Entenda a crise política na Bolívia
Evo Morales renunciou à Presidência da Bolívia no domingo (10) e ainda não está claro quem irá substitui-lo. Em 20 de outubro, ele havia sido eleito em primeiro turno em eleições gerais, mas protestos violentos e denúncias de fraude na votação aumentaram a tensão no país. Morales perdeu apoio dos militares, que pediram sua saída.
Por que Evo Morales renunciou à Presidência?
No poder desde 2006, Evo Morales disputou uma nova reeleição em 20 de outubro deste ano. A candidatura já havia sido contestada – um referendo feito em 2016 rejeitou essa possibilidade, mas, em 2018, a Justiça Eleitoral autorizou Morales a tentar um quarto mandato. O argumento era que o limite de mandatos viola a garantia constitucional de que qualquer cidadão tem o direito de candidatar-se.
Mesmo antes do fim da contagem dos votos de outubro, protestos tomaram as ruas da Bolívia. Simpatizantes de Carlos Mesa, opositor de Morales, denunciavam fraudes na apuração.
Havia duas apurações: uma preliminar e mais rápida, e outra de resultado definitivo, por contagem voto a voto. Os resultados iniciais da primeira apuração apontavam um segundo turno. Mas ela foi interrompida e passou-se somente à contagem definitiva, mais lenta. Depois de dias de indefinição, a autoridade eleitoral declarou que Evo Morales estava eleito pela quarta vez. Para ganhar em primeiro turno, ele precisava de 10 pontos de vantagem sobre o segundo colocado – e conseguiu 10,56.
A Organização dos Estados Americanos (OEA) e o governo da Bolívia anunciaram que a entidade faria uma auditoria do processo eleitoral inteiro. Em 10 de novembro, a OEA divulgou resultado preliminar apontando fraude e a necessidade de novas eleições.
Ao tomar conhecimento do relatório, Morales anunciou novas eleições, mas a notícia não foi suficiente para conter a ira da oposição. Naquele momento, ele já tinha perdido apoio dos militares, que se recusavam a reprimir manifestações.
Os chefes das Forças Armadas e da Polícia pediram, então, que Morales deixasse o cargo para “pacificar o país”. Ele concordou em sair, mas disse que era vítima de um golpe cívico, político e policial, que teve a casa destruída e que a polícia tem uma “ordem de prisão ilegal” contra ele. A afirmação foi contestada pelo chefe de polícia, o general Yuri Vladimir Calderón.
Evo Morales renunciou à presidência da Bolívia no domingo (10). — Foto: Enzo De Luca/Agencia Boliviana de Informacion via A
Quem mais renunciou ao cargo?
Deixaram o posto o vice-presidente Álvaro García, a presidente do Senado, Adriana Salvatierra, o vice-presidente do Senado, Rubén Medinacelli, e o titular da Câmara dos Deputados, Víctor Borda.
Na noite de domingo, o chanceler mexicano Marcelo Ebrard anunciou em rede social que 20 integrantes do Executivo e Legislativo da Bolívia foram abrigados na residência oficial do embaixador mexicano em La Paz, e que ofereceria asilo a Evo se ele quisesse.
Quem vai assumir a Presidência?
A renúncia de Evo Morales deixa um vácuo de poder na Bolívia. No momento, ninguém sabe quem comanda o país. A Constituição prevê que a sucessão começa com o vice-presidente, depois passa para o titular do Senado e depois para o presidente da Câmara dos Deputados, mas todos eles renunciaram com Morales.
A segunda vice-presidente do Senado, a opositora Jeanine Añez, reivindicou o direito de assumir a presidência da Bolívia. “Ocupo a segunda vice-presidência e na ordem constitucional me corresponderia assumir este desafio com o único objetivo de convocar novas eleições”, afirmou Añez em uma entrevista ao canal Unitel.
Añez disse que, para assumir o cargo de presidente, uma assembleia extraordinária deve ser convocada para aprovar as renúncias de Evo Morales e García Linera. “Espero que tenhamos quórum, porque o MAS tem dois terços na Assembleia”, ponderou. MAS é o partido de Evo Morales.
Por que a ex-presidente da justiça eleitoral boliviana foi presa?
A ex-presidente do Tribunal Supremo Eleitoral da Bolívia, Maria Eugenia Choque Quispe, foi presa na noite deste domingo e exibida com algemas pela polícia numa entrevista coletiva. O vice-presidente do TSE boliviano, Antonio Costas, também foi preso e exibido ao seu lado.
O pedido de investigação e prisão da presidente e do vice-presidente do TSE boliviano, de acordo com o comandante da polícia, partiu de Juan Lanchipa Ponce, chefe do Ministério Público da Bolívia, que investiga irregularidades nas eleições.
Maria Eugenia Choque Quispe e Antonio Costas, presidente e vice-presidente da Bolívia foram apresentados presos pela polícia — Foto: Reprodução/Youtube/Unitel Bolívia
Onde está Evo Morales?
O ex-presidente viajou para algum ponto da região cocaleira de Chapare, seu berço político, no departamento de Cochabamba (centro).
Não está claro qual será o destino de Morales. Ele afirmou que não abandonaria a Bolívia, mas o México ofereceu asilo, afirmou o chanceler Marcelo Ebrard.
O ex-presidente será preso?
O chefe de polícia, general Yuri Vladimir Calderón, disse que não há ordem de prisão contra Morales.
Serão feitas novas eleições?
Ainda não está claro se serão feitas novas eleições.
Os protestos continuam?
A saída de Morales do poder provocou muitas comemorações, mas também violência em La Paz e outros pontos do país.
No domingo à noite, a praça Murillo de La Paz, onde fica o Palácio Quemado, antiga sede do governo, foi tomada por bolivianos que celebravam a renúncia de Morales.
Segundo a France Presse, apoiadores de Morales também fizeram protestos em La Paz e na cidade vizinha de El Alto. Ônibus municipais foram incendiados e houve saques nas casas de um líder cívico e de uma jornalista, de acordo com denúncias.
Qual é a posição do governo brasileiro?
O governo brasileiro considera que a renúncia do presidente da Bolívia não representa um golpe, uma vez que uma “tentativa de fraude eleitoral maciça deslegitimou” o líder boliviano, afirmou o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo.
“Não há nenhum golpe na Bolívia. A tentativa de fraude eleitoral maciça deslegitimou Evo Morales, que teve a atitude correta de renunciar diante do clamor popular. Brasil apoiará transição democrática e constitucional. Narrativa de golpe só serve para incitar violência”, disse o chanceler brasileiro em publicação no Twitter, no domingo.
Fonte: G1