros, como cor, pH, coliformes totais e E.Coli por amostragem em laboratórios credenciados e independentes. Em casos de violações de algum parâmetro, a água é imediatamente descartada e o caminhão higienizado novamente.
O pagamento emergencial mensal segue sendo pago a mais de cem mil pessoas residentes em Brumadinho e até 1 km do leito do rio Paraopeba. Os recursos destinados ao auxílio emergencial ultrapassam R$ 1,7 bilhão.”
Fonte: G1 Minas Gerais