Brasileiro leva o prêmio máximo da Matemática
Um carioca de 35 anos se tornou o primeiro brasileiro a receber a prestigiada Medalha Fields, considerada o prêmio Nobel da matemática. Artur Avila foi anunciado como merecedor da láurea máxima da União Internacional de Matemática (IMU, na sigla em inglês), durante o Congresso Internacional de Matemáticos, nesta terça-feira, quarta de manhã em Seul, na Coreia do Sul, onde o evento acontece. A medalha é entregue a cada quatro anos, a no mínimo dois e no máximo quatro profissionais com menos de 40 anos cujos trabalhos um comitê secreto julga terem sido fundamentais para o avanço da matemática. Junto com Avila, este ano a Fields foi entregue também ao canadense Manjul Bhargava, ao austríaco Martin Hairer e à iraniana Maryam Mirzakhani.
“Artur Avila fez notáveis contribuições no campo dos sistemas dinâmicos, análise e outras áreas, em muitos casos provando resultados decisivos que resolveram problemas há muito tempo em aberto. Quase todo seu trabalho foi feito por meio de colaborações com cerca de 30 matemáticos de todo mundo. Para estas colaborações, Avila traz um formidável poder técnico, a engenhosidade e tenacidade de um mestre em resolver problemas e um profundo senso para questões profundas e significativas. Os feitos de Avila são muitos e abrangem uma ampla gama de tópicos. Com sua combinação de tremendo poder analítico e profunda intuição sobre sistemas dinâmicos, Artur Avila certamente continuará um líder na matemática ainda por muitos anos”, escreveu o comitê da IMU na sua justificativa para o prêmio.
Ex-aluno de duas escolas tradicionais do Rio, os colégios Santo Agostinho e São Bento, o calculista coleciona medalhas desde os 13 anos, quando ganhou um bronze na Olimpíada Brasileira de Matemática (OBM) de 1992. De lá até receber a sonhada Fields, Avila conquistou alguns ouros em outras edições da olimpíada e concluiu seu doutorado no Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa), em 2011, aos 21 anos. Hoje, divide seu tempo entre o Impa, onde atua como pesquisador extraordinário, e o trabalho de diretor de pesquisa do Centro Nacional de Pesquisas Científicas da França, em Paris.
“Sentia isso como uma pressão”
À diferença do Nobel, cujos vencedores só sabem da premiação após o anúncio oficial na Suécia, os ganhadores da Medalha Fields são informados previamente. O carioca, que já havia sido cogitado para o prêmio em 2010, recebeu a notícia há dois meses, com um certo alívio.
— Há vários anos existia uma expectativa nessa direção, e realmente eu sentia isso como uma pressão sobre mim, também pela sua importância para o Brasil, que de maneira um pouco estranha nunca teve prêmios internacionais desse porte, como um Nobel. Assim, ficava um pouco pesado. A notícia da medalha teve, para mim, um primeiro efeito de alívio — conta Avila.
No Impa, a notícia sobre o prêmio foi recebida com muita festa:
— Essa medalha para o Artur vem primeiro coroar o trabalho individual dele, mas, ao mesmo tempo, é coerente com a situação da matemática brasileira — pondera César Camacho, diretor-geral do Impa. — Não é como um salto quântico. Um feito excepcional, sim, mas não fora da curva. É resultado de um longo trabalho de construção do Impa como centro de excelência da matemática mundial nos últimos 62 anos. Somos uma instituição aberta, com muitos contatos e interação com outras no exterior, e na qual tudo é feito com base no mérito.
Avila e os outros três ganhadores deste ano se juntam às outras 52 pessoas laureadas desde a primeira Medalha Fields, em 1936. O prêmio foi criado pelo canadense John Charles Fields, para “reparar” o erro do sueco Alfred Nobels, que, ao elaborar o Prêmio Nobel, em 1895, desconsiderou a matemática como ciência importante. Hoje, os ganhadores da Medalha Fields recebem 15 mil dólares canadenses (R$ 31 mil). Valor bem menor do que as 8 milhões de coroas suecas (cerca de R$ 2,7 milhões) pagos aos premiados com o Nobel. Nas 17 edições anteriores da Fields, os americanos foram os mais premiados (12 vezes). A medalha de Ávila é a primeira de um matemático da América Latina.
Orientador do pesquisador em seu doutorado no Impa, Welington de Melo afirma que o trabalho dele já o credenciava à medalha no congresso de 2010, na cidade indiana de Hyderabad (a próxima edição, aliás, acontece no Rio, em 2018.).
— Ele só não ganhou porque tinha outra chance. Os trabalhos que tinha feito já eram mais do que suficientes — avalia. — O Brasil nunca teve um ganhador do Nobel antes, e a Fields é algo até mais difícil. Espero que o Artur sirva como estímulo para outros jovens se esforçarem para serem grandes matemáticos e continuarem a levar a matemática brasileira e mundial a um altíssimo nível.
Ex-professor e hoje colaborador de Avila, Marcelo Viana, pesquisador do Impa e presidente da Sociedade Brasileira de Matemática, diz que um dos talentos dele é a capacidade de transitar por muitas áreas da matemática avançada.
— Artur pegou a bagagem que acumulou no Impa e foi além. Ele é muito produtivo, tem grande capacidade de concentração e não faz nada que não seja profundo — elogia.
Presidente da IMU e primeira mulher nesse posto, a belga Ingrid Daubechies vê em Avila versatilidade e espírito colaborativo.
— Ele trabalha com sistemas dinâmicos, um campo muito interessante que se conecta com uma ampla gama de aplicações, mas também com diversas dificuldades técnicas e questões em aberto das quais muitas ele simplesmente derrubou ou desbloqueou. — explica. — Artur surpreendeu pela abrangência de suas colaborações. Antes, era frequente que os mais fortes resultados fossem obtidos por matemáticos isoladamente ou em colaboração com apenas uma pessoa, mas isso está mudando. Muitos dos melhores e mais jovens matemáticos gostam de colaborar entre si. Esta é uma característica de Artur.
Assim como Camacho, Ingrid vê na escolha de Avila para o prêmio um reconhecimento da comunidade matemática internacional ao trabalho realizado pelo Impa.
– O Impa tem sido um forte centro de produção de pesquisas em matemática já há muitos anos e isso é um reconhecimento de que o Brasil agora chegou ao mais alto nível possível – diz. – A matemática é a mais antiga das ciências e é maravilhoso ver o seu desenvolvimento em locais fora dos centros tradicionais, como na Europa e América do Norte.
(OGlobo)