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Covid e crianças: saiba o que os estudos mais recentes dizem sobre volta às aulas, transmissão e gravidade da doença

Em setembro, G1 reuniu 7 pontos do que a ciência já sabia sobre a Covid em crianças. As pesquisas já apontavam que as crianças podem contrair o vírus e desenvolver formas graves, mas que esses casos eram raros.

Estudos recentes confirmam esses indícios e acrescentam novos dados: crianças transmitem a doença menos do que adultos, escolas não são foco da transmissão e, quando têm surtos, é mais comum que o primeiro caso seja em um professor.

Após consultar mais de 20 artigos de pesquisadores de universidades renomadas, o G1 detalha abaixo as principais conclusões:

  1. Crianças também podem transmitir a Covid, mas menos do que os adultos
  2. Escolas não são principais focos de transmissão, mas há registros de surtos
  3. Reabrir escolas requer cumprimento de medidas como ventilação, distanciamento e uso de máscaras
  4. Escolas fechadas trazem prejuízos, mas professores temem risco com aulas presenciais sem vacina
  5. Novas pesquisas sobre Covid em crianças e síndrome pediátrica rara

 

1) Crianças também podem transmitir a Covid, mas menos do que os adultos

 

Professora lê livros com duas crianças em creche em Recklinghausen, oeste da Alemanha, no dia 24 de fevereiro. — Foto: Ina Fassbender/AFP

Professora lê livros com duas crianças em creche em Recklinghausen, oeste da Alemanha, no dia 24 de fevereiro. — Foto: Ina Fassbender/AFP

Segundo o Centro de Controle de Doenças europeu (ECDC), “nenhuma evidência foi encontrada sugerindo que crianças ou cenários educacionais sejam os motivadores principais da transmissão do vírus Sars-CoV-2.

Pesquisas feitas ao longo da pandemia vêm sugerindo que as crianças, apesar de se infectarem e serem capazes de transmitir a Covid para outras crianças e adultos, transmitem menos a doença.

Ainda no início da pandemia, uma pesquisa ainda não revisada, feita por cientistas chineses e australianos, analisou outros estudos e concluiu que, de 31 focos de casos dentro de casas na Coreia do Sul, Japão e Irã, 3 tiveram o primeiro caso em uma criança. Eles concluíram que as crianças não tinham um papel substancial na transmissão do Sars-CoV-2 dentro de casa.

Uma pesquisa publicada no “British Medical Journal”, em agosto do ano passado, acompanhou todos os primeiros casos pediátricos de Covid-19 na Coreia do Sul, registrados entre 20 de janeiro e 6 de abril de 2020. Ao todo, foram identificados 107 casos em pessoas com 18 anos ou menos. O estudo acompanhou 248 pessoas que moravam na mesma casa do caso inicial.

Os pesquisadores conseguiram identificar uma situação em que o caso pediátrico inicial – de um adolescente de 16 anos – infectou um adulto. O adolescente ficou isolado no próprio quarto, em casa, mas dividiu a mesa ao fazer refeições com o adulto que acabou infectado. O tempo de exposição foi de 2 dias no período pré-sintomático e de 1 dia no período sintomático do caso inicial.

“Um caso pediátrico inicial pode expor membros da casa a um nível substancial de infecção durante a fase pré-sintomática”, apontaram os pesquisadores. Eles recomendaram o monitoramento e a avaliação do papel das crianças em transmitir a Covid dentro de casa e na comunidade.

Um estudo publicado em janeiro, também na revista “Jama Pediatrics”, mediu as infecções e a presença de anticorpos IgG em crianças e adultos no sudoeste da Alemanha. Entre abril e maio de 2020, os pesquisadores testaram 2.482 crianças com idades entre 1 e 10 anos e o pai ou a mãe de cada criança, num total de 2.482 adultos. A pesquisa foi feita em um período de lockdown, o que significa que as crianças não estavam indo à escola ou a creches.

Os principais achados foram os seguintes:

  • Houve 14 pares de participantes em que ambos tiveram anticorpos detectados; outros 34 pais que tiveram os anticorpos tinham um filho que não tinha os anticorpos. Oito crianças tiveram os anticorpos detectados sem que o responsável também tivesse.
  • Entre 56 famílias com que tinham pelo menos uma criança ou pai/mãe com anticorpos detectados para o vírus, a combinação pai/mãe com anticorpos + criança sem anticorpos foi quatro vezes maior do que a combinação pai/mãe sem anticorpos + criança com anticorpos.

 

Para os cientistas, “a menor soroprevalência do Sars-CoV-2 em crianças pequenas em comparação com seu pai correspondente é uma observação importante, porque indica que é muito improvável que as crianças tenham aumentado o surto de Covid no sudoeste da Alemanha durante o período de investigação. Isso contrasta com outras infecções do trato respiratório, como gripe ou pneumococos, nas quais as crianças podem ter papel de destaque na disseminação da doença”, avaliam.

O infectologista pediátrico e coordenador do Comitê de Infectologia Pediátrica da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), Marcelo Otsuka, alerta que as crianças podem transmitir o coronavírus, mas não são parte grande da cadeia de transmissão.

“Se ela [a criança] voltar para casa com Covid-19, pode passar a doença para um adulto e esse adulto pode desenvolver um caso grave. Só que os estudos não demonstram até o momento que as crianças sejam importantes na transmissão da doença. Mais do que isso, normalmente, quem transmite, quem infecta as crianças, quem transmite para os adultos, são os adultos que estão saindo para a rua“, afirma.

 

Meninas brincam no primeiro dia de retorno às aulas presenciais em uma escola primária de Glasgow, na Escócia, no dia 22 de fevereiro. — Foto: Andy Buchanan/AFP

Meninas brincam no primeiro dia de retorno às aulas presenciais em uma escola primária de Glasgow, na Escócia, no dia 22 de fevereiro. — Foto: Andy Buchanan/AFP

A avaliação de Otsuka é compartilhada pela pediatra Débora Miranda, da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

“Hoje a gente sabe que a criança não é tão transmissível, não é tão grave. É um transmissor muito menor do que nós, adultos, que estamos saindo. Elas têm menos receptor que promove a incorporação do vírus, diferenças de imunidade que fazem com que sejam menos transmissoras”, diz.

“Mesmo diante dessas cepas novas, a gente tem um paper [artigo científico] da Inglaterra mostrando que a criança [se] infecta quando a comunidade está com altas taxas de transmissão – não é porque a criança está mais suscetível. Se diminuir a transmissão comunitária, mesmo diante dessas cepas, continua [assim]. Até o presente momento o que tem na literatura é isso. Se diminuir na comunidade, a criança não tem”, afirma.

 

Uma pesquisa mais recente, publicada no dia 11 em uma revista do grupo “Plos“, mediu o papel de crianças na transmissão de Covid dentro de casa. Os cientistas coletaram dados de 637 famílias na cidade de Bnei Brak, em Israel; cada família tinha uma média de 5,3 pessoas. Eles estimaram que a susceptibilidade de crianças e adolescentes abaixo dos 20 anos era de 43% a de adultos – e que a capacidade deles de infectar outras pessoas era de 63% a dos adultos.

Variantes

 

Por outro lado, o surgimento de novas variantes, potencialmente mais transmissíveis – como as detectadas em Manaus, no Reino Unido e na África do Sul – também preocupa especialistas.

No dia 9 de fevereiro, uma reportagem publicada no “British Medical Journal” apontou que mais crianças e adolescentes têm se infectado com o coronavírus. Em Israel, pediatras relataram que mais de 50 mil crianças e adolescentes tiveram resultado positivo para a Covid em janeiro – mais do que o total visto em qualquer outro mês da pandemia no país.

Israel é o país que mais vacinou a população até agora, mas a idade mínima para vacinação é 16 anos com a vacina da Moderna. O imunizante da Pfizer, por exemplo, só pode ser aplicado a partir dos 18 anos. Ambos foram aprovados no país.

Um especialista israelense disse à revista britânica que, desde o surgimento da variante do Reino Unido no país, em meados de dezembro, a proporção de novos casos diários para crianças menores de dez anos aumentou 23%. Ele pediu cuidado na reabertura de escolas.

Na Itália, houve um pico de casos na cidade de Corzano, no norte do país. No dia 3 de fevereiro, 140 pessoas (10% da população local) tiveram resultado positivo para Covid. 60% dos casos foram vistos em crianças pequenas.

2) Escolas não são principais focos de transmissão, mas há registros de surtos

 

Estudantes têm aula presencial em escola em Itagui, na Colômbia, em meio à pandemia de Covid-19 no dia 25 de fevereiro. — Foto: Joaquin Sarmiento/AFP

Estudantes têm aula presencial em escola em Itagui, na Colômbia, em meio à pandemia de Covid-19 no dia 25 de fevereiro. — Foto: Joaquin Sarmiento/AFP

Uma série de pesquisas vem apontando que as escolas não são o foco de transmissão da Covid – e que fechá-las não traz um grande impacto na evolução da pandemia.

Um estudo publicado na semana passada na revista científica “JAMA Pediatrics” apontou que o fechamento de escolas nos Estados Unidos teve menor associação com a evolução da pandemia da Covid do que outras mudanças comportamentais, como (adultos) passarem menos tempo no trabalho.

Um estudo feito na Austrália e publicado na revista científica “The Lancet” em agosto mostrou que as taxas de transmissão de Sars-CoV-2 foram baixas em ambientes educacionais focados na primeira infância durante a primeira onda. Segundo os pesquisadores, “crianças e professores não contribuíram significativamente para a transmissão de Covid-19”.

“Nossos resultados fornecem evidências de que a transmissão de Sars-CoV-2 em ambientes educacionais pode ser mantida baixa e administrável. Prevemos que as escolas possam ser reabertas de maneira segura, para o bem educacional, social e econômico da comunidade, conforme nos adaptamos para viver com a Covid-19”, dizem os pesquisadores.

Outra pesquisa, feita no norte da Itália e publicada em dezembro, compartilha da mesma conclusão: a transmissão em espaço escolar é limitada. Os cientistas reforçaram que o isolamento rápido dos casos positivos e a aplicação de testes em colegas da classe dos infectados podem ter reduzido a transmissão do vírus.

A agência de saúde pública do Reino Unido, a “Public Health England” (PHE), também analisou as escolas do país. O estudo foi publicado na “The Lancet”, em dezembro. Apesar de infecções e surtos de Sars-CoV-2 serem baixos em escolas, a PHE enfatizou a importância de controlar a transmissão na comunidade. “As intervenções devem se concentrar na redução da transmissão dentro e entre os funcionários”.

O Reino Unido adotou uma abordagem mais cautelosa para a reabertura das escolas, com distanciamento social e medidas de controle de infecção, limitando o número de funcionários e crianças.

 

Apesar de as escolas não serem os principais focos de transmissão, tanto o CDC americano como o europeu apontam que surtos podem ocorrer e ocorreram dentro delas, levando a fechamentos.

Na Áustria, um jardim-de-infância teve que ser fechado, no dia 18, depois que um surto de Covid infectou ao menos 40 pessoas. Pelo menos 27 eram crianças, das 86 que frequentavam o local. Ao menos 13 dos 15 funcionários foram infectados.

O próprio CDC americano identificou 9 focos de Covid com 13 professores e 32 alunos em seis escolas primárias, de 1º de dezembro a 22 de janeiro. Dois dos 9 focos envolveram uma provável transmissão entre professores seguida de uma transmissão entre professor e aluno. A cadeia de transmissão foi responsável por 15 dos 31 casos associados a escolas.

O órgão informa que, quando surtos em escolas ocorrem, o que tende a aumentar é o número de casos entre professores, e não entre alunos.

No Brasil, surtos em escolas também têm ocorrido onde as aulas presenciais foram retomadas. Na rede estadual de São Paulo, houve ao menos 741 casos confirmados de Covid só este ano: escolas em CampinasSão José dos CamposMogi MirimAraçatubaIbaté e Santos registraram surtos. Taubaté adiou as aulas presenciais após registrar casos de Covid-19 entre funcionários de escolas.

3) Reabrir escolas requer cumprimento de medidas como ventilação, distanciamento e uso de máscaras

 

Foto mostra criança lavando as mãos em escola primária de Berlim, no primeiro dia de retorno em meio ao relaxamento das restrições contra a Covid-19, no dia 22 de fevereiro. — Foto: Annegret Hilse/Reuters

Foto mostra criança lavando as mãos em escola primária de Berlim, no primeiro dia de retorno em meio ao relaxamento das restrições contra a Covid-19, no dia 22 de fevereiro. — Foto: Annegret Hilse/Reuters

Especialistas ouvidos pelo G1 apontam, entretanto, que a reabertura das escolas precisa de planejamento.

Em janeiro, a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) divulgou um documento orientando sobre o retorno seguro às escolas. Entre os tópicos, a SBP apontam que é preciso treinar os profissionais, orientar pais e alunos e usar a máscara e preparar os ambientes de ensino, inclusive dando prioridade a espaços ao ar livre (veja todas as recomendações mais abaixo).

A ventilação tem sido reforçada por especialistas como uma das principais medidas, porque o coronavírus é transmissível pelo ar, mas tem sido minimizada por algumas escolas:

Tivemos um ano para nos adequar. Em um momento em que precisamos de tecnologia, treinamento e capacitação, nós reduzimos o investimento na educação. Isso é um problema seríssimo”, alerta Marcelo Otsuka.

 

No ano passado, o Ministério da Educação (MEC) fechou o ano gastando menos do que poderia. Os programas e ações da educação básica – etapa que vai do ensino infantil ao médio – foram os que tiveram menor gasto em 2020. Dos R$ 42,8 bilhões disponíveis, o MEC pagou R$ 32,5 bilhões (71%). A pasta teve que devolver R$ 1 bilhão aos cofres públicos.

O infectologista compara o retorno às aulas presenciais à internação de um paciente.

“Quando a gente programa a alta do paciente? No dia que ele interna. Quando ele interna, eu tenho que pensar no tratamento e programação. Não vou esperar a última hora para ver isso. O Brasil deveria agir dessa forma. O que vou fazer para o retorno das aulas? E isso ainda não é uma rotina de pensamento dos governantes”, diz.

 

Otsuka reforça que os profissionais precisam ser capacitados antes da reabertura, e as escolas precisam ter horários de entrada separados por sala, para evitar aglomerações. Também é preciso estrutura física, que algumas escolas não têm – como sabonete, água encanada, papel higiênico e álcool gel.

“Precisa de barreira física, máscaras, álcool em gel, papel higiênico, sabonete, água encanada. As escolas foram preparadas? Elas têm esses itens básicos?”, questiona.

Foto mostra aula em novembro na Escola Municipal de Aplicação Carioca Coelho Neto, no Rio de Janeiro, enquanto algumas escolas retomam a abertura gradual. — Foto: Pilar Olivares/Reuters

Foto mostra aula em novembro na Escola Municipal de Aplicação Carioca Coelho Neto, no Rio de Janeiro, enquanto algumas escolas retomam a abertura gradual. — Foto: Pilar Olivares/Reuters

Sobre o uso de máscaras em todas as faixas etárias, Otsuka lembra que as crianças seguem exemplos. “A máscara é autorizada acima dos dois anos. A criança pode e deve utilizar a máscara. Ela segue o exemplo. Se o adulto não usa, a criança não vai querer usar. É importante que isso venha de casa”, afirma.

A pediatra Débora Miranda, da UFMG, aponta ainda uma outra medida para o retorno às escolas: priorizar as crianças pequenas. Isso porque pesquisas têm mostrado que, quanto menores as crianças, menos elas transmitem o vírus.

Esse padrão começa a mudar na adolescência – quando começa a se assemelhar mais ao dos adultos. Por isso, escolas de ensino médio e faculdades acabam sendo ambientes mais arriscados, segundo a pesquisadora.

Além disso, diz Miranda, as crianças menores tendem a estudar em escolas mais regionalizadas – o que também contribui na questão do transporte público. “A sobrecarga do transporte público é menor, o que conquista tempo para o sistema público de saúde [se adaptar]”, explica.

A professora faz, entretanto, algumas ressalvas ao retorno presencial:

“Não se imagina um cenário em que pode colocar um número infinito de crianças dentro da sala. Em Belo Horizonte, primeiro colocaram 12 crianças, depois, 50% da sala. Esse protocolo muda com a condição de transmissão. Para que não aumente o risco não só das crianças, mas dos professores.”, afirma.

 

Existe, ainda, a questão de crianças de grupo de risco ou que moram com pessoas mais velhas.

Quem mora com os avós é para continuar em ensino remoto – muitas vezes o formato possível dessa educação é o ensino híbrido. Uma criança com comorbidade parece ter risco aumentado – essa criança que tem risco específico deve sempre ficar no ensino remoto”, diz Miranda.

Para um retorno seguro, a pediatra frisa, ainda, que pais e alunos precisam seguir as regras para evitar a disseminação do vírus.

“Eu não levo de forma alguma uma criança com sintoma gripal pra escola. Todo mundo é cúmplice em seguir as normas para que consiga fazer a volta às aulas e minimizar o impacto nas crianças. É só com uma grande campanha que vai conseguir fazer isso em formatos adequados. A escola pode inclusive ser uma colaboradora nesse processo educacional”, avalia.

 

Veja as recomendações da SBP para a reabertura das escolas:

  • Sistema híbrido de ensino (intercalando aulas remotas e aulas presenciais)
  • Treinamento dos profissionais da escola
  • Preparação dos espaços de ensino (ambientes com ventilação natural, priorizar áreas ao ar livre, espaçamento entre os alunos)
  • Disponibilizar equipamentos sanitários – pias ou lavatórios para higienização das mãos, sabonete líquido, álcool em gel, papel
  • Planejar o fluxo de entrada e saída de alunos, familiares e profissionais para evitar aglomeração
  • Higienizar os ambientes
  • Ensinar os alunos a higienizar as mãos
  • Planejar os horários das refeições por turmas e individualizar o uso de água para beber
  • Uso de máscaras com duas camadas, bem ajustadas ao rosto – a troca deve ser feita periodicamente
  • Ter uma boa comunicação com os pais sobre a doença e os sintomas
  • Sinalizar a escola com cartazes
  • Planejar o uso de transporte escolar
  • Evitar aglomeração de pessoas

4) Escolas fechadas trazem prejuízos, mas, sem vacina, professores temem risco com aulas presenciais

 

Crianças têm aula em escola primária em Glasgow, na Escócia, no dia no dia 22 de fevereiro. — Foto: Andy Buchanan/AFP

Crianças têm aula em escola primária em Glasgow, na Escócia, no dia no dia 22 de fevereiro. — Foto: Andy Buchanan/AFP

Débora Miranda aponta que, de um lado da balança, está o prejuízo emocional e a perda de aprendizado que vêm com o fechamento das escolas. A pediatra lidera uma pesquisa da UFMG que avalia esses problemas.

“O que eu estou atendendo de criança com depressão, com ansiedade, bruxismo… A gente começou a fazer essas pesquisas porque estava ficando impressionado. Aumentou demais”, relata.

 

Uma simulação feita pela Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV) em novembro do ano passado apontou que, no melhor dos cenários, os alunos do ensino fundamental 2 deixariam de aprender, em 2020, 14% do que aprenderiam em um ano escolar típico. No cenário intermediário, eles deixariam de aprender 34%. No pior dos cenários – em que os alunos não aprenderiam com o ensino remoto – a perda de aprendizado é de 72%.

Conforme o modelo, os alunos do Norte e Nordeste deixariam de aprender mais do que os do Sul e Sudeste.

Outro problema é a estrutura para o ensino à distância. Muitas crianças não têm acesso à internet – prejudicando ou impossibilitando o aprendizado. Dados do IBGE de maio do ano passado apontaram que, entre crianças e jovens de 9 a 17 anos, 71% dos mais pobres que usavam a internet só tinham acesso pelo celular.

“É preciso ter uma estrutura adequada. A criança precisa ter um computador, um local calmo para estudar, um ambiente para se concentrar”, enfatiza Marcelo Otsuka, da SBP.

 

Os problemas vão além do ensino. Para muitas crianças, a principal refeição do dia era feita na escola. Além disso, o confinamento pode prejudicar o desenvolvimento infantil em várias esferas.

“O desenvolvimento intelectual, psicológico, social, neurológico. Tudo isso está sendo prejudicado e pode ser irreversível”, completa Otsuka.

Um ponto que complica a reabertura é a (não) vacinação de professores e funcionários. Professores estão entre os grupos prioritários, mas não há vacinas disponíveis no Brasil nem sequer para esses grupos – que incluem profissionais de saúde, indígenas e idosos, em um total de 77 milhões de pessoas. Até agora, o país só vacinou 6,33 milhões – o equivalente a 8,2% da população prioritária e apenas 3% de todos os brasileiros.

“Temos que ter os professores no grupo dos priorizados. A questão é: nós temos vacina? A situação é muito complicada”, avalia Marcelo Otsuka.

 

Débora Miranda defende protocolos de segurança para o retorno seguro às aulas e frisa a necessidade da cooperação no seguimento das regras, mas também avalia que não é o ideal esperar a vacinação de alunos e professores para o retorno às aulas.

“Primeiro que estamos num cenário de falta de vacinas mundial. Não existem vacinas disponíveis, hoje, para crianças. Vai demorar meses ou anos para as crianças terem vacinas”, lembra.

 

“Diante desse conjunto, [temos que] criar o protocolo, fazer funcionar e diminuir dano para a sociedade como um todo. Como a gente não esperou [a vacina] enquanto profissionais de saúde, pessoas que trabalhavam em supermercado, farmácia, em tantos setores não esperaram. O home office é uma realidade de muito pouca gente no Brasil”, pondera a pesquisadora.

“O que está acontecendo é que estamos largando as crianças dentro de casa com as companhias nem sempre mais adequadas. Nós vamos esperar para vacinar só as crianças? Só os professores? A criança tem aí 3 anos, 5 anos pra ela perder. É sem impacto ficar 3 anos sem escola? Só se a gente achar que a escola não tem papel nenhum. Que a gente pode esperar vacinar todo mundo para voltar”, diz.

O que dizem professores

 

Mas a professora Maria Eugenia Busolin, que ensina na educação infantil municipal no interior de São Paulo, avalia que a volta presencial sem vacina para professores e outros funcionários das escolas não deve acontecer.

“Na creche [educação infantil], pelo protocolo, as crianças não precisam colocar máscara, porque eles são muito bebês. Então, ao meu ver, não tem como [retornar às aulas presenciais], porque a gente precisa acolher essas crianças, pegar no colo, eles choram muito no começo”, explica.

“Nós vamos ter que estar de máscara, de touca, de luva, de avental, parecendo uns ETs. Se eles já choram normalmente, como que nós vamos [voltar], ainda sem poder acolher, pegar no colo e tudo?”, pondera Busolin.

 

“A gente vai acolher essa criança que vem de casa. A gente não sabe se em casa está tendo cuidado ou não. Então nós vamos que tirar a criança do colo, muitas vezes, da mãe – eu não sei se a mãe está contaminada ou não, se passou numa padaria, colocou a criança no chão. Por isso que a gente fica mais apavorado ainda”, completa.

A professora exemplifica um possível cenário de volta presencial: o limite de crianças onde dá aulas é de 15 por turma. Se apenas 35% voltassem às aulas, seriam 4 ou 5 na sala. A professora avalia que, assim, seria, teoricamente, possível manter o distanciamento, mas a idade das crianças é um fator a ser levado em conta.

“É aquela coisa, criança de 2 anos. Não sei se a gente conseguiria manter longe um do outro”, diz Busolin.

 

“A escola não anda só com professor. A escola precisa do servente, do cozinheiro, do monitor, do diretor. É uma equipe inteira, a educação é muito grande, é muita gente. Eu acredito que seria o ideal voltar só após a vacina, para todo mundo”, afirma.

A professora Karen Vargas, que ensina no interior de Minas Gerais, concorda com a posição da colega de São Paulo. Ela ensina tanto na rede municipal como na estadual.

“Aqui, nas escolas municipais, existe uma média de 25 alunos por sala. Depende da escola, mas, na sua maioria, são escolas boas, arejadas, com pátio. Já nas escolas estaduais, é um número enorme de alunos por sala. Dentro da sala são mais de 30, 40, quase 50 alunos por turma”, afirma.

 

“Mas as salas não comportam 50 alunos, isso é que é o problema. Nessas salas que a gente tem 40, normalmente na escola estadual, as salas são pequenas. Não tem espaço nem para o professor andar pela sala. Umas salas cheias, com janelinhas. Às vezes o professor está escrevendo no quadro e está quase com a bunda na cara do aluno”, relata.

“Outro fator também importante é que, como ano passado as aulas foram praticamente o ano inteiro remotas, muitos alunos saíram das escolas particulares para escolas públicas – que já tinham um número maior de alunos”, lembra a professora.

 

Acredito que não haja estrutura, no momento, para estar recebendo esses alunos de forma presencial. Assim como a maioria das pessoas que têm casos de pessoas idosas na família, pessoas com comorbidades, a gente tem muito medo não só de pegar, mas de transmitir para os nossos familiares”, pondera Vargas.

O professor Fabio Gerônimo, que dá aulas no ensino médio estadual e técnico, também em uma cidade do interior de São Paulo, repete as inseguranças sentidas pelas outras professoras.

“No momento me sinto totalmente inseguro. A direção de nossa escola comprou material para a retomada, mas não apenas a quantidade de ações necessárias para garantir um ambiente seguro são muitas, como o espaço da instituição não é adequado. Temos algumas salas com pouca ventilação e janelas com grades, como é comum em diversas escolas, e não consigo imaginar meus alunos evitando o contato nos corredores”, afirma.

“Além disso, se fala sempre sobre vacinação de professores, mas a escola é um mundo formado por funcionários públicos, terceirizados (limpeza e segurança, por exemplo), e pelos próprios alunos, que, na sua maioria, vêm de ônibus para estudar, e por isso estão expostos tanto na ida quanto na volta. Eu acho até que a escola vira um espaço capaz de contaminar as pessoas de fora, com o vírus sendo levado pelos alunos”, afirma.

Ele também acredita que é possível que falte material de higienização.

“Ano passado tínhamos o plano de imprimir aulas e atividades para os alunos sem acesso à internet. Só que tivemos que tentar reduzir a quantidade de texto por falta de papel. Como querem que acreditemos que vão comprar álcool, produtos de higienização se nem papel, que é item básico da escola, eles garantem?”, questiona.

 

5) Novas pesquisas sobre Covid em crianças e síndrome pediátrica rara

 

Reino Unido interna mais crianças com síndrome rara pós-Covid

Reino Unido interna mais crianças com síndrome rara pós-Covid

A maioria das crianças não desenvolve sintomas ao ser infectada com o vírus. Se desenvolve, acaba sendo a forma mais leve da doença.

“Não temos visto quadros complicados. Mesmo com o número aumentado de casos no Brasil, não vemos tanta gravidade”, afirma Marcelo Otsuka.

 

A população menor de 19 anos representa cerca de 25% da população brasileira. Segundo o médico, 2,46% dessa população precisou de atendimento médico e o número de óbitos foi de 0,62%.

“Com esses números podemos dizer que há registro de doenças graves. Também tem casos de óbitos. Mas, proporcionalmente, o número de casos considerando a população é muito menor do que o que a gente imagina”, explica Otsuka.

 

Um estudo feito com crianças italianas que passaram pelo pronto-socorro e publicado no American Academy of Pediatrics, em dezembro, apontou que os pequenos raramente apresentam sintomas notáveis da doença. Entretanto, o número baixo de casos graves não significa que as pessoas devem baixar a guarda. “Esses dados não devem diminuir a atenção e preocupação com a Covid-19, pois as crianças podem representar uma fonte de transmissão viral”, dizem os especialistas.

Na pesquisa, feita com 170 crianças, 17% dos pacientes eram assintomáticos, 63% desenvolveram a forma leve, 19% a forma moderada, 1% a forma grave e 1% crítico.

Os cientistas alertaram que Síndrome Inflamatória Multissistêmica Pediátrica (SIM-P) merece atenção e deve ser levada em consideração.

Dados do Ministério da Saúde mostram que o Brasil registrou, de 1º de abril do ano passado até 13 de fevereiro, 736 casos e 46 mortes de crianças e adolescentes pela SIM-P associada à Covid-19.

A SIM-P é uma grande resposta inflamatória, rara, que, em casos graves, pode acometer diversos órgãos e sistemas do corpo e levar à morte: os principais atingidos são o sistema cardiovascular e o trato digestivo, e também há alterações na pele e nas mucosas.

A síndrome vem sendo registrada em uma minoria de crianças atingidas pela Covid ao longo da pandemia, mas também pode ter outras causas. Normalmente, os sintomas aparecem depois que a criança já não tem o vírus no corpo – e podem ocorrer mesmo naquelas que foram assintomáticas para a Covid-19.

Meninos parecem ser mais afetados, assim como crianças negras.

Um outro estudo, ainda em versão prévia, analisou a influência do sexo no desfecho clínico de crianças com Covid e SIM-P no México, na Colômbia, no Peru e na Costa Rica. Foram analisadas 990 crianças com menos de 18 anos: 484 meninas e 506 meninos. Entre as meninas, 24 foram diagnosticadas com a SIM-P, o equivalente a 5%. Entre os meninos, 45 desenvolveram a síndrome, o equivalente a 8,9% do total.

Apesar desses percentuais, entretanto, quando os cientistas analisaram outros fatores junto com o sexo, que também podiam influenciar o desfecho do caso, o único resultado significativo foi o acesso a hospitais: as meninas tinham menos internações do que os meninos.

“Juntos, esses dados preliminares destacam que as meninas podem ter uma doença mais branda em comparação com meninos, como sugerido em adultos”, apontaram os pesquisadores. Eles destacam que mais estudos são necessários sobre o assunto, mas que a diferença pode estar ligada ao cromossomo X.

 

Esse dado já havia sido apontado em outros estudos. Isso porque genes ligados a esse cromossomo modulam a resposta imune à doença, o que influencia o desfecho clínico. Também há o envolvimento de ao menos um gene, o TMPRSS2, que é regulado pela presença de mais ou menos hormônios masculinos.

No dia 24, uma terceira pesquisa, publicada no Jama Pediatrics, comparou casos agudos de Covid em crianças a casos de SIM-P nos Estados Unidos. As crianças com a SIM-P tinham quadros cardiovasculares, da pele e das mucosas mais graves e inflamação mais extrema do que os pacientes com Covid grave. A maior probabilidade de desenvolver a SIM-P foi dos 6 aos 12 anos.

Os cientistas também perceberam que os pacientes que desenvolveram a síndrome tinham maior probabilidade do que os com Covid grave de serem negros e não hispânicos.

Uma possível explicação apontada foi o fato de que, na doença de Kawasaki – que é semelhante em alguns aspectos à SIM-P –, ter a pele negra é um fator de risco para anomalias coronárias e não responder a tratamentos de imunoglobulina intravenosa, usados contra a doença.

Fonte: G1 Bem Estar