Jornalista cubana relata o que passou em quatro dias de prisão por cobrir protestos contra o regime
Desde sexta-feira, a jornalista cubana Camila Acosta está em prisão domiciliar, sob vigilância de seis agentes. Ela passou quatro dias encerrada numa cela de delegacia em Havana, após os protestos contra o regime que varreram o país no último dia 11. Repórter do portal de notícias Cubanet e do jornal espanhol “ABC”, Camila, de 28 anos, recebeu a acusação de desordem pública, após cobrir as manifestações.
VÍDEO: 3 pontos para entender os protestos em Cuba
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Além da prisão, ela foi despejada da casa alugada, por ordem da Segurança do Estado. Seu equipamento de trabalho — dois telefones e dois notebooks — estão apreendidos. Da casa de um amigo, onde está vivendo, ela conversou com o G1 por telefone sobre a prisão e as pressões que os jornalistas independentes enfrentam para desempenhar seu trabalho em Cuba.
Como você foi presa?
Camila Acosta – No domingo, 11 de julho, cobri os protestos que ocorreram em Havana, e me prenderam no dia seguinte, quando saía de casa. Disseram que eu estava acusada de desordem pública e me mantiveram quatro dias numa cela com interrogatórios diários. E me soltaram com uma medida de prisão domiciliar. Ainda tenho a vigilância da segurança do Estado, estou impedida de sair de casa por seis agentes que ficam 24 horas por dia do lado de fora. Confiscaram todo o meu equipamento de trabalho. Estou tentando retomar a vida, mas é difícil, me sinto muito cansada. Foram dias de extrema tensão.
O que significa a acusação de desordem pública, que você enfrenta?
Camila Acosta – Não tem nada a ver com o que eu fiz, estava desempenhando meu trabalho de jornalista. Todos que participaram das manifestações foram acusados deste delito e punidos por isso. Com multa ou privação de liberdade, de três meses a um ano.
O que aconteceu nos quatro dias em que você ficou presa?
Camila Acosta – No primeiro dia, me disseram que eu não estava acusada de nada. No segundo, me disseram que era acusada de desordem pública e me levaram para uma delegacia onde supostamente prosseguiriam as investigações. Eles me interrogavam duas vezes por dia por mais de uma hora. A cela era horrível, sem janelas ou luz de sol. A única ventilação vinha de uma porta de ferro. Éramos seis mulheres, um calor insuportável, que atraía mosquitos. Não havia privacidade alguma. Banho ou necessidades ocorriam diante das demais. Entravam e saíam reclusas sem fazer testes para detectar o novo coronavírus.
Você sofreu algum tipo de tortura?
Camila Acosta – Tortura física não, mas psicológica sim. Os interrogatórios eram numa sala com ar-condicionado, em contraste com o calor insuportável da cela. Diziam que minha família não me dava apoio, que o portal Cubanet e o jornal espanhol ABC, onde trabalho, haviam me abandonado, alegando que eu não trabalhava para eles. A manipulação e a chantagem emocional são típicas do aparelho de segurança de Estado para nos intimidar.
O primeiro-ministro da Espanha, Pedro Sánchez, e o ministro das Relações Exteriores, José Manuel Albares, pressionaram por sua libertação. Você esperava a reação na Espanha em torno da sua prisão?
Camila Acosta – Agradeço toda a mobilização e toda a cobertura do meu caso. Mas admito que fiquei surpresa com a reação do atual governo espanhol, que tem sido muito condescendente com o regime.
Que pressões os jornalistas independentes enfrentam para realizar seu trabalho em Cuba?
Camila Acosta – Prisões frequentes. Esta não foi a primeira vez que fui presa, mas foi a primeira vez que me mantiveram tantos dias na prisão. Antes eu passava algumas horas detida, confiscavam meu celular, mas era liberada. Agora estou em prisão domiciliar enquanto durarem as investigações. Segundo me disseram, por seis meses ou mais. Fui despejada por ordem do governo e acolhida por um amigo, pois não pude mais entrar na minha casa.
Na sua opinião, o que significam os protestos de 11 de julho para o regime?
Camila Acosta – Foi inédito, algo único na história da ditadura castrista. Uma manifestação desta magnitude só demonstra o declínio do sistema. A população não está com eles, necessita de mudanças e anseia por liberdade. O regime respondeu com muita repressão, há milhares de pessoas desaparecidas ou detidas, incluindo menores de idade. Não há transparência sobre as prisões, o regime esconde as cifras, difunde o terror e intimida a população para que não volte a sair às ruas.
Fonte: G1 Mundo