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Diante de vagas ociosas, Fies terá Orçamento 35% menor para 2022

Diante do número de vagas ociosas, os recursos destinados ao Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) serão 35% menores neste ano em comparação ao ano passado: de 8,48 bilhões, em 2021, para R$ 5,53 bilhões, em 2022. O Orçamento da União foi sancionado na semana passada pelo presidente Jair Bolsonaro.

Fies é um programa do governo federal que paga parte das mensalidades de estudantes em universidades privadas, com a contrapartida de os beneficiários quitarem o financiamento após a formatura.

O valor para o Fies neste ano é próximo ao montante que foi efetivamente empenhado (isto é, separado para fazer o pagamento) em 2021: R$ 5,64 bilhões.

O que geralmente acontecia é que mesmo se o empenhado no ano anterior fosse menor, o valor no Orçamento seguinte se mantinha maior. Foi o caso, por exemplo, de 2020, em foram empenhados 6,5 bilhões – em 2021, a dotação ficou em R$ 8,48 bilhões.

Recursos do Fies — Foto: Arte/g1

Recursos do Fies — Foto: Arte/g1

Ao prever esse montante para 2022, o governo federal já considera que parte das 111 mil vagas a serem disponibilizadas neste ano não serão preenchidas – seguindo um padrão que já vem de anos anteriores.

Outro aspecto é que, como a participação no programa tem minguado ao longo do tempo, o total de alunos no Fies tem diminuído e, consequentemente, o montante necessário para custeá-lo.

Segundo o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), órgão ligado ao Ministério da Educação responsável pela execução das políticas educacionais, a “redução é condizente com a baixa execução em 2021, cerca de 50% da dotação de 2021, devida à baixa adesão de matrículas no ano passado (cerca de 50% de adesão)”.

O FNDE explica ainda que, “por causa do período de pandemia, houve impacto financeiro nas famílias, ensejando na redução da procura pelo programa do Fies“. Além disso, “os contratos em utilização estão sendo encerrados numa maior quantidade, comparados com novas adesões“. Atualmente, há cerca de 350 mil contratos na fase de utilização.

Entre as razões atribuídas para a ociosidade de vagas do Fies , está o fato de as regras vigentes desde 2015 não garantirem financiamento de 100%. Sem ele, os estudantes acabam desistindo da faculdade porque não dispõem de recursos suficientes para bancar o restante das mensalidades.

Número de contratos do Fies — Foto: Arte/g1

Número de contratos do Fies — Foto: Arte/g1

Para a diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais (CEIPE) da Fundação Getulio Vargas (FGV), Claudia Costin, a redução nos recursos do Fies faz parte de um contexto mais amplo.

“É muito triste. O que estamos vivendo hoje é uma interrupção no processo de uma lenta e progressiva inclusão no ensino superior. E a pandemia e a crise econômica têm um papel nisso, mas também tem a má gestão na resposta educacional à Covid que o governo federal teve”, avalia Costin.

 

Ela pondera que, enquanto outros países aumentaram os recursos para minimizar os efeitos da pandemia na educação, o Brasil, que já enfrenta um contexto fiscal difícil e possui grande desigualdade social, agravada pela Covid, diminuiu os recursos.

A educadora considera que até mesmo a data da realização da edição 2020 do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) no meio da pandemia teve impacto nas inscrições do Fies, já que o programa leva em conta a nota na prova.

“O governo fez um Enem em janeiro de 2021, quando quem vinha de meio mais vulnerável não tinha como se preparar adequadamente. Houve uma votação entre os inscritos sobre qual mês que preferiam fazer a prova e a maioria falou maio. Mas o governo teimou e o manteve em janeiro, o que prejudicou o acesso ao Fies porque precisa ter feito o Enem“, afirma.

Segundo ela, esse corte preventivo para os recursos do Fies decorre da constatação de que “muito menos gente se inscreveu no Enem e, portanto, menos vagas serão ocupadas”.

Na avaliação de Paulo Meyer Nascimento, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a redução em si dos recursos para o programa “não é algo crítico”. Segundo ele, é natural que, na hora de definir os recursos para uma política, o governo observe também o histórico de gastos para não alocar dinheiro que pode vir a não ser usado.

“Não vejo esse ponto da redução do Orçamento como algo crítico. Se o número de contratos depois for maior, é possível realocar recursos de outros lugares para o programa”, explica Nascimento.

 

Gregório Grisa, professor de políticas educacionais do Instituto Federal do Rio Grande do Sul (IFRS), observa que essa redução no Fies é um reflexo da diminuição que já vem acontecendo no Orçamento da Educação de um modo geral de uns anos para cá.

“Há um contexto para fins de financiamento estudantil muito duro, que é uma combinação de desemprego e inflação, o que faz com que quem tem ensino médio não consiga priorizar educação superior”, pondera Grisa ao comentar a baixa demanda pelo Fies.

 

Entidades representantes de instituições de ensino superior privado, no entanto, criticam a medida. Para elas, ao invés de mudar as regras de acesso e usar o Fies como ferramenta para impulsionar o aumento de matrículas de nível universitário, o governo vai na direção contrária e retira recursos do programa.

“Isso é muito ruim porque, a cada ano que passa, o governo vai desidratando o programa e excluindo os estudantes que mais precisam de política pública de acesso à universidade”, afirma Solón Caldas, diretor-executivo da Associação Brasileira das Mantenedoras de Ensino Superior (Abmes).

 

Rodrigo Capelato, diretor-executivo do Semesp, entidade que representa mantenedoras de ensino superior no Brasil, tem opinião parecida.

“É muito preocupante que o governo, em vez de pensar em mudar a regra para fortalecer o programa e aumentar o número de alunos, reduza os recursos. No Brasil, só 18% dos jovens de 18 a 24 anos estão no ensino superior porque a maioria da população não tem renda para fazer faculdade. A política atual na contramão do que o país precisa”, avalia Capelato.

 

Teto de financiamento

 

A estudante de medicina Ana Carolina Madureira de Assis, de 28 anos, conta que por pouco não desistiu da faculdade e precisou renegociar o valor com a faculdade.

Isso porque o Fies tem um teto de financiamento, que é de cerca de R$ 43 mil por semestre, o que corresponde a pouco mais de R$ 7 mil por mês.

A mensalidade dela em uma faculdade privada de São Paulo beira os R$ 9,4 mil. Mesmo tendo conseguido financiamento de 92%, esse percentual é em relação ao teto do Fies. Portanto, de qualquer forma, ela tem que pagar a diferença para a faculdade, de cerca de R$ 2 mil.

“A faculdade teve reajuste acima da inflação e, com a volta às aulas presenciais, acabou o desconto dado durante a pandemia. No entanto, o teto do Fies não teve reajuste. Eu pagava cerca de R$ 700 por mês e foi para R$ 1.700. Conversei com a faculdade e disponibilizaram desconto. Eu quase desisti”, relata Ana Carolina.

A estudante Ana Carolina Assis quase desistiu do curso de medicina porque não iria conseguir pagar a mensalidade, mesmo com o Fies — Foto: Divulgação

A estudante Ana Carolina Assis quase desistiu do curso de medicina porque não iria conseguir pagar a mensalidade, mesmo com o Fies — Foto: Divulgação

Inadimplência

 

Um dos problemas constantemente citados por especialistas em relação ao Fies é a questão da inadimplência, agravada pela crise econômica durante a pandemia. Atualmente, a taxa está em 52% dos 2.143.920 contratos vigentes, ou seja, 1.109.603 estão com atraso de mais de 3 meses nos pagamentos.

Isso é explicado em parte pela trajetória do programa. De 2010 a 2014, não havia limite de vagas, as regras de acesso eram muito mais flexíveis e não tinha processo seletivo. Com isso, chegou-se a 732 mil contratos fechados em 2014.

A partir do segundo semestre de 2015, as exigências mudaram, e o número de contratos caiu para 287 mil naquele ano. De lá para cá, foram sucessivas reduções no número de novos contratos, reduzindo para pouco menos de 46 mil em 2021.

Em 2017, foi aprovada uma lei que retirou a carência que os estudantes tinham para começar a pagar o empréstimo e também instituiu um fundo para garantir o crédito em caso de inadimplência.

Com isso, os estudantes passaram a ter que começar a pagar o empréstimo assim que se formavam. No entanto, a inserção no mercado de trabalho nem sempre é imediata, o que acaba comprometendo a capacidade de pagamento.

“Como o Fies é desenhado basicamente para quem tem renda baixa, tende a ser mais demorada a inserção dessas pessoas mesmo com um preparo acadêmico bom, porque, entre outros fatores, não têm networking”, avalia Paulo Nascimento, do Ipea.

No fim do ano passado, o governo federal editou uma medida provisória que permite renegociar dívidas e anistiar contratos antigos de inadimplentes do Fies.

Essa mesma lei de 2017 previa que o empréstimo fosse descontado automaticamente da folha de pagamento após os estudantes concluírem o curso e conseguirem emprego formal. No entanto, ressalta Nascimento, essa política ainda não saiu do papel.

“Até hoje, não conseguiram viabilizá-la, porque quem cuida do Fies é o FNDE, do MEC, mas quem o operacionaliza é a Caixa. E, por uma questão de sigilo fiscal, ela não tem como saber a remuneração das pessoas”, explica.

Uma proposta elaborada por ele – e vista com bons olhos entre seus pares – prevê um novo desenho para o Fies, em que o pagamento do financiamento estaria vinculado à renda futura do formando, que só pagaria de volta se tivesse renda compatível.

“Para funcionar no Brasil, teria que envolver a Receita Federal, que é quem tem o expertise, o mandato de prospectar a renda das pessoas e, inclusive, lá na frente recolher [os pagamentos] com um tributo específico”, diz Nascimento.

“Esse modelo joga para uma lógica em que a sociedade vai ter que crescer para que o estudante pague no futuro essa dívida com o governo. É um investimento público para ampliar o número de diplomados no Brasil, mas um investimento condicionado ao crescimento geral da economia e ao desenvolvimento do país”, avalia Gregório Grisa.

Regras de acesso

 

Um dos critérios para aderir ao Fies é o da renda familiar mensal, que tem que ser de até três salários mínimos por pessoa – o equivalente a R$ 3.636 considerando o valor atual do salário mínimo. Outra exigência para se inscrever é ter nota igual ou acima de 450 pontos no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e não zerar na redação.

O percentual a ser financiado pelo governo leva em conta esses dois fatores e também o valor do curso.

Para as entidades mantenedoras, uma das alternativas seria fazer mudança nas regras de acesso para conseguir preencher todas as vagas. “Geralmente, o financiamento não é muito mais do que 50% da mensalidade. Ao extremo, chega a 90%, mas é muito exceção”, afirma Caldas, da Abmes.

Ele chama atenção para outro aspecto: o da elitização de determinadas carreiras. Isso porque alguns cursos, como o de medicina, podem girar em torno de R$ 10 mil por mês. “Como é que o estudante que consegue 50% no Fies vai ter R$ 5 mil para arcar com a diferença sendo que a renda dele é de R$ 3 mil?”, questiona.

“No Brasil, a educação superior é privada: cerca de 80% das instituições são privadas. Então, os alunos menos favorecidos precisam de políticas públicas para ter acesso à educação. Ao invés de ajustar as regras do programa para ocupar as 100 mil vagas, o governo diminui os recursos, o que mostra que não há expectativa nenhuma para que isso se reverta”, pondera.

No entanto, na visão do pesquisador do Ipea, esse não seria o caminho ideal.

“O que vai acontecer é que o governo vai colocar dinheiro público para quem talvez não precise de financiamento. Esse recurso orçamentário pode ir para outras políticas públicas que beneficiem estudantes mais pobres”, afirma.

 

Outro gargalo nas regras do Fies, segundo o diretor-executivo da Abmes, é a exigência de nota mínima no Enem para ter acesso ao Fies . “Geralmente, quem tem menor renda, estuda em uma escola pior e tem uma nota menor no Enem. E isso impactará no percentual de financiamento”, explica.

Uma possibilidade, opina Capelato, do Semesp, seria exigir notas diferentes conforme o curso. “Para os que têm demanda menor, como as licenciaturas e os tecnólogos, a nota do Enem exigida poderia ser de 400 e não 450. Isso ajudaria a incentivar a entrada de mais pessoas nesses cursos.”

O professor Gregório Grisa, no entanto, discorda. “Entendo que não se deva baixar o sarrafo do ponto de vista da qualidade do ingresso. É quase como se estivéssemos premiando o baixo rendimento em carreiras que já estão sofrendo com esse problema”, afirma.

Cortes no Orçamento

 

Ao sancionar o Orçamento de 2022, o presidente Bolsonaro cortou R$ 739,8 milhões dos recursos do Ministério da Educação ao vetor pontos do projeto.

Desse montante, R$ 402 milhões iriam para a Educação Básica, um corte de 35% do que havia sido orçado, segundo levantamento feito pela ONG Todos pela Educação.

Esse dinheiro iria para diversas ações, incluindo um programa de transporte escolar, apoio à oferta de ensino integral para adolescentes e a preparação das escolas para o novo ensino médio, que entrou em vigor neste ano, mas tem sido implantado de forma desigual pelo país.

Fonte: G1 Educação