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Jalapão: como o principal destino turístico do Tocantins se tornou objeto de disputa política

O Jalapão voltou ao centro das atenções na política tocantinense após a revelação de que a compra de uma fazenda por R$ 2 milhões na região é um dos elementos citados na decisão que afastou Mauro Carlesse (PSL) do cargo de governador. O Parque Estadual é o principal destino turístico do Tocantins, cheio de cachoeiras, fervedouros e até dunas.

Nos últimos anos, o local tem sido alvo tanto de investimentos em infraestrutura, quanto de iniciativas que podem colocar alguns dos atrativos mais importante do parque nas mãos da iniciativa privada. O g1 preparou uma linha do tempo para explicar como o Jalapão se tornou o epicentro do turismo no Tocantins e o que está em jogo no processo de concessão do parque.

Jalapão é lar de comunidades quilombolas — Foto: Lester Scalon/Avis Brasilis

Jalapão é lar de comunidades quilombolas — Foto: Lester Scalon/Avis Brasilis

12 de janeiro de 2001

 

O Parque Estadual do Jalapão foi criado nos primeiros dias de 2001, concentrando atrações turísticas na cidade de Mateiros e áreas de ecossistema delicado na região. É importante não confundir o parque com a Área de Proteção Ambiental do Jalapão, que leva o mesmo nome e fica na mesma região. A APA compreende um território muito maior, que passa por sete cidades e tem regras de funcionamento diferentes das do parque.

A ideia ao criar um parque estadual no local era desenvolver uma região pouco habitada e muito castigada pela miséria. Dentro do parque estão comunidades quilombolas centenárias, que foram fundadas por descendentes de escravos e que encontraram no artesanato e no turismo os principais meios para sobreviver.

Primeiros anos e o boom do turismo

 

O desenvolvimento do turismo na região demorou para acontecer. Na primeira década dos anos 2000 o parque já tinha visitação, mas a falta de infraestrutura, acesso pavimentado e o fato de que as belezas locais eram praticamente desconhecidas fora do Tocantins atrasavam a chegada de investimentos. Isso começou a mudar a partir de 2009, quando o Jalapão foi escolhido como cenário de um reality show para uma emissora de TV norte-americana.

Depois, o local foi usado de cenário para outros programas televisivos e ganhou admiradores no mundo do ecoturismo, com publicações especializadas voltando os olhos para o ‘deserto tocantinense’. Em 2017 chegou até a ambientar a novela ‘O Outro Lado do Paraíso’, transmitida no horário das 21h pela TV Globo.

Jalapão é destino de turismo de aventura — Foto: Lester Scalon/Avis Brasilis

Jalapão é destino de turismo de aventura — Foto: Lester Scalon/Avis Brasilis

Toda a atenção midiática acabou gerando também o interesse dos apaixonados pelo turismo de aventura. A fama foi potencializada por edições do ‘Rally dos Sertões’ que passaram pela região a partir de 2013 e mostraram como aquelas estradas podem ser desafiadoras.

Enquanto a reputação de destino ‘off Road’ era construída, os moradores da região pediam por melhorias. A falta de estradas, hospitais e outros serviços básicos eram as principais reclamações e atrapalhavam o cotidiano das comunidades locais. Por anos, promessas de investimentos em rodovias e até aeroportos foram repetidas ao longo de diversos governos, sem nunca saírem do papel.

Campanha de 2018

 

O Jalapão chegou a 2018 com a expectativa de um futuro promissor no mercado turístico nacional, mas com os problemas que enfrentava há décadas ainda sem solução. Ao longo da campanha eleitoral daquele ano, se tornou novamente tópico de discussão e voltou a ouvir promessas de melhorias por parte dos candidatos. Tanto Mauro Carlesse (PLS), que saiu vencedor da disputa, quanto os adversários dele, prometeram estruturar melhor a região.

Estradas do Jalapão são de difícil acesso — Foto: Ageto/Governo do Tocantins

Estradas do Jalapão são de difícil acesso — Foto: Ageto/Governo do Tocantins

Na época já havia especulações sobre uma eventual concessão, mas enquanto candidato Carlesse preferiu falar de investimentos públicos na região e estruturação financiada pelo Estado. Entre as promessas de campanha ficou a pavimentação da rodovia ligando São Félix – Mateiros e Ponte Alta do Tocantins.

Setembro de 2019

 

O primeiro indício de que a iniciativa privada poderia realmente ser chamada para atuar no Jalapão veio logo após uma visita do então ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, em setembro de 2019. Na época, a informação era de que o Governo Federal estudava conceder a estrada que liga Palmas ao parque para exploração privada. A declaração foi dada pelo ministro durante um evento em São Paulo, dias após ele passar pelo Tocantins e visitar o parque ao lado de Mauro Carlesse.

Janeiro de 2020

 

No começo de 2020, novo anúncio relacionado ao parque. O Palácio Araguaia confirmou que assinou um contrato de empréstimo com a Caixa Econômica Federal para construir um aeroporto na região. Seriam aproximadamente R$ 9,5 milhões para a obra, prometida desde 2011, e prevista para ser erguida em São Félix do Tocantins. Na época, não havia prazo para a construção

Junho de 2021

 

O Governo do Tocantins finalmente confirmou a intenção de privatizar o Parque Estadual do Jalapão. Na época, Carlesse enviou à Assembleia Legislativa um projeto de lei para autorizar a concessão deste e de outros três parques. Na justificativa, o projeto dizia buscar “oportunizar ao Tocantins os níveis adequados, aptos à exploração de atividades de visitação voltadas à educação ambiental”.

Julho de 2021

 

Rodovia que vai para o Jalapão começou a receber asfalto — Foto: Divulgação/Governo do Tocantins

Rodovia que vai para o Jalapão começou a receber asfalto — Foto: Divulgação/Governo do Tocantins

O mês de julho foi movimentado no que diz respeito a obras para estruturar o Jalapão e também ao que acontecia nos bastidores. Em 27 de julho o g1 noticiou o início da aplicação de asfalto no primeiro trecho de rodovia pavimentada da região. Coincidentemente, esta é a mesma data em que, de acordo com o Ministério Público Federal, Carlesse comprou a fazenda de R$ 2 milhões na região.

Um dia depois, o governador anunciou a liberação de recursos para construir o aeroporto da região, antes mesmo da obra ter a licença prévia da Agência Nacional de Aviação Civil, obrigatória para qualquer aeródromo.

Concepção artística do aeródromo de São Félix — Foto: Governo do Tocantins/Divulgação

Concepção artística do aeródromo de São Félix — Foto: Governo do Tocantins/Divulgação

24 de agosto de 2021

 

A data marcou a aprovação relâmpago do projeto para a concessão do parque. Após apenas uma audiência sobre o assunto, que terminou com bate-boca entre o então secretário da Indústria e manifestantes, o projeto recebeu o apoio de de 16 deputados estaduais.

Chamou a atenção a análise feita às pressas pelos parlamentares. Em um único dia, o PL da concessão foi analisado e aprovado em três comissões e em dois turnos no plenário. Cerca de 24 horas mais tarde, foi sancionado por Mauro Carlesse (PSL).

A situação gerou revolta entre os moradores da região, que ficaram assustados com a rapidez da tramitação e com a falta de informações sobre como a concessão iria funcionar. Secretários de estado, incluindo Claudinei Quaresemin, insistiam que a nova lei apenas autorizava o governo a fazer estudos.

Quaresemin estava no comando do projeto e também está entre os investigados pela Polícia Federal. Ele foi afastado do cargo por determinação do Superior Tribunal de Justiça e depois acabou pedindo demissão.

Apesar das afirmações de que os estudos estavam na fase inicial, logo ficou claro que os projetos estavam praticamente prontos. A TV Anhanguera teve acesso a cadernos que mostraram que técnicos já tinham inclusive propostas elaboradas sobre quais deveriam ser os investimentos na região.

Como fica projeto após o afastamento?

 

Em outubro o governo publicou a íntegra dos estudos sobre o parque e quais as propostas para a concessão. A previsão é de que o contrato tenha duração de 30 anos ao custo de R$ 31.677.451,00. A licitação do parque será feita pelo critério de maior outorga fixa, ou seja, a melhor proposta que for recebida pelo governo. A empresa vencedora deverá realizar investimentos obrigatórios com prazo de conclusão de curto (até dois anos), médio (até quatro anos) e longo prazo (até seis anos).

Entre as obras previstas estão a construção de torres de observação, lanchonetes, sanitários, ciclovias, estacionamentos e um centro de visitantes, entre outras. Além disso, deverão ser feitas reformas e manutenções em equipamentos existentes.

Estavam previstas audiências com a população para discutir o assunto, que foram adiadas pela Justiça para novembro. O motivo foi o pouco prazo entre a publicação dos projetos e as datas das consultas públicas, o que prejudicaria a análise das propostas pela população. Mesmo com o governador afastado, o projeto segue em andamento normalmente.

As principais preocupações são relacionadas as comunidades quilombolas e as operadoras de turismo que já trabalham na região. Eles temem ficar sem espaço para atuar se tiverem que competir com empresas milionários, que cheguem ao parque com grandes estruturas. A maioria das famílias da região depende da visitação turística para sobreviver e já está em situação financeira delicada após o parque passar mais de um ano fechado durante a pandemia de Covid-19.

Jalapão pode ser concedido para a iniciativa privada — Foto: Lester Scalon/Avis Brasilis

Jalapão pode ser concedido para a iniciativa privada — Foto: Lester Scalon/Avis Brasilis

Fonte: G1 Tocantins