Ex-soldado da PM que acusa oficial de assédio sexual e ameaças de morte quer ajudar outras vítimas: ‘Não tenham vergonha’
Após decidir deixar a carreira na Polícia Militar e ser exonerada, a agora ex-soldado Jéssica Paulo do Nascimento, de 28 anos, que denunciou um tenente-coronel por assédio sexual e ameaças de morte, afirma que quer trabalhar com projetos para ajudar e apoiar pessoas que passaram pela mesma situação que ela viveu. Ela afirma que deixou o cargo após sofrer pressão dentro da corporação devido à repercussão do caso.
“Eu quero levantar essa bandeira, criar projetos para poder acolher essas mulheres, e também homens. Porque eles também passam por assédio moral, e até mesmo sexual. E são pessoas que não têm com quem contar, com quem falar, porque o sistema é muito difícil. E isso não acontece só na polícia, acontece, também, em outras instituições, outros trabalhos. Então, quero incentivar e dar voz a essas pessoas, para que elas denunciem”, afirmou em entrevista ao G1.
Jéssica estava lotada no 45° Batalhão da Polícia Militar do Interior (BPM/I), em Praia Grande, no litoral de São Paulo, mas a denúncia se refere à época em que ela atuava na capital paulista. O G1 tentou contato com o tenente-coronel Cássio Novaes, denunciado pelos crimes, mas não obteve retorno. O oficial foi afastado do comando do batalhão onde atuava, e a investigação é conduzida pela Corregedoria da PM, sob segredo de Justiça.
A ex-soldado contou que tomou a decisão de deixar a corporação ao ser pressionada no serviço. Entre os episódios que classifica como perseguição, está o desarmamento dela, escalas de trabalho na rua à noite, mesmo denunciando ameaças de morte, negativa para pedidos de transferência e chantagem com as férias às quais ela teria direito. Ela afirma que foi avisada de que poderia tirar férias “depois que pedisse baixa”.
De acordo com Jéssica, apesar de sua saída da PM ser recente, ela já está amadurecendo a ideia de seguir com projetos voltados às vítimas de assédio moral e sexual. “Antes, eu não sabia exatamente como era viver isso, porque nunca tinha passado por essa situação. Hoje, sei exatamente o que essas pessoas passam, então, acredito que eu possa fazer alguma coisa em favor dessas vítimas”, diz.
Para a ex-soldado, criar essa rede de apoio é muito importante. “Principalmente nós, mulheres, temos vergonha e constrangimento de falar sobre isso para outras pessoas. Ou, às vezes, temos medo de falar sobre o ocorrido. E homens também, porque, para eles, pode ser ainda mais difícil falar do que para a mulher, por ter vergonha, caso seja assediado sexualmente ou moralmente”, diz.
Soldado da PM fala sobre decisão de fazer denúncia pública contra tenente-coronel
Apesar de ter desistido do sonho de ser PM, a ex-soldado relata que o apoio que vem recebendo de diversas pessoas e da família é o que está dando forças para ela não desistir de seguir correndo atrás de seus direitos. “Eu nunca pensei que iria levantar essa bandeira, mas já que passei por tudo isso, acredito que Deus me deu essa missão, e quero ajudar e proteger outras pessoas. Quero, realmente, fazer algo de importante por outras vítimas”, diz.
“O que quero deixar de mensagem para as mulheres que passarem por tudo que passei é para não se calarem. O sistema é, sim, muito difícil quando falamos dos direitos de uma mulher, mas temos que pensar que aquele não é o último emprego do mundo. Sempre haverá novas oportunidades, novas chances, e nada paga nossa paz, nossa saúde, a gente perder nossa fé. Denunciem, não tenham vergonha”, finaliza.
Ouça, abaixo, o que o coronel disse à soldado antes da denúncia:
Soldado denuncia tenente-coronel por assédio sexual e ameaças de morte; ouça
Assédio sexual e ameaças de morte
As investidas pessoais do tenente-coronel à então soldado Jéssica começaram em 2018, segundo ela. Ele havia acabado de assumir o comando do Batalhão da Zona Sul de São Paulo, quando passou pelas companhias para se apresentar aos policiais militares e a conheceu, chamando-a para sair assim que conseguiu ficar a sós com ela.
“Em um momento em que a gente ficou um pouco sozinho, ele assim veio em uma total liberdade, uma intimidade. Mas a gente nunca tinha se visto, né? E me chamou para sair na cara dura”, relembra.
Ela disse ao superior que era casada e tinha filhos, recusando o convite. “Depois desse dia, minha vida virou um inferno“, desabafa. A ex-soldado relata episódios de investidas sexuais, principalmente, por mensagens, ameaças por áudio, humilhação em frente aos seus colegas e até mesmo sabotagem quando se recusou a ceder aos pedidos do superior.
Ela ficou dois anos e meio afastada do serviço para evitar contato com ele. No entanto, a licença acabou em março e ela precisou voltar ao serviço. Ele conseguiu o telefone dela e as investidas recomeçaram, segundo ela, cada vez mais insistentes. O comandante prometia sustentar os filhos da então soldado, dar uma promoção para ela dentro da corporação e a transferência que ela queria para o litoral paulista.
Em março, comandante conseguiu o telefone da soldado e passou a enviar mensagens de cunho sexual — Foto: G1 Santos
“Eu pensei que precisava de provas, porque ele sempre ia fazer isso e ninguém ia acreditar. Entrei em contato com um advogado e ele me orientou a ver até onde ele iria, deixando ele falar”, conta. “Foram coisas muito baixas. Me ameaçou de estupro e de morte”.
As ameaças de morte vieram, também, por áudios. Em uma das falas, o comandante afirma que “não existe segredo entre dois, um tem que morrer” e “quem não tem problema na vida, está no cemitério“.
A ex-soldado decidiu formalizar uma denúncia na Corregedoria da PM no início de abril, quando percebeu que estava sendo enganada pelo tenente-coronel. Ele havia prometido que a levaria ao Departamento Pessoal para pedir pela transferência dela quando, na verdade, o DP estava fechado e ele planejava levá-la a um hotel.
Sequência de mensagens recebidas pela soldado quando comandante descobriu que ela não iria a encontro — Foto: G1 Santos
Polícia Militar
O advogado de defesa da ex-soldado, Sidnei Henrique, informou que solicitou medidas protetivas para ela e a família à Corregedoria da Polícia Militar de São Paulo, que foram negadas. Além disso, ele também pleiteou um pedido de prisão preventiva do militar e a suspensão do porte e posse de arma dele.
Procurada pelo G1, a Polícia Militar esclareceu, por nota, que recebeu a denúncia e imediatamente instaurou um inquérito policial militar para apurar rigorosamente os fatos. O oficial foi afastado do comando do batalhão e a investigação é conduzida pela Corregedoria da Polícia Militar. Segundo a corporação, todos os fatos são sigilosos, conforme prevê a legislação.
Disse, ainda, que o pedido de exoneração é de autonomia exclusiva de um policial militar e dentro dos trâmites administrativos legais. Sobre as advertências, a corporação informou que quaisquer punições administrativas, quando aplicadas, seguem o rito legal e o direito constituído à ampla defesa preceituado no Regulamento Disciplinar da Policia Militar (RDPM).
Ainda, sobre seu pedido de afastamento médico quando ainda atuava como soldado, a PM afirmou que afastamentos médicos seguem critérios profissionais e são elencados sob o crivo dos Conselhos de Medicina.
Fonte: G1 Santos e Região