‘Bem do Rio’: maqueiro ‘artista’ transforma paredes da pediatria do Miguel Couto em painel infantil
Nascido e criado na Favela do Jacarezinho, hoje morador do Complexo do Alemão, Renato Pereira da Silva sabe bem como é difícil a vida de crianças moradoras de comunidade.
Pai de três filhos, maqueiro do Hospital Municipal Miguel Couto há 16 anos e artista amador nas horas vagas, Renatinho – como é conhecido – aos poucos venceu a vergonha para levar um pouco de alegria para as crianças da ala de pediatria: com talento, pincel e tinta, transformou as paredes em um grande painel lúdico.
O maqueiro artista Renatinho é mais um personagem da série “Bem do Rio”. As reportagens mostram a história de cariocas – da gema ou de alma – que nutrem uma relação especial com a cidade.
Desde março, os pequenos pacientes convivem com princesas, super-heróis e bichos nos corredores e quartos.
“As crianças têm medo das pessoas de branco, de injeção, então tendo um colorido, já vai dar um alívio. Deixar o ambiente mais leve para as crianças, com uma cara mais infantil”, diz.
O setor foi pintado nos dias de folgas do maqueiro, que levava um dia inteiro para desenhar em cada parede e teve o apoio de colegas de hospital.
“Cada painel que eu pintei, levei um dia todo. Comecei às 7h e terminava às 22h.”
Maqueiro Renatinho fez as pinturas no setor de pediatria do Miguel Couto durante os dias de folga — Foto: Marcos Serra Lima/G1
Os desenhos foram pensados de acordo com a idade daqueles que ocupam os quartos. O das meninas tem princesas desenhadas, como a Elza, de “Frozen”, e a Tiana, de “A Princesa e o Sapo”. A próxima pintura, já em andamento, será da Bela, do filme “A Bela e a Fera”, feita a pedido de uma paciente.
O dos meninos tem super-heróis, como Homem-Aranha, Thor e Homem de Ferro.
Para os menores, que, na maioria em fase de alfabetização, há letras do alfabeto, a turma do Mickey e bichinhos mais infantis.
Além da preocupação com a faixa etária dos pacientes, o maqueiro se preocupou com a saúde dos pacientes ao escolher as tintas.
“A equipe médica e a de enfermagem me ofereceram o material. Eu pedi para que comprassem materiais não tóxicos, sem cheiro, para não prejudicar a saúde das crianças”, lembrou.
Pintar fora das paredes do hospital
Detalhe da pintura feita pelo maqueiro Renato Pereira — Foto: Marcos Serra Lima/G1
Renatinho tem vontade de colorir outros cantos do Rio. Apesar de dizer que não conhece tantos lugares da cidade, principalmente os pontos turísticos, notou que “falta vida” em algumas regiões.
“Perto da Rodoviária Novo Rio tem uns lugares bem tristes, próximo à favela de Manguinhos e Maré. Se eu pudesse pintaria o Rio nos lugares tristes.”
Mas a experiência que teve fora do hospital não foi nada animadora. Uma de suas duas filhas – ele tem ainda um menino – pediu para ele pintar a parede da própria escola, em Benfica, Zona Norte, mas os desenhos não duraram 24 horas.
“Eu sempre passo ali de manhã para vir trabalhar e vejo o lugar meio triste, meio apagado. Esse muro pega do colégio da minha filha até a Suipa. Pedi autorização à Suipa e ao colégio para deixar o ambiente mais alegre. Infelizmente, não durou nem um dia, porque tacaram fogo em fios e pneus onde eu fiz o desenho”, lamentou.
‘Não me considero artista’
Mesmo com agradecimentos e reconhecimento das pinturas no hospital, Renatinho mantém a humildade, e diz que não se vê como artista, mas um “curioso”.
“Recebo elogios, pessoas que nem me conheciam hoje me abraçam e agradecem. Pessoas que nunca tiveram aqui no hospital também já me agradeceram (…) Eu sou maqueiro e artista amador. Não me vejo como artista profissional. Eu sou um curioso, porque existem mil artistas no Rio de Janeiro que são fera. Nunca fiz cursos, comecei a pintar com 13, 14 anos observando meus irmãos mais velhos desenhar”, lembrou.
Planos para o futuro
O maqueiro iniciou um curso técnico de enfermagem, mas seu sonho é fazer uma faculdade para se tornar criador de desenhos de animação.
“Desde a época de adolescente minha vontade é criar animação brasileira, criar meus próprios desenhos, mas focado nas crianças, no público infantil”, contou. “Mas por falta de oportunidade e dinheiro eu acabei desistindo.”
Renatinho, como é conhecido por colegas de trabalho, tinha a vontade de pintar os murais do hospital há mais de 10 anos — Foto: Marcos Serra Lima/G1
*Estagiária, sob supervisão de José Raphael Berrêdo
Fonte: https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/bem-do-rio/noticia/2019/07/24/bem-do-rio-maqueiro-artista-transforma-paredes-da-pediatria-do-miguel-couto-em-painel-infantil.ghtml