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Brasileiro que divide alojamento com 60 estudantes relata apreensão na quarentena na Rússia: ‘Estou isolado’

O fechamento das fronteiras russas desde 30 de março por causa da pandemia do novo coronavírus está deixando turistas e brasileiros que moram no país apreensivos. É o caso do universitário Mateus Oliveira de Andrade, de 22 anos, que está em Moscou, principal foco da Covid-19 na Rússia.

O estudante de direito paulista conta que o alojamento de seis andares da universidade está vazio. Dos 200 estudantes de vários países que estavam lá até o início da crise, restam cerca de 60. Mateus conseguiu um quarto só para ele, mas ainda assim se sente vulnerável.

“Tenho a sensação é de que estou isolado na Rússia. Não tenho para onde ir. A gente se sente vulnerável, porque precisa de 60 pessoas para garantir sua segurança. O isolamento não depende tanto de você”, conta.

Mateus conta que os estudantes procuram ficar o dia todo no alojamento e só saem para comprar comida. “Mas todos os ambientes são compartilhados: cozinha, banheiro. Se alguém se infectar vai infectar o alojamento todo. Não tem espaço de manobra”.

Corredores de alojamento estudantil em Moscou, na Rússia, passaram a ficar vazios por causa da pandemia de Covid-19 — Foto: Mateus Oliveira de Andrade/Arquivo pessoal

Corredores de alojamento estudantil em Moscou, na Rússia, passaram a ficar vazios por causa da pandemia de Covid-19 — Foto: Mateus Oliveira de Andrade/Arquivo pessoal

A pandemia na Rússia começou a ser agravar em meados do mês de março. O país já registra quase 300 mil infectados e 2,8 mil mortes por causa do novo coronavírus, de acordo com a universidade americana Johns Hopkins, que acompanha a evolução da pandemia no mundo todo. Atualmente, é o segundo país em número de infectados, mas o relativo baixo número de mortos desperta suspeita de subnotificação. (leia mais abaixo)

No início, “ninguém levou muito a sério” a pandemia, mas depois a situação mudou. No alojamento onde está o brasileiro, os estudantes passaram a ficar mais nos seus quartos e já não se reúnem para as refeições.

“No começo, a gente ainda tentava manter o espírito mais para cima no alojamento. O pessoal se juntava toda a noite para beber e jantar, mas, nas últimas semanas, está mais abatido”, afirma Mateus.

Militares do Ministério de Emergências da Rússia, usando equipamento de proteção, desinfetam a estação ferroviária de Leningradsky, em Moscou, nesta terça-feira (19)  — Foto: Kirill Kudryavtsev / AFP

Militares do Ministério de Emergências da Rússia, usando equipamento de proteção, desinfetam a estação ferroviária de Leningradsky, em Moscou, nesta terça-feira (19) — Foto: Kirill Kudryavtsev / AFP

Com aulas online desde o início de abril, a rotina dos estudantes foi aos poucos se alterando. “Os horários no alojamento são bem malucos. Agora é normal ir todo mundo dormir umas 4h ou 5h e acordar meio dia. O momento mais movimentado é a partir das 20h, mas fora isso tende a ser mais quieto.”

O intercâmbio, que terminaria em julho, perdeu um pouco do encanto depois que a universidade fechou.

“Eu não tenho mais por que ficar aqui. Como aconteceu com estudantes do mundo inteiro, as aulas online prejudicaram os alunos, porque você perde muito o ambiente da universidade, a interação com os outros alunos e professores. A única vantagem é que eu não vou perder o semestre mesmo se eu conseguir voltar ao Brasil”.

‘Cada dia é um desespero aqui’

Paulo Renato Dias Bittencourt ainda não conseguiu voltar ao Brasil após um seminário que participou sobre adestramento de cães na Rússia  — Foto: Arquivo Pessoal

Paulo Renato Dias Bittencourt ainda não conseguiu voltar ao Brasil após um seminário que participou sobre adestramento de cães na Rússia — Foto: Arquivo Pessoal

A falta de uma previsão para a reabertura das fronteiras deixa turistas brasileiros aflitos. O paranaense Paulo Renato Dias Bittencourt, de 42 anos, não conseguiu voltar após um seminário que participou sobre adestramento de cães.

O adestrador de cães, que era para ter voltado para Curitiba em 21 de abril, ficou quase três meses de favor na casa de um amigo em uma chácara em uma cidade a cerca de 100 km de Moscou. “Só tinha bode, cabra, vaca. Na cidade só tem um mercado e uma farmácia. No começo ainda fui lá, depois acabei nem indo mais”, conta.

Para piorar a situação, Paulo teve um agravamento da crise de alergia respiratória.

“Eu trouxe o remédio para o período em que ia ficar, mas acabou. A embaixada mandou remédio para mim, mas não está funcionando.”

Na sexta-feira (15), ele foi para um albergue em Moscou onde está dividindo o quarto com quatro estrangeiros. “Estou com pouco dinheiro. Cada dia é um desespero aqui. Tenho muita saudade da minha família, do meu filho.”

“Está muito difícil ficar aqui. Estou no aguardo de aparecer um voo de repatriação, mas, até agora, não tem nenhuma previsão. Isso me preocupa muito”.

A embaixada do Brasil em Moscou informou o G1 que está organizando um segundo voo de repatriação. Até a publicação dessa matéria, não havia uma data acertada para esse voo.

Rigor no controle e incentivo pra ficar em casa

‘Quem sobreviveu ao mês de isolamento sem violação....mais um mês de presente’ diz meme com fotos do presidente Vladimir Putin que circulou na Rússia — Foto: Reprodução G1

‘Quem sobreviveu ao mês de isolamento sem violação….mais um mês de presente’ diz meme com fotos do presidente Vladimir Putin que circulou na Rússia — Foto: Reprodução G1

Uma veterinária gaúcha que mora há três anos com os dois filhos em Moscou também espera com ansiedade a abertura das fronteiras. A família estava com tudo pronto para voltar ao Brasil: a passagens estavam compradas para quinta-feira (14).

Como seus dois filhos, uma adolescente de 15 anos e um menino de 10, estavam na escola em Moscou, ela aguardava o fim do ano letivo para deixar o país. Com o avanço da pandemia, as aulas passaram a ser online no fim de março. Com o medo de que decretassem um lockdown, a brasileira formalizou a retirada dos filhos do sistema de ensino.

“Com medo da documentação deles ficar retida na escola por causa da quarentena, eu acabei retirando-os do sistema de ensino russo, que é centralizado e controlado pelo governo. No fim, não consegui embarcar, eles não vão concluir o ano letivo e estão em casa sem poder sair”, conta.

A gaúcha elogia a condução do governo russo no combate à disseminação do novo vírus no país.

“Apesar do mundo falar que o [Vladimir] Putin controla muito as notícias, claro que tem muita verdade sobre isso, a gente tem informações sobre a pandemia desde janeiro. Sabia que tinha fechado fronteira com a China, por exemplo. Mas as medidas de segurança foram tomadas em março”.

Os idosos com mais de 65 anos, por exemplo, são proibidos de deixar suas residências. “Minha vizinha já está há 2 meses sem sair. O governo vai dar uma bonificação na aposentadoria se o idoso não for pego na rua durante a quarentena. Famílias que têm crianças também receberão um incentivo fiscal.”

A veterinária lembra que no início era mais fácil monitorar porque eram poucos os casos da doença e “existem câmeras em todo lugar”. “Estrangeiros foram deportados porque não respeitaram quarentena”, afirma.

A veterinária diz que os russos não se mostram “extremamente preocupados” com a situação. “Para eles, o país tem um grande problema de alcoolismo e tuberculose. Eles acham que essas doenças matam muito mais, por isso, não se vê uma movimentação como se fosse um caos”.

Suspeita de subnotificação

Funcionários do Hospital Clínico da Cidade Vinogradov, em Moscou, atendem paciente na  Unidade de Terapia Intensiva (UTI) no domingo (17)  — Foto: Dimitar Dilkoff / AFP

Funcionários do Hospital Clínico da Cidade Vinogradov, em Moscou, atendem paciente na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) no domingo (17) — Foto: Dimitar Dilkoff / AFP

A Rússia foi um dos primeiros países a anunciar o fechamento das fronteiras com a China, em 30 de janeiro, quando casos de Covid-19 começaram a se espalhar pelo mundo. Dois meses depois, todos os voos foram suspensos – menos aqueles que levassem russos repatriados- e todas as fronteiras foram fechadas.

A primeira morte por causa do coronavírus foi registrada em 19 de março. Em maio, a Rússia se tornou o país onde o novo coronavírus se expandiu mais rapidamente e chegou ao 2º lugar no ranking feito pela universidade Jonhs Hopkins, mas o baixo número de mortes intriga especialistas e geram suspeita de subnotificação.

“Tem até memes que questionam se a imunidade dos russos é tão boa”, conta a veterinária gaúcha.

O Kremlin atribui a cifra elevada de casos e o menor número de mortes a um vasto programa de testes, que teria permitido aos médicos identificarem os casos mais graves e tratá-los rapidamente. A agência russa Tass informou, na segunda-feira (18), que mais de 7,5 milhões de testes tinham sido feitos no país.

No entanto, reportagem do jornal “New York Times”, de segunda (11), mostra que dados divulgados pela administração da cidade de Moscou, que é o epicentro da Covid-19 no país, indicam subnotificação dos casos de infecção.

Até sexta-feira (8), o número total de mortes na capital russa em abril excedeu a média de cinco anos para o mesmo período em mais de 1.700. Nesse período, apenas 642 de mortes provocadas pela Covid-19 foram registradas na cidade.

No entanto, para a brasileira a percepção é de que pandemia está sob controle. Ela afirma que jornais locais mostram hospitais preparados para receber doentes. “Um pavilhão foi montado em um parque, outro em um espaço de eventos. Outro dia, a TV mostrou a chegada do 1º paciente em um deles, o que mostra que a pública ainda não está superlotada”.

Segundo ela, existe uma imprensa local que faz críticas ao governo. “Se tivesse uma mortalidade muito alta, não teria como a imprensa local não noticiar.”

Flexibiliza o isolamento

Russos usam luvas e máscaras enquanto andam de escadas rolantes que dão acesso ao metrô de Moscou, na Rússia, na terça-feira (12)  — Foto: Alexander Zemlianichenko/AP

Russos usam luvas e máscaras enquanto andam de escadas rolantes que dão acesso ao metrô de Moscou, na Rússia, na terça-feira (12) — Foto: Alexander Zemlianichenko/AP

Enquanto o país ainda liderava as estatísticas mundiais de novas infecções, o presidente Vladimir Putin anunciou que os governadores poderiam optar pelo relaxamento gradual nas restrições impostas para combater a disseminação do coronavírus.

No discurso, Putin reconheceu que a pandemia não tinha sido derrotada e não escondeu que o desemprego é uma preocupação. Em um único mês, mais de 1,6 milhão se registaram em busca de auxílio social ou trabalho, segundo a agência Deutsche Welle.

Na segunda-feira (18), o primeiro-ministro russo, Mikhail Michustin, anunciou que a Rússia “interrompeu o crescimento” de infecções depois de o país registrar pelo quarto dia consecutivo menos de 10 mil casos de novas infecções.

Moscou, o epicentro da doença no país, dever manter as suas próprias medidas de confinamento até 31 de maio. Enquanto isso, após um longo inverno, os russos aguardam ansiosos a chegada do bom tempo.

Incêndio em hospital para pacientes com Covid-19 mata cinco na Rússia

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Fonte: G1 Mundo