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Desaparecimentos de pessoas preocupam famílias e autoridades no TO: ‘Uma ferida aberta’

consideração todos os registros feitos em delegacias do estado, inclusive os casos em que as vítimas são localizadas em poucas horas. Um exemplo são pessoas que viajaram sem informar os familiares, mas entraram em contato horas depois. A SSP foi questionada pelo g1 sobre a quantidade de pessoas encontradas vivas ou mortas neste ano, mas não quis divulgar os dados.

316 desaparecimentos foram registrados até o dia 30 de outubro de 2021 — Foto: Dados SSP/Portal Estatísticas Criminais

316 desaparecimentos foram registrados até o dia 30 de outubro de 2021 — Foto: Dados SSP/Portal Estatísticas Criminais

A quantidade de registros deste ano é superior à soma de todos os casos de 2020, quando foram feitos 248 registros de desaparecimentos.

A situação é preocupante já que os números só crescem. Conforme o Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em 2019 um total de 229 pessoas desapareceram no Tocantins e somente 16 foram encontradas. Em 2018 as taxas são ainda piores: foram 267 desaparecidos e apenas cinco localizações.

Perfil das vítimas

 

Desaparecimentos no Tocantins são investigados pela polícia  — Foto: Montagem/g1

Desaparecimentos no Tocantins são investigados pela polícia — Foto: Montagem/g1

Estudos de órgãos de fiscalização e forças de segurança apontam que algumas situações críticas são mais comuns dentro de alguns grupos. A promotora de Justiça Isabelle Figueiredo, do Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Justiça da Cidadania, Consumidor, Direitos Humanos e da Mulher (Caoccid), explica que as particularidades devem ser levadas em consideração.

“Com idosos normalmente esses desaparecimentos estão associados a problemas neurológicos, problemas mentais, e isso dificulta bastante. Essas pessoas saem e em razão da velhice não conseguem mais voltar e a família perde o contato”, disse a promotora.

Também há casos de pessoas que são usuárias de entorpecentes. “O vício em álcool, o vício em drogas acaba afastando essas pessoas do seu convívio familiar. Muitas vezes elas não conseguem voltar porque perdem parte da capacidade de raciocínio e de memória”.

Quando as vítimas são crianças também são analisados pontos específicos. “Além dessa incapacidade de autodeterminação, muitas vezes ela se afasta e não consegue voltar, não identifica mais aquele local. Tem as fugas de casa e às vezes não conseguem o retorno”, informou.

“Em via de regra essas crianças são localizadas, mas mesmo assim alguns casos a gente não consegue localizar e a gente fica buscando todas as alternativas possíveis”, explicou a promotora.

Investigações

 

No Tocantins os desaparecimentos são investigados pela Polícia Civil e os casos são encaminhados para a Delegacia Especializada de Polícia Interestadual, Capturas e Desaparecidos (Polinter). Não é necessário esperar 24 horas para registrar uma ocorrência de desaparecimento.

Em Palmas os familiares das vítimas podem procurar a Polinter por meio do telefone e WhatsApp (63) 3218-1848 ou de forma presencial. No interior do estado as denúncias podem ser feitas em qualquer delegacia.

Para auxiliar as famílias e forças de segurança que investigam e tentam solucionar as situações, o Ministério Público do Tocantins (MPTO) acompanha os casos de perto por meio do Programa de Localização e Identificação de Desaparecidos (PLID) e do Sistema Nacional de Localização e Identificação de Pessoas Desaparecidas (Sinalid).

A promotora de Justiça Isabelle Figueiredo explica que o sistema permite que informações de diversos órgãos sejam cruzados.

Promotora Isabelle Figueiredo explica como o MPTO acompanha desaparecimentos no estado

Promotora Isabelle Figueiredo explica como o MPTO acompanha desaparecimentos no estado

“O sistema reúne informações de diversos órgãos sobre pessoas desaparecidas e encontradas. Catalogamos tudo isso dentro desse sistema de forma que as informações prestadas pela Polícia Civil, pelos hospitais, pela Polícia Militar, pelo IML e toda a rede que faz parte dessa identificação possa contribuir e prestar essas informações dentro do sistema”.

O sistema é nacional e possibilita a localização de pessoas em diferentes estados de forma simultânea. “Todos os ministérios públicos no Brasil adotam esse sistema para facilitar a circulação desses dados. Então uma pessoa que desaparece no Tocantins, se houver dados de que ela foi encontrada em Pernambuco, esses dados são interligados e o sistema faz esse cruzamento”, disse a promotora.

Coleta de DNA

 

Coleta de material genético de familiares de pessoas desaparecidas pode auxiliar na localização — Foto: Divulgação/Ministério Público do Tocantins

Coleta de material genético de familiares de pessoas desaparecidas pode auxiliar na localização — Foto: Divulgação/Ministério Público do Tocantins

O Ministério da Justiça e Segurança Pública iniciou, em junho deste ano, a campanha nacional de coleta de DNA de familiares de pessoas desaparecidas. A ideia inicial era realizar um mutirão em quatro dias, mas o governo federal decidiu tornar a ação permanente. O objetivo é que mais familiares possam contribuir com a coleta voluntária em um Instituto Médico Legal (IML).

A coleta do material genético permite o cruzamento de dados com as de pessoas encontradas. Dois familiares em primeiro grau da pessoa desaparecida podem doar. A ordem de preferência é a seguinte: pai e mãe; filhos; irmãos. O procedimento dura em média cinco minutos, com método indolor. Uma esponja é passada na bochecha da pessoa para pegar a célula da mucosa.

O trabalho é feito de forma conjunta com os estados e os testes são gratuitos. Há postos de coleta espalhados por todo o Brasil. Veja aqui os locais de atendimento no Tocantins

Segundo o Ministério da Justiça e Segurança Pública, “o recurso vem sendo usado com sucesso na localização de pessoas desaparecidas, ou não identificadas, tanto no Brasil como no exterior desde o início da campanha”. Até o fim de outubro deste ano mais de  5,1 mil pessoas já cadastraram material genético no programa, que analisa dados de todos os estados.

Após quatro meses de mutirão, a campanha nacional possibilitou, até agora, a identificação de mais de 40 restos mortais e a confirmação de uma pessoa viva em Pernambuco. O homem que era procurado pela família há 30 anos foi encontrado no centro de Arcoverde. Conhecido como Francisco, ele, na verdade se chama Cícero Marques da Silva, de 58 anos.

No Tocantins as coletas são acompanhadas pelo Ministério Público. A promotora de Justiça Isabelle Figueiredo informou que o trabalho é extremamente importante e qualquer pessoa pode fazer essa coleta em um IML depois do registro em uma delegacia.

A família também pode colaborar entregando itens de uso pessoal do desaparecido, como escova de dente, roupa que ainda não foi lavada, pente e até pontas de cigarros.

Para auxiliar nas buscas, famílias podem levar objetos usados por desaparecidos em IMLS — Foto: Divulgação/Ministério Público do Tocantins

Para auxiliar nas buscas, famílias podem levar objetos usados por desaparecidos em IMLS — Foto: Divulgação/Ministério Público do Tocantins

Suporte para a família

 

Após um desaparecimento ser registrado em uma delegacia, as famílias podem procurar ajuda em órgãos públicos como o Conselho Tutelar, o Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (Cedeca) – Glória de Ivone, quando o desaparecido é menor de idade, ou o MPTO.

“O Ministério Público acompanha essas famílias, embora a maioria acaba não procurando essa rede de apoio. Isso é compreensível de uma certa forma porque o sofrimento dessas famílias é muito próprio, é muito delas. Elas não se sentem em condição, de início, de abrir esse espaço. Elas estão com uma dor muito grande. A dor do desaparecimento é uma dor tão, ou maior, que a dor da morte. É uma ferida aberta. Você não sabe nunca se aquilo vai cicatrizar. É uma dor latente”, disse a promotora de Justiça Isabelle.

Ela explica que quem necessitar de acolhimento pode entrar em contato com a ouvidoria do MPTO pelo número 127. Além de suporte, através do órgão a família pode ser orientada sobre quais passos seguir para auxiliar na localização do parente desaparecido, como a coleta de DNA.

O Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Justiça da Cidadania, Consumidor, Direitos Humanos e da Mulher (Caoccid) também pode dar maiores esclarecimentos e orientar na busca de atendimento psicológico e assistência social. Veja aqui os telefones para contato com o MPTO em Palmas e no interior do estado.

Mônica Brito, representante do Cedeca, diz que buscas precisam ser melhor estruturadas

Mônica Brito, representante do Cedeca, diz que buscas precisam ser melhor estruturadas

O Cedeca acolhe famílias tocantinenses que têm menores desaparecidos. Para Mônica Brito, secretária executiva do órgão, o desaparecimento dessas vítimas “é uma das mais graves violações aos direitos humanos”.

Mônica informou que por não terem respostas e se sentirem desamparadas, muitas vezes as famílias fazem as buscas por conta própria. Ela citou casos antigos, registrados em Palmas, que ainda não foram solucionados. “Hoje no estado do Tocantins a realidade é muito nefasta com relação aos desaparecimentos de crianças e adolescentes. São dados absurdos. O Cedeca acompanha, desde 2016, o caso da Laura Vitória, sem nenhum tipo de resolução, sem conclusão da investigação policial. E agora estamos acompanhando o caso da Shapira”.

Famílias que precisam de atendimento psicológico também podem buscar ajuda em unidades de saúde. Os postinhos municipais devem fazer uma triagem e, de acordo com a necessidade, encaminham os pacientes para atendimento com psicólogo ou psiquiatra.

Em Palmas a Secretaria Municipal da Saúde (Semus) informou que em caso de necessidade de atendimento relacionado à saúde mental o morador deve ir a uma Unidade de Saúde da Família (USF) de referência para depois ser encaminhado ao especialista adequado.

Em casos mais graves, na rede municipal o paciente também pode procurar o Centro de Atendimento Psicossocial II (Caps II) e as Unidades de Pronto Atendimento (UPAs).

O que diz a Secretaria de Segurança Pública

 

A Secretaria de Segurança Pública do Tocantins foi procurada várias vezes para comentar o baixo índice de pessoas localizadas, mas não quis se posicionar. Também foi questionada sobre os casos citados na reportagem, mas se limitou a dizer que “todos estão sendo investigados e que mais informações sobre os mesmos serão divulgadas em tempo oportuno”.

g1 tentou ouvir um representante da Delegacia Especializada de Polícia Interestadual, Capturas e Desaparecidos ou da Polícia Científica, mas a SSP não quis dar entrevista, apesar de nove tentativas da reportagem. Foram enviados e-mails, mensagens de celular e ligações.

Fonte: G1 Tocantins