‘Cidades-fantasma’: Brasil tem municípios abandonados como o que ‘Nomadland’ mostra nos EUA
“Nomadland” começa quando a cidade de Empire termina. A personagem principal do filme, Fern, fica sem casa e vira “nômade” depois que o lugar no qual ela morava deixa de existir. A fábrica de gesso que fornecia quase todos os seus empregos faliu e arrastou a cidade junto.
Esta reportagem reconta a história de cidades brasileiras que também desapareceram. São lugares onde hoje restam apenas ruínas devido à decadência econômica, a disputa política e até para garantir abastecimento de água e luz. Abaixo, fotos e vídeos mostram vestígios de construções que nos levam de volta para desde o século 17, com histórias que revelam um Brasil que deixou de existir.
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A história de Frances McDormand, de “Nomadland” é ficcional, mas o caso de Empire aconteceu de verdade em 2011 – para a tristeza das 800 pessoas que já chegaram a morar lá. Só ficaram as construções vazias e duas lhamas pastando para evitar que o mato tomasse conta muito rápido.
Fábrica desativada em Empire na cena do filme ‘Nomadland’ — Foto: Reprodução
Em 2016, a fábrica retomou poucas atividades e atualmente moram lá cerca de 70 pessoas. Mas Empire continua sendo um lugar esquecido, que perdeu até o número do código postal.
O Brasil tem vários casos semelhantes de cidades-fantasma. Veja a lista com histórias de “Empire brasileiras”, documentadas em reportagens do G1 e da TV Globo:
Cococi – CE
Distrito fica a 27 quilômetros da Zona Urbana de Parambu. O único acesso é por estrada piçarra — Foto: André Teixeira/G1
Empire, em Nevada, tinha a fábrica United States Gypsum. Cococi, no Ceará, tinha a família Feitosa. A ex-cidade no sertão dos Inhamuns surgiu no século 18 e já teve hotel, cartório, praça e casas grandes para abrigar a família de coronéis. Hoje tem ruínas invadidas pela vegetação do semiárido.
O distrito de Cococi perdeu o status de cidade em 1979 e hoje pertence ao município de Parambu. A estiagem e um suposto desentendimento entre os Feitosa e o governo militar por causa das verbas destinadas à cidade são apontados como motivos da decadência e da saída da família de lá.
A igreja é a única grande construção que ficou de pé. É lá que acontece um novenário todo fim de ano. O distrito recebe cerca de 300 pessoas por dia na igreja de Nossa Senhora.
”Não acontece nada na maior parte do ano”, resumiu Maria Lobo, uma das poucas moradoras do distrito ao G1 em 2012. “A vegetação destruiu a câmara municipal e a prefeitura. O telhado da maior parte das casas já desabou e o moinho de vento não puxa mais água para os sete moradores que ainda habitam o local”, descreve a reportagem.
Em 2016, ainda com a contagem de sete moradores em duas casas restantes, a cidade foi tema de uma exposição de fotos em Fortaleza. Veja abaixo:
Dragão do Mar apresenta exposição de fotografias da cidade cearense fantasma, Cococi
Fordlândia – PA
Empresa chegou a fundar em 1928 uma cidade no interior do Pará, a Fordlândia, para explorar as seringueiras que abasteceriam suas fábricas com borracha — Foto: Divulgação/Ford
Às margens do rio Tapajós, no Pará, o magnata Henry Ford tentou produzir borracha para os pneus dos carros na década de 1920. Os erros começaram por grandes desmatamentos. Sem os inimigos naturais da floresta, pragas dizimaram as plantações de seringueiras.
As casas para os trabalhadores, com jeitinho de Hollywood, eram quentes demais. Bebidas alcoólicas eram proibidas e até a comida americana a empresa tentou impor.
O projeto chegou a reunir 3 mil funcionários e acabou em abandono nos anos 1950. Fordlândia é hoje um distrito do município de Aveiro. O projeto de Henry Ford morreu, mas a cidade até ficou viva na fronteira agrícola da soja – bem menor que o sonho inicial. O Censo de 2010 contou 1,2 mil habitantes.
Em 2010, o Jornal Nacional contou a história de Fordlândia. Veja abaixo:
Projetos ambiciosos fracassam por falta de conhecimento da floresta
Igatu – BA
Exposição Vagalume, por Rafael Martins, retratou as ruínas de Igatu em 2014 — Foto: Rafael Martins / Divulgação
A “Machu Picchu baiana” tem ruínas que até lembram a cidade perdida dos Incas no Peru, mas são mais simples e recentes. Elas remetem à breve opulência do ciclo do diamante na Chapada Diamantina, na Bahia, no século 19.
Igatu, que hoje é distrito de Andaraí, contava 360 habitantes no censo de 2010. Os grandes garimpos são apenas lembranças dos bons tempos de fartura.
“Muito diamante. E muita gente vindo de todos os lugares para aqui. Meu pai veio de Portugal”, contou Marcionilio Sergio Machado, aposentado, ao Globo Repórter em 2014.
Em um prédio em ruínas funcionava um cassino. Seu Marcionílio não se esquece das festas. Veja a reportagem abaixo:
Moradores recordam a riqueza que brotava nas pedras de Igatu
Velho Airão – AM
Velho Airão — Foto: Reprodução / Fantástico
Primeiro povoado fundado pelos europeus às margens do Rio Negro, em 1694, Velho Airão recebeu padres missionários que viviam da caça e da pesca e foi um lugar pobre durante cerca de 200 anos.
O local só saiu do isolamento quando uma linha de navegação a vapor foi instalada por Visconde de Mauá no século 19, transformando o Velho Airão em um porto fluvial.
Mas o que marcou seu ápice foi o ciclo da borracha. Na década de 1920, ele viveu o seu melhor momento. Na euforia, as casas eram construídas com material europeu. Hoje, são ruínas luxuosas invadidas pela floresta.
O motivo, claro, foi o fim abrupto do ciclo da borracha. Os moradores resistiram até os anos 1960. O povoado quase desabitado deu lugar a outra cidade, o Novo Airão. O Fantástico visitou as ruínas em 2020. Veja abaixo:
‘Quem Vive Ali?’: a cidade que sumiu do mapa em meio à Floresta Amazônica
São João Marcos – RJ
Parque Arqueológico Ambiental de São João Marcos — Foto: Reprodução/TV Rio Sul
São João Marcos foi fundada em 1739 e já chegou, no auge do ciclo do café, a ter hospital, teatro, clubes e escolas. Hoje é apenas um parque arqueológico e ambiental.
Construída em meio à Mata Atlântica, no século 18, e próxima à barragem de Ribeirão das Lajes, a cidade precisou ser desapropriada durante o governo Getúlio Vargas, em 1940, para que a capacidade do reservatório de água e energia da então capital do país, Rio de Janeiro, pudesse ser aumentada.
O Rio garantiu água e luz, mas foi preciso desapropriar o conjunto urbano e setenta fazendas dos arredores de São João Marcos. Veja abaixo a reportagem da TV Rio Sul:
Conheça o parque arqueológico São João Marcos, em Rio Claro, RJ
Fonte: G1 – Oscar 2021