Dave Grohl diz que futuro do rock está na geração da filha de 14 anos e tocar Nirvana com ela ‘foi lindo’
Os Foo Fighters estão vivos e operantes, com um disco novo na missão de prover “alívio e alegria” na quarentena com rock dançante, descreve Dave Grohl ao podcast G1 Ouviu (clique acima para escutar).
Dave também garante o futuro de longo prazo do estilo musical que encarna. Ele vê o rock são e salvo nas mãos da geração de Violet, sua filha de 14 anos. A garota faz vocais de apoio na faixa “Making a fire”, do álbum “Medicine at midnight”.
Ela já havia subido ao palco em shows do Foo Fighters. Mas Dave viu sua vida “completar um ciclo” quando tocou uma música do Nirvana com ela em um show, ao lado seus ex-colegas da antiga banda. “Foi como voltar ao tempo e olhar para o futuro”, ele descreve.
Violet, filha de Dave Grohl, canta ‘Heart-shaped box’, do Nirvana, com o pai na bateria e St. Vincent na guitarra em janeiro de 2020 — Foto: Reprodução / YouTube
Na entrevista, o empolgado Dave, que vestia uma camisa do ABBA, também fala sobre:
- David Bowie – ele explica por que “Medicine at midnight” é o “Let’s dance” do Foo Fighters.
- Rock e eletrônica – ele diz que amava techno enquanto tocava com o Nirvana, e defende que sem os pioneiros do rock não haveria e dance music de hoje.
- “Smells like teen spirit” – Dave acredita que Kurt Cobain cantava sobre a cena punk de Olympia, Washington: ‘No nosso pequeno mundo, a gente estava começando uma revolução.’
Ao relembrar o Nirvana, Dave desmente um detalhe sobre a história da composição de “Smells like teen spirit”, repetida em diversas reportagens, filmes e livros, como a biografia “Heavier Than Heaven – Mais pesado que o céu” (Ed. Globo), do jornalista de Seattle Charles R. Cross.
Reza a lenda que Dave namorava Kathleen Hanna, líder do Bikini Kill, quando ela escreveu “Kurt cheira a ‘Teen Spirit'” na parede da casa do cantor, inspirando sem querer o título da música. O caso da frase é real, mas Dave faz uma breve correção: ele nunca ficou com Kathleen. Eram só amigos. Ok.
Dave Grohl também explica como saiu da banda que fez um dos shows de estádio mais desastrosos no Brasil – Nirvana no Hollywood Rock de 1993 – para virar especialista em domar multidões em megashows no país.
“Com o Nirvana eu só sentava no fundo e espancava a bateria. Mas no Foo Fighters eu tento convidar o público para entrar em uma celebração”, ele ensina. Leia a entrevista completa abaixo.
G1 – Sei que vocês fizeram o disco antes da pandemia, pensando em tocar em estádios, mas achei que ele também é bom para dançar em casa mesmo. Isso tem a ver com o fato de que vocês gravaram em uma casa em Los Angeles, ou estou viajando?
Dave Grohl – Não, é mesmo. Começamos a escrever há uns dois anos, com muita expectativa para 2020. Era o nosso 25º aniversário, nosso décimo disco, então marcamos uma turnê gigante, que ia passar pelo mundo inteiro em festivais e estádios. A gente queria uma trilha para essa celebração, para as pessoas se mexerem e dançarem com energia positiva. Achamos que seria uma festa gigante.
Aí o mundo parou, tudo fechou. Em março a gente guardou o disco. Achamos que talvez as coisas iam voltar ao normal. Mas depois de três, quatro, cinco meses, vimos que nada mudaria tão cedo.
E as pessoas precisam mais de música do que nunca. Você não tem que dançar num estádio ou num festival. Pode ser em casa, na cozinha, na sala, onde for. Nem que seja sozinho. Por isso decidimos soltar agora: queríamos que as pessoas tivessem uma fuga, um alívio, uma alegria.
Mas sim, escolhi as músicas que fossem as melhores no palco, como “Love dies young”, “Making a fire” ou “No son of mine”. Essas seriam incríveis ao vivo, todo mundo ia cantar junto.
Foo Fighters — Foto: Divulgação
G1 – Vocês já citaram Abba e David Bowie como referências. Você estava escutando muito eles no final de 2019 ou quando estavam gravando?
Dave Grohl – Engraçado, estou usando uma camisa do Abba agora (risos). Mas “Let’s dance” é uma referência interessante, porque tem um lugar especial na história do David Bowie. Ele sempre fez músicas incríveis e tocantes. Mas esse disco representa um momento divertido, de leveza na carreira.
Porque os discos dele podiam ser muito sombrios e emocionalmente pesados. Mas “Let’s Dance” era divertido. Então é isso que queremos dizer quando falamos que esse é nosso “Let’s Dance”
Nesses 25 anos fizemos músicas rápidas, altas, pesadas, sombrias, punk rock. E coisas suaves, acústicas, belas, orquestradas. Agora a gente queria fazer algo com energia positiva, para cima, divertida. Por isso usamos esse disco do Bowie como referência.
G1 – As pessoas discutem o fato de o rock estar menos popular que a EDM. E parece que algumas pessoas têm uma noção de que o rock é para balançar a cabeça, não o resto do corpo. Você acha que o novo álbum de vocês contradiz essa noção que opõe o rock ao pop dançante?
Dave Grohl – Eu comecei a ouvir música eletrônica nos anos 80. Meu primeiro amor na música eletrônica foi o Kraftwerk, que descobri em 1982, 1983. Aí fiquei muito ligado em industrial music. Bandas como Psychic TV, Einsturzende Neubauten, aquele industrial doido mesmo.
E também artistas dance como Tackhead, coisas underground dos anos 80 que ninguém ouvia. Aí, no final dos anos 80, a música em Chicago e Detroit começou a ficar muito popular.
Então quando a revolução techno explodiu no começo dos anos 90, eu amava. Eu estava colecionando os discos. Eu amava Prodigy. Isso foi durante o Nirvana. Eu sempre fui fã.
As pessoas acham que eu não gosto de música eletrônica porque uma vez eu disse em um discurso [no Grammy em 2012] que a questão não era o que está no computador, mas o que está no seu coração. E ainda acredito nisso.
Mas não significa que eu não goste de computador. Significa que eu gosto do lado humano da música. De usar a criatividade humana, não importa com qual instrumento: guitarra, computador, bateria, bateria eletrônica. Enfim. Eu toquei bateria com o Prodigy.
Foo Fighters faz primeiro show em SP da turnê de 2018 pelo Brasil — Foto: Fábio Tito/G1
Eu gosto de rock and roll do tipo cru, barulhento, bagunçado. Mas amo escutar música eletrônica criativa e inventiva. Só não gosto de músicas que se parecem com outras. Aqueles gêneros que ficam populares e tudo fica igual. Não gosto do que não é criativo.
Quando eu falo de “dance music”, Little Richard era música para fazer dançar. Elvis, Sly & the Family Stone, [a gravadora] Motown faziam músicas para dançar. Não tem a ver com eletrônica ou pop. É como te faz mexer. Então, quando a gente fez um disco para as pessoas se mexerem, não tinha que ser eletrônico ou no computador.
Jimi Hendrix te faz dançar. Eu não acho que é uma contradição. Acho que faz todo sentido. Porque sem essa música que te fazia dançar há 50, 60, 70 anos, a gente não teria a dance music de hoje.
O vocalista Dave Grohl, do Foo Fighters, no Rock in Rio 3, em 2001, e na edição de 2019 — Foto: L.C. Leite/Estadão Conteúdo/Arquivo; Marcelo Brandt/G1
G1 – Sua filha canta no disco novo, e no começo de 2020 ela também cantou “Heart-shaped box” do Nirvana com você e os outros ex-colegas ao vivo. Achei aquele vídeo muito bom. Como foi aquele momento para você?
Dave Grohl – Foi uma noite especial. Fui chamado para um show beneficente. O Foo Fighters estava de férias. Aí chamei Krist Novoselic e Pat Smear para fazer músicas do Nirvana com outras pessoas. O Beck e a St. Vincent cantaram. A gente ligou para a Joan Jett, mas ela não podia.
A gente precisava de outro cantor. Eu pensei: talvez minha filha Violet possa. Ela ouve Nirvana. Mas não sou eu que a faço ouvir, eu nem escuto Nirvana em casa. Ela escuta no quarto dela porque se conecta com as músicas, porque ela tem essa idade.
Pat Smear, St. Vincent, Violet e Dave Grohl tocam ‘Heart-shaped box’, do Nirvana — Foto: Reprodução / YouTube
Aí perguntei se ela queria cantar uma música e ela topou. Eu falei: “Que música?” E ela: “Heart-shaped box” (risos). Não acreditei, porque é a música mais sombria do Nirvana.
Sempre que eu toco com o Pat e o Krist, é um sentimento muito doce-amargo. Porque o Kurt não está lá. E eu me lembro de quando ele estava.
Mas ver lá de trás na bateria minha filha no microfone foi um momento em que a vida completou um ciclo. Eu compartilhei com ela algo que experimentei quando era jovem, com 21, 22 anos. Agora ela entende como era minha vida trinta kuranos atrás. Foi como voltar no tempo e olhar para o futuro. Foi lindo.
G1 – Eu me lembrei da frase que o Kurt Cobain escreveu no diário dele, sobre “sentir conforto em saber que as mulheres são o único futuro do rock and roll”. Como o pai de uma adolescente roqueira, você acha que pessoas como ela, as amigas dela, a St. Vincent e Billie Eilish são o futuro do rock?
Dave Grohl – Sim, eu vejo como minha filha e suas amigas descobrem música. É um um jeito diferente de mim quando era novo. Mas o sentimento é o mesmo. Elas não estão só ouvindo novas músicas, mas a história da música.
Ouvem de Beatles a Led Zeppelin a Stevie Wonder a James Brown a Little Richard a Elvis. E novos artistas também. Essa época na vida é muito importante. A adolescência é quando você descobre a identidade e se conecta à música.
Acho que é por isso que a Billie Eilish [cantora que Dave conheceu através de Violet e já elogiou várias vezes] se tornou tão popular. Porque há milhões de jovens que se sentem do mesmo jeito que ela.
Eu vejo o futuro da música na minha filha e nas amigas dela. Elas tocam guitarra, bateria, amam rock. Então eu vejo o futuro do rock ‘n’ roll nessa nova geração, com certeza.
Pat Smear, Joan Jett, Lorde, Dave Grohl, St. Vincent, Kim Gordon e Krist Novoselic se apresentam durante a indução do Nirvana ao Rock and Roll Hall of Fame, na noite de 10 de abril — Foto: Larry Busacca/Getty Images/AFP
G1 – Por falar em mulheres no rock, você namorava Kathleen Hanna quando ela escreveu que ‘Kurt cheirava a Teen Spirit’. O Nirvana e o Bikini Kill tinham a mesma energia explosiva…
Dave Grohl – Espera. Eu não namorei Kathleen Hanna. [O termo em inglês usado na pergunta e na resposta é “date”, que também pode ser traduzido como “ter encontros” ou “ficar”. De qualquer forma, Dave nega qualquer “date” com a vocalista do Bikini Kill].
Não, ela era uma amiga nossa. Éramos todos amigos em Olympia, amigos do Bikini Kill, da Kathleen, da Toby (Veil). Mas não.
Mas era uma época empolgante, porque em Olympia, Washington, tinha uma cena muito pequena de punk rock, de umas 40 ou 50 pessoas, e todo mundo era muito criativo e prolífico.
Dave Grohl, Kurt Cobain e Krist Novoselic em ensaio de fotos do disco ‘Nevermind’ — Foto: Divulgação
No nosso pequeno mundo, a gente estava começando uma revolução. A gente sentiu que tinha a liberdade de mudar as coisas.
A gente não pensava que ia virar o que virou. Tinha essa energia jovem e linda com pessoas sempre juntas formando bandas, lançando discos, fazendo shows. E era uma cena muito pequena.
E era sobre isso que o Kurt canta em músicas como ‘Smells Like Teen Spirit’. Ele está falando sobre nosso pequeno grupo de amigos em Olympia, Washington. Sim, foi uma época incrível. Éramos garotos de 21, 22 anos, e tudo era empolgante.
Dave Grohl no clipe de ‘Lithium’ — Foto: Divulgação
G1 – Você é conhecido por megashows no Brasil com o Foo Fighters, comandando multidões. Mas talvez seu show mais discutido no Brasil até hoje tenha sido aquele desastroso no Hollywood Rock com o Nirvana em 1993. Como foi passar de shows caóticos como aquele para ter hoje todo esse domínio do público?
Dave Grohl – Antes de tudo, eram bandas totalmente diferentes. Mas com o tempo você cresce e aprende, fica mais confortável e entende como transformar um show numa celebração. Com o Nirvana eu só sentava no fundo e espancava a bateria. Mas no Foo Fighters eu tento convidar o público para entrar em uma celebração. Sempre que eu subo no palco, é assim que eu me sinto – e tento compartilhar essa sensação ótima.
Dave Grohl, vocalista do Foo Fighters, no Rock in Rio 2019 — Foto: Marcelo Brandt/G1
Fonte: G1 Pop & Arte