Cinemateca que pegou fogo tinha liberação dos Bombeiros; Polícia investiga causas e eventuais responsabilidades por incêndio
A Polícia Civil investiga as causas e eventuais responsabilidades pelo incêndio que atingiu o galpão da Cinemateca Brasileira, na Vila Leopoldina, Zona Oeste de São Paulo, no início da noite de quinta-feira (29). A Polícia Federal (PF) também irá apurar o caso, segundo a Secretaria Especial da Cultura, pasta do governo federal responsável por administrar o local. Não houve vítimas.
Segundo a Secretaria da Segurança Pública (SSP), antes de ser atingido pelas chamas, o local estava regularizado e possuía certificação dos Bombeiros que atestou que o prédio possuía todas as condições de segurança contra incêndio e pânico, previstas na legislação.
Mas em audiência realizada no último dia 20, o Ministério Público Federal em São Paulo (MPF-SP) já havia alertado o governo federal, responsável pela Cinemateca, para o risco de incêndio no local. O incêndio ocorreu nove dias depois.
Termo de audiência da Cinemateca sobre risco de incêndio — Foto: Reprodução
“Após extinção total do fogo, o local, que possui Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros (AVCB), será vistoriado e periciado pelo Instituto de Criminalística (IC) e a Polícia Civil prosseguirá com as investigações para esclarecer as causas do incêndio”, informa trecho da nota da Secretaria da Segurança Pública. A investigação da polícia paulista será feita pelo 91º Distrito Policial (DP).
De acordo com o Corpo de Bombeiros, o fogo começou em um ar-condicionado de uma das salas de acervo histórico de filmes que fica no primeiro andar. O aparelho passava por uma manutenção feita por empresa terceirizada contratada. Uma faísca teria dado início ao fogo, e a equipe não conseguiu controlá-lo.
A Secretaria Especial de Cultura informou por nota ‘lamentar profundamente’ o episódio. O mesmo galpão já foi atingido por enchentes em 2020.
Até a última atualização desta reportagem a Cinemateca não havia informado o que foi destruído pelas chamas. No prédio, ficavam gravados 1 milhão de documentos da antiga Embrafilme, como roteiros, artigos em papel, cópias de filmes e documentos antigos. Alguns tinham mais de 100 anos e seriam usados na montagem de um museu sobre o cinema brasileiro.
Risco de incêndio
“Pelo MPF, houve comentários sobre a visita realizada e sobre o fato de terem sido bem recebidos. Destacou, entretanto, o fato de risco de incêndio, principalmente em relação aos filmes de nitrato”, diz o termo da audiência.
O risco de incêndio foi observado tanto na sede da Cinemateca, na Vila Mariana, na Zona Sul de São Paulo, como nos galpões da Vila Leopoldina, na Zona Oeste da capital paulista.
Fogo começou no 1º andar
Incêndio em galpão da cinemateca — Foto: Reprodução
Segundo a capitã dos Bombeiros Karina Paula Moreira afirmou à GloboNews, “o incêndio começou em uma das salas de acervo histórico de filmes que fica no primeiro andar. Essa parte é dividida entre três salas, uma delas com acervo de filmes entre 1920 e 1940 e uma das salas de arquivo impresso, também histórico. Estamos levando o que foi queimado e preservado dentro dessas três salas – provavelmente nada. Porém, no andar térreo, tem uma parte grande do acervo histórico que não foi atingida”, afirmou.
Em nota, a Secretaria Especial da Cultura informou que “todo o sistema de climatização do espaço passou por manutenção há cerca de um mês como parte do esforço do governo federal para manter o acervo da instituição. A Secretaria já solicitou apoio à Polícia Federal para investigação das causas do incêndio e só após o seu controle total pelo Corpo de Bombeiros que atua no local poderá determinar o impacto e as ações necessárias para uma eventual recuperação do acervo e, também, do espaço físico. Por fim, o governo federal, por meio da Secretaria, reafirma o seu compromisso com o espaço e com a manutenção de sua história”.
A audiência faz parte de ação do MPF contra a União por abandono da Cinemateca. Na sessão realizada pela Primeira Vara Federal participaram os procuradores da República, representante da associação de moradores da Vila Mariana, um advogado da União, o secretário adjunto da Secretaria Especial de Cultura, a Diretora de Departamento de Políticas Audiovisuais e a Associação Paulista de Cineastas.
O documento diz ainda que alguns pontos da audiência anterior, em maio, foram cumpridos, e outros ainda estão em andamento. O governo federal tinha 45 dias, até o início de julho, para mostrar ações implementadas pela preservação do patrimônio.
Mas depois da audiência da última semana, a Justiça deu mais 60 dias para a União Federal dar continuidade nas ações de preservação do patrimônio.
“Depois de várias manifestações a respeito de cada um dos pontos de interesse desta ação, houve a proposta da continuidade da suspensão do processo, pelo prazo de 60 (sessenta dias), para que a União Federal possa dar continuidade às medidas que já vêm sendo tomadas”.
O procurador Gustavo Torres Soares voltou a dizer nesta quinta-feira que o MPF já alertava a Justiça sobre as condições precárias da Cinemateca e também sobre o risco de incêndio do acervo desde julho de 2020. Segundo o procurador, o governo iniciou o processo de chamamento de uma nova entidade para gerir a Cinemateca e a contratação emergencial de uma empresa para cuidar do local. No entanto, O MPF critica a demora no processo.
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Crise
Funcionários e entidades realizaram diversos protestos no ano passado, denunciando que a instituição passava pela maior crise desde a sua fundação, em 1946, sem recursos para o básico, incluindo atrasos em salários, contas de água e energia, fim do contrato com a brigada de incêndio e com a equipe de segurança. (Leia mais abaixo.)
O primeiro acordo entre o Ministério Público Federal e a União ocorreu em uma audiência virtual de conciliação em maio, que havia sido determinada pela Justiça Federal em São Paulo em agosto de 2020. O conteúdo do encontro foi pautado pelas determinações do Tribunal Regional Federal da 3ª região (TRF-3), que atendeu a um recurso do procurador da República Gustavo Torres Soares em dezembro.
O governo informou que atendeu às medidas determinadas pelo TRF-3, pois realizou os contratos emergenciais com brigadistas, vigilantes e para manutenção predial, acrescentou que outros contratos estão em fase de pregão e que está em vias de contratar uma nova gestora, recontratar 42 funcionários e restabelecer um conselho deliberativo. Por este motivo, Ferraz e Oliveira propuseram ao procurador que encerrasse o processo movido pelo Ministério Público Federal.
O procurador Gustavo Soares propôs, então, que antes de falar em um Termo de Ajustamento de Conduta e conclusão do processo, o governo comece comprovando a implementação desses serviços emergenciais, e que também apresente um cronograma para a recontratação de antigos funcionários técnicos, para a contratação de uma nova gestora e para a recomposição de um conselho, com representantes da sociedade civil e da categoria audiovisual.
Os representantes do governo se comprometeram a enviar os documentos deram o primeiro prazo de até 45 dias corridos, a contar a partir de 12 de maio.
“Este é um prazo seguro: até lá teremos um edital de chamamento com o cronograma para entrega da gestão para uma Organização Social e teremos finalizado a parte burocrática que hoje nos entrava para recolocação dos trabalhadores. Estamos à disposição. Há uma politica de transparência sobre os atos que serão tomados”, garantiu Helio Ferraz, diretor do Departamento de Políticas Audiovisuais.
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Entenda
O contrato para gestão da Cinemateca firmado entre o governo federal e a Organização Social (OS) Associação Comunicação Educativa Roquette Pinto (Acerp) terminou no dia 31 de dezembro de 2019 e, desde então, não houve nova licitação.
A Cinemateca, no entanto, continuou sendo mantida de forma improvisada pela equipe técnica, sob gestão da Acerp, que continuou no local para não abandoná-lo, mesmo sem os recursos e salários.
Em julho, funcionários da OS chegaram a impedir o acesso de uma comitiva oficial do Ministério do Turismo, a quem a Secretaria da Cultura foi incorporada, que registrou um boletim de ocorrência. Mário Frias assumiu como secretário de cultura e enviou um ofício para a Acerp solicitando que entregasse as chaves da Cinemateca.
Foto de arquivo mostra protesto na Cinemateca. Sem contrato de gestão, Cinemateca Brasileira foi cuidada por funcionários, que reivindicaram salários e continuidade — Foto: Paulo Lopes/BW Press/Estadão Conteúdo
Desse modo, sete meses após o fim do contrato, o governo federal assumiu a gestão do local, e funcionários foram demitidos pela OS, que não tinha como manter e pagar um corpo técnico altamente especializado.
O Ministério Público Federal entrou com uma ação na Justiça contra a União por abandono da Cinemateca Brasileira. Na ação, o MPF pediu à Justiça Federal que determinasse à União a renovação emergencial do contrato com a Acerp, a permanência do corpo técnico e um plano de gestão para a Cinemateca durante 2020.
Em agosto, a juíza federal Ana Lúcia Petri Betto indeferiu o pedido, pois analisou a documentação enviada pelo governo federal, considerou que havia elementos que indicavam a tomada de providências emergenciais e que “não é função do Poder Judiciário dizer com quem deve a administração pública celebrar seus contratos”.
A decisão dela foi de que as partes do processo buscassem uma solução amigável, conforme o Novo Código de Processo Civil.
O MPF recorreu da decisão ao Tribunal Regional Federal da 3a Região (TRF-3). Em dezembro, o juiz Marcelo Mesquita Saraiva atendeu parcialmente ao pedido e determinou a contratação de brigadistas e regularização do Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros, o pagamento de conta da energia elétrica, da manutenção predial e da vigilância até fevereiro, sob pena de multa de R$ 5 mil por dia de atraso.
Fonte: G1 São Paulo