Aluno fechando porta de ônibus com corda chama atenção para situação do transporte escolar no TO
Ir à escola tem se tornado uma atividade de risco para estudantes no interior do Tocantins. Batidas, tombamentos e até incêndios têm tirado o foco da educação e transferido para a segurança, ou neste caso a falta dela, no trajeto de casa para escola. O registro mais recente de insegurança aconteceu em Araguatins, na região do Bico do Papagaio. Nas imagens é possível ver um dos estudantes fechando a porta com ajuda de uma corda.
A situação não é isolada, pois um levantamento realizado pelo Departamento de Trânsito do Tocantins (Detran-TO) e encaminhado ao Centro de Apoio Operacional às Promotorias da Infância, Juventude e Educação (Caopije) mostra que dentre os 1.326 veículos que compõe a frota do transporte escolar no estado existem 983 em situação inapta para o transporte de passageiros.
No vídeo gravado em Araguatins é possível ver o micro-ônibus superlotado com várias crianças em pé, inclusive, na escada do veículo e sem nenhuma supervisão de adulto. “Aqui é o ônibus escolar de Araguatins. A porta que fica aberta, os alunos é que fecham a porta. Já foi reclamado, mas não foi ouvido, o aluno é que fecha a porta”, diz o morador no vídeo.
O veículo filmado faz o transporte de alunos da Vila Cidinha até a Escola Paroquial São Vicente Ferrer. Segundo os moradores, apenas dois veículos fazem o transporte escolar na cidade e por isso sempre estão superlotados.
O Uanderson Lima Costa tem dois filhos, de cinco e oito anos, matriculados na rede municipal da cidade. Foi ele quem gravou as imagens e diz que está preocupado com a segurança das crianças.
“Minha esposa que vai levar as crianças, mas neste dia eu fui e mandei para um dos diretores da escola para passar para a secretaria. Eu aguardei uma semana e quando fui novamente, estava com o celular e fiz [o vídeo]. Resolvi passar adiante porque está prevenindo uma coisa pior acontecer com meus filhos ou com um vizinho”, afirmou.
Depois que as imagens viralizaram nas redes sociais o município começou a mandar outro veículo na rota. O g1 pediu posicionamento para a Prefeitura de Araguatins, mas não houve resposta até a publicação desta reportagem.
Tombamentos, batidas e incêndio
Veículo escolar ficou tombado em rodovia — Foto: Reprodução/Redes sociais
Não são raros os exemplos da falta de atenção com o transporte escolar no estado. No último mês de março, por exemplo, um micro-ônibus tombou, na TO-222 na zona rural de Araguaína, no norte do Tocantins.
Duas estudantes da rede estadual tiveram ferimentos leves e foram levadas para a Unidade de Pronto Atendimento. O motorista do micro-ônibus, que trabalha para uma empresa terceirizada do governo do estado, informou que estava levando os alunos para o povoado Farturão.
Ele relatou que perdeu o controle do veículo após uma van escolar, que estava no acostamento, entrar repentinamente na rodovia sem sinalizar.
O g1 solicitou um representante da Secretaria de Estado da Educação (Seduc) para falar sobre a situação do transporte escolar, mas não houve resposta até a publicação desta reportagem.
Kombi escolar pegou fogo no interior do Tocantins
Em maio outro micro-ônibus escolar tombou após se envolver em uma batida com uma caminhonete entre o povoado Campina Verde e Divinópolis, na região oeste do estado. Duas pessoas, uma em cada veículo, ficaram feridas e foram levadas para Paraíso do Tocantins. No momento do acidente a polícia não conseguiu identificar de que cidade era o veículo escolar.
Em Santa Tereza do Tocantins, na região central, uma kombi usada no transporte escolar na zona rural foi completamente destruída por um incêndio. No momento que as chamas começaram estavam sendo transportadas oito crianças. Todos conseguiram sair a tempo e ninguém se feriu.
Vídeos feitos por moradores mostram o veículo sendo consumido pelas chamas. A Secretaria Municipal de Educação de Santa Tereza afirmou que o veículo era particular, locado pelo Fundo Municipal de Educação, e estava em situação regular, adequado para o transporte de alunos.
A crítica situação do transporte escolar
O g1 teve acesso, com exclusividade, ao relatório de vistorias do transporte escolar realizada pelo Detran Tocantins e encaminhado ao Ministério Público do Tocantins (MPE). O documento com data de maio deste ano mostra que a situação do transporte escolar é crítica. Dos 1.326 veículos, entre oficiais e contratados, 983 foram reprovados e apenas 343 considerados aptos para o serviço.
Situação do transporte escolar do Tocantins — Foto: Arte g1
A situação é tão grave que em pelo menos 70 municípios não há nenhum veículo considerado apto pela fiscalização. Nem as principais cidades do estado escapam das irregularidades.
Em Palmas, onde há 48 veículos na frota, 13 foram considerados inaptos. Araguaína, no norte do estado, tem 77 veículos e 14 não atendem aos requisitos mínimos de segurança. A maior cidade do sul do estado, Gurupi, tem 15 carros inaptos em uma frota de 25.
As vistorias foram realizadas pelo Detran em 137 municípios do estado. Segundo o próprio departamento, duas cidades não apresentaram os veículos para as análises e possivelmente estão fazendo o transporte de forma irregular.
Promotor Sidney Fiori Júnior explica como é feita a fiscalização dos ônibus escolares
Os fiscais analisam a situação de cada veículo. É avaliado se o pneu está careca, se tem cinto de segurança, além dos tacógrafos e a identificação do veículo como escolar, entre outros itens. Em alguns casos já foram encontrados até motoristas sem a habilitação adequada.
“O que nós temos visto, infelizmente, no Tocantins, é uma quantidade absurda de veículos que não estão em bom estado de conservação. Muitas vezes estes veículos são contratados. Então, muitas vezes são terceiros contratados pelos municípios”, explicou o promotor de Justiça Sidney Fiori Júnior, coordenador do Centro de Apoio Operacional às Promotorias da Infância, Juventude e Educação (Caopije).
Segundo ele, os problemas no transporte escolar são considerados crônicos. “Que a cada semestre o Detran acusa o mesmo problema ou até outros problemas agregados. Então, é uma situação que vem se arrastando ao longo dos anos e por mais que o Ministério Público ajuíze as ações competentes a gente sabe que a ação às vezes demora e a criança e adolescente está em risco.”
Corrupção também afeta serviço
Delegado fala sobre investigações de fraude no transporte escolar
A corrupção também tem afetado o serviço de transporte escolar e prejudicado o acesso à educação no Tocantins. Nas últimas semanas uma operação conjunta da Polícia Federal e da Controladoria Geral da União (CGU) cumpriu quase uma centena de mandados de busca e apreensão em cidades de todas as regiões do estado.
Os investigadores apuraram que contratos feitos pelos municípios com associações de transporte eram fraudados com a finalidade de obter propina em detrimento à qualidade do serviço e segurança dos alunos. Pelo menos 5.835 estudantes matriculados na zona rural podem ter sido prejudicados.
Segundo a investigação, os contratados nem sempre ofereciam os ônibus prometidos ou adequados para fazer o transporte. Além disso, existiam rotas fantasmas, acréscimo de quilometragem e adulteração de documentos para que empresários recebessem por serviços que não prestados.
O delegado Allan Reis, da Polícia Federal, explicou que tem investigado o desvio de recursos públicos do Programa Nacional do Transporte Escolar (Pnate), cujo objetivo principal é proporcionar um transporte seguro e de qualidade para os alunos da zona rural.
“Durante essas operações policiais tem se verificado que a prestação de tal serviço tem colocado em risco, inclusive a integridade física dos alunos. O transporte escolar prestado por algumas empresas, algumas delas cooperativas, em veículos sem as especificações técnicas adequadas e sem uma fiscalização prévia, o que tem gerado uma insegurança jurídica para os alunos e acarretado, inclusive, uma evasão escolar tendo em vista essa má prestação de serviço”, explicou o delegado.
Educação, um direito fundamental?
A educação é descrita na Constituição Federal como fundamental, sendo um “direito de todos e um dever do estado e da família”. Mas não basta apenas abrir escolas sem dar condições de acesso e permanência aos estudantes.
É neste ponto que entram as políticas públicas como transporte escolar, que é de grande importância para os alunos da zona rural. O promotor Sidney Fiori Júnior explica que o Ministério Público atua na garantia deste direito, fiscalizando, inclusive, a distância entre a casa dos estudantes e o local do embarque.
“Não pode ser mais de três quilômetros porque se não a criança vai ter que andar de madrugada, no meio de uma zona rural, quilômetros e quilômetros até chegar a um ponto de embarque. Outro ponto de atenção é a situação das estradas. Não adianta nada você ter um veículo em bom estado e a estrada estar quebrada, com uma ponte quebrada. Tem todo um trabalho por trás que o Ministério Público precisa fiscalizar para que no final das contas a criança entre no ônibus e desça na escola”, explicou.
A partir das vistorias do Detran, o MPE encaminha informações para as promotorias, que adotam ações para tentar resolver o problema. O primeiro passo é chamar os municípios e negociar uma solução. Se a situação continuar, são adotadas medidas judiciais.
“O Ministério Público entra com as ações civis públicas ou então busca um termo de ajustamento de conduta, que é o TAC, para solucionar esses problemas da forma mais célere possível presando pelo atendimento destas crianças e adolescentes”, explicou.
O diagnóstico é que muitas vezes falta atenção aos gestores.
“A criança, o adolescentes às vezes está em risco e a gente pede que os gestores tenham mais atenção com os nossos estudantes. Nós pedimos essa parceria com a comunidade, com os pais e os alunos no sentido de denunciar estes problemas relacionados ao transporte escolar através do Disque 100 ou do 127, da ouvidoria do Ministério Público”, explicou.
Promotor Sidney Fiori Júnior fala sobre a importância do transporte escolar para educação
O que dizem os citados
Prefeitura de Gurupi
Para atender rotas do transporte público escolar tanto urbanas quanto rurais, a Prefeitura de Gurupi tem à disposição da comunidade 25 ônibus escolares sendo 12 próprios e 13 terceirizados. Todos os veículos foram vistoriados no último dia 10 de março.
A frota própria do município se encontra em situação regular. Já entre os veículos da prestadora de serviço, nove estavam inaptos e a Secretaria Municipal da Educação, por meio do setor de transportes, encaminhou relatórios com cópia da vistoria comunicando a empresa responsável pela situação e solicitando as devidas providências.
Prefeitura de Araguaína
A Prefeitura de Araguaína esclarece que dos 77 veículos apresentados na vistoria no Detran/TO (Departamento de Trânsito do Tocantins), que operam no transporte escolar dos alunos do Município, 63 estão devidamente habilitados para operar no primeiro semestre do ano 2022.
Esclarece ainda que os 12 ônibus oficiais da Secretaria da Educação foram devidamente aprovados. Quanto aos veículos da empresa contrata pelo Município, também levados para avaliação, 14 foram inabilitados para o transporte escolar.
Em decorrência dessa situação, foi requerido imediatamente à empresa a substituição por veículos aptos, que ainda estão aguardando uma nova vistoria do Detran/TO, solicitada ainda no mês de março.
Até o momento, o órgão de fiscalização de trânsito não deu resposta quanto aos requerimentos da Secretaria da Educação e da empresa contratada, responsável pelos veículos.
Prefeitura de Palmas
A Secretaria Municipal da Educação (Semed) informa que os ônibus que atendem o transporte escolar passaram por duas vistorias, e após avaliação e cumprimento das exigências solicitadas pelo Detran-TO, todos estão aptos para circular nas rotas escolares.
Esclarecemos ainda, que a próxima vistoria está prevista para o mês de julho, conforme solicitação do órgão.
Fonte: G1 Tocantins