De onde vem o que eu como: além da alimentação, ovo é matéria-prima para a produção de vacinas
Mexido, frito ou cozido, o ovo é um alimento popular na mesa do brasileiro, usado em receitas caseiras e por indústrias para fabricar pães, massas, maioneses e bolos.
É também matéria-prima na fabricação de antígenos e vacinas para animais e humanos, como nos imunizantes contra a gripe e a febre amarela.
Apesar deste uso não ser novidade, ele ganhou destaque com a produção de vacinas contra o coronavírus, como a ButanVac, do Instituto Butantan, que ainda está sendo testada e que, se aprovada, será o primeiro imunizante contra a Covid-19 produzido no Brasil que não requer insumo importado.
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No mundo, o Brasil ocupa o 5º lugar entre os maiores produtores de ovos, atrás da China, Estados Unidos, Índia e Indonésia. O foco é o mercado interno e, por isso, somente 0,3% é exportado, com destaque para o Senegal, Paraguai, Peru e Emirados Árabes, mostram dados do Ministério da Agricultura.
No total, são 174 milhões de galinhas poedeiras que produzem 53,5 bilhões de ovos, segundo dados de 2020 da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA).
Um terço vem do estado de São Paulo, maior fornecedor do alimento no país, seguido do Espírito Santo, Minas Gerais e Paraná. Por ano, as granjas do país faturam, em média, R$ 16 bilhões no mercado interno e US$ 48 milhões na exportação.
No ano passado, o consumo anual de ovos no Brasil bateu recorde histórico de 251 unidades por pessoa, impulsionado, em parte, pelo encarecimento da carne bovina, que fez o consumidor buscar por proteínas mais baratas. Apesar disso, o preço do ovo já subiu 8% este ano, puxado pelo alta dos custos de produção do setor.
Tipos de ovos são definidos pela criação das galinhas — Foto: Arte/G1
A seguir, veja como são feitos os ovos para a produção de vacinas, as granjas que atuam no setor, o aumento do custo do ovo, além de mitos e curiosidades sobre ele.
Ovos para produção de vacina
Ovos embrionados para a produção de vacinas, em laboratório da Globobiotech — Foto: Divulgação/Globobiotech
Os ovos usados na fabricação de vacinas são diferentes dos voltados para a alimentação. Os que comemos não são fertilizados, enquanto os que são usados na produção dos imunizantes contêm um embrião, pois é por meio das células dele que o vírus consegue se replicar.
Ainda não há dados consolidados sobre quantos ovos embrionados o Brasil produz, segundo o Ministério da Agricultura e a ABPA.
A coordenadora técnica da associação Tabatha Silvia Rosini Lacerda diz que essa divulgação nunca foi feita “por não ser relevante”. “Mas agora que as pessoas estão preocupadas com esta questão, estamos avaliando se iremos levantar os dados junto aos associados”, afirma ela, que também é diretora do Instituto Ovos Brasil.
Os ovos embrionados também são usados em pesquisas científicas e para diagnóstico de microrganismos em laboratórios.
Granjas especializadas
Granja da Globobiotech de produção de ovos para vacinas. — Foto: Reprodução/Globo Rural
Os ovos embrionados também são chamados de controlados e, atualmente, o Brasil possui 14 granjas neste setor em São Paulo (12), Minas Gerais (1) e Santa Catarina (1).
Há ainda, em MG, uma granja produtora de ovos SPF (Livres de Patógenos Específicos), que também servem para fabricar imunizantes.
O ovo controlado vem de aves que podem tomar vacinas, enquanto o SPF provém de animais que não podem ingerir nenhum medicamento e têm um controle mais rígido.
Uma das granjas brasileiras especializadas é a Globobiotech, um braço da Globoaves, que é voltada somente para a produção de ovos controlados e importação de SPF.
Por ano, a empresa fabrica 140 milhões de ovos fertilizados e parte da sua produção segue para o Instituto Butantan desde 2007 para a produção da vacina contra a gripe (Influenza), diz o diretor e fundador da Globoaves, Roberto Kaefer.
Desde o final de abril, a companhia também fornece material para a produção da ButanVac. Por dia, são cerca de 500 mil ovos enviados para o instituto, que saem das unidades de São Carlos e Itirapina, interior de São Paulo.
Local isolado e fechado
Produção de ovos embrionados é feita em local isolado e fechado. — Foto: Divulgação/Globobiotech
A produção de ovos férteis não pode ser feita no mesmo local que os ovos para consumo. “Só para ter uma ideia, as granjas [de ovos fertilizados] estão implantadas em áreas isoladas, cercadas por barreiras sanitárias naturais de reflorestamento, com rigoroso controle de acesso, restrito aos colaboradores e um rígido protocolo sanitário“, diz Kaefer.
As galinhas e os galos são alimentados com uma fórmula feita pela própria Globobiotech, composta somente por nutrientes de origem vegetal.
“Nós usamos muitos produtos probióticos, que são mais naturais. Não podemos usar químicos, como antibióticos, por exemplo, pois eles afetam a qualidade do embrião e, quando o vírus for injetado, pode dar complicações”, explica.
O espaço onde as aves ficam é totalmente fechado, com um teto de isolamento térmico, diferente de um aviário tradicional.
O ambiente é ainda climatizado com uma temperatura entre 20º e 25º graus para promover o bem-estar dos animais. Os ninhos, bebedouros e comedores são mecânicos e a coleta e a embalagem dos ovos são automatizadas.
Como o objetivo é ter ovos fertilizados, galinhas e galos ficam juntos em um mesmo espaço.
Em entrevista ao Globo Rural, Kaefer explicou mais sobre este processo. Veja no vídeo abaixo:
Granjas produzem ovos para a fabricação de vacinas contra a Covid-19 em SP
Após a postura, os ovos são levados para um incubatório, onde são classificados. É preciso garantir que eles estejam fertilizados, sem nenhum embrião morto ou um ovo quebrado ou trincado. Depois disso, são incubados por cerca de 11 dias para garantir o crescimento do embrião.
Quando prontos, os ovos são transportados até o Butantan em veículos com sistemas de controles de temperatura, umidade e taxas de CO².
Como o ovo entra na produção de vacina
A técnica para produzir a vacina contra a gripe e o coronavírus é praticamente a mesma, explica Douglas Macedo, gerente de produção da fábrica da Butanvac/Influenza. “Só muda um pouco a temperatura e o tempo de incubação, mas o processo é o mesmo”, diz.
“Os ovos embrionados servem como um meio replicador do vírus. Nós injetamos uma quantidade pequena do vírus de interesse em cada ovo. E, então, com temperatura e tempo controlados, você tem uma replicação viral”, explica Macedo.
“Depois, nós colhemos esse líquido, que vai passar por algumas etapas de produção, como a filtração para eu ter um lote do IFA: o insumo farmacêutico ativo”, acrescenta. A partir daí, o lote é misturado com outros componentes, é envasado e distribuído para o sistema público de saúde.
Veja mais detalhes de como é produzida a Butanvac no vídeo abaixo:
VÍDEO: Veja como é produzida a vacina Butanvac
Macedo explica que cada ovo gera, em média, duas doses da ButanVac e que o instituto já produziu, aproximadamente, 15 milhões de doses.
Ele ressalta que a produção da vacina da gripe e da ButanVac não podem acontecer simultaneamente. “Não posso trabalhar com dois vírus ao mesmo tempo na fábrica. E, antes de começar uma produção nova, é preciso um processo de descontaminação da fábrica”, explica.
A vacina contra a Influenza é fabricada entre setembro e abril.
Alternativa de proteína animal
Com a disparada do preço da carne em 2020, ovo se tornou uma alternativa mais barata de proteína animal. — Foto: TV Globo
Além de estar em evidência por causa das vacinas, o ovo também tem sido um protagonista importante na alimentação do brasileiro. Com a disparada do preço da carne em 2020, ele se tornou uma alternativa mais barata de proteína animal.
Porém, neste ano, o preço do ovo já subiu e pode aumentar mais por causa da disparada do valor milho e da soja no mercado internacional. Esses dois grãos viram ração para os animais e representam 70% dos custos de produção do setor.
“Certamente o maior desafio do setor, atualmente, é a alta no preço dos insumos. A situação é realmente muito crítica e parece difícil enxergar a curto prazo uma melhora desses custos”, diz Tabatha, técnica da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA).
Ela conta que, por conta disso, alguns aviários, principalmente os pequenos, fecharam as portas ou reduziram a produção. E que o restante das empresas estão reavaliando planejamentos para o segundo semestre.
A diminuição da produção não tem impacto imediato no mercado, diz Nélio Hand, diretor executivo da Associação dos Avicultores do Estado do Espírito Santo (AVES).
“A galinha, desde o alojamento até começar a produzir ovos, leva em torno de 150 dias e é nesse intervalo que deveremos perceber os efeitos”, afirma.
“Uma alternativa para que o produtor possa equivaler os custos de produção e de venda e, assim, minimizar os prejuízos, seria ovo apresentar um acréscimo em torno de 40% a 50% no preço, ou seja, a caixa de ovo que está sendo vendida na granja pelo produtor a R$115 teria que ir para a casa dos R$ 150”, observa Hand.
Porém, ele ressalta que será difícil repassar preços diante da queda de renda do brasileiro e desemprego recorde. “Nós não sabemos até onde o consumidor tem poder de pagamento para absorver esse valor final”, acrescenta.
Mitos e curiosidades
Não existe diferença nutricional entre os ovos de cores diferentes. — Foto: Patrick Pleul/AFP
Ovos caipiras são somente marrons? Ovos brancos são exclusivamente de granjas? Por que as cores são diferentes? Há diferenças nutricionais?
São muitos mitos e curiosidades sobre o alimento e uma das confusões sobre ele é a crença errada de que os ovos caipiras são somente os com casca marrom, ou “vermelha”, como também são chamados.
Existe também ovos caipiras com casca branca, assim como ovos de granjas marrons, afirma Lívia Geraldi, professora de Medicina Veterinária do Centro Universitário de Belo Horizonte (UniBH).
Caipira ou de granja são somente a forma como a galinha foi criada. No caso da caipira, por exemplo, ela é criada em um aviário onde é solta durante o dia e presa em um galpão à noite, come ração de origem vegetal, entre outros (saiba mais no infográfico no início da reportagem).
Cor da casca
Cores das casca do ovo são definidas pela linhagem de cada galinha. — Foto: Unplash
Mas o que define a cor da casca do ovo, então? Isso será determinado pela linhagem da galinha, que é o resultado do cruzamento de dois genitores de raças ou variedades diferentes.
“Em geral, as linhagens que têm a pena marrom, vão botar ovos marrons. As linhagens com a pena branca, vão botar ovos brancos”, explica Lívia, do UniBH.
Essa lógica só serve para as linhagens, que são utilizadas nas granjas comerciais. Já em raças puras, ou seja, onde não houve cruzamento, é possível encontrar galinhas que botam ovos de cores diferentes das de sua pluma, explica a veterinária.
Gema do ovo
Já a cor da gema do ovo é definida pela alimentação da galinha e pela adição ou não de pigmentos na ração.
De forma geral, a gema do ovo caipira, por exemplo, tem um tom amarelo mais forte, mais escuro, devido ao fato de essas aves terem acesso a uma área externa, onde consomem, além da ração, plantas que contêm pigmentos naturais.
Porém nem sempre um ovo com a gema mais escura será somente caipira. Isso varia muito, pois pigmentos artificiais ou naturais podem ser adicionados às rações de galinhas criadas em outros sistemas, alterando, assim, a coloração da gema. E isso depende de aviário para aviário.
Nutrição
Seja marrom, ou branco, as propriedades nutricionais são as mesmas, explica a nutricionista Lígia dos Santos, da Rede de Hospitais São Camilo de São Paulo.
“O ovo possui bom valor nutritivo, contendo vitaminas A, D, E e B e minerais como ferro, fósforo, zinco e selênio. Ele fornece ainda aminoácidos essenciais para o crescimento e desenvolvimento muscular tanto dos mais novos como dos mais idosos”, afirma.
Mas, como regra de toda alimentação equilibrada, é bom não exagerar. “A recomendação deverá ser de, no máximo, 1 ovo ao dia”, diz a nutricionista.
“O consumo de 3 ovos cozidos ao dia em uma dieta somaria a quantidade de 559mg de colesterol, estando acima da recomendação diária de 300mg”, acrescenta.
Ovo é renda no campo
Fonte: G1 Agro