Escravos do ouro Endividados e isolados, garimpeiros que trabalhavam no Pará foram resgatados em situação análoga à escravidão.
O garimpo de Raimunda Oliveira Nunes desenvolveu um “sistema eficiente” de produção. Mas o seu diferencial não está no modo como extrai o metal do solo, e sim na técnica para tirar o ouro dos seus funcionários. Há 36 anos ela e sua família aprimoram o sistema na propriedade ilegalmente instalada dentro da Floresta Nacional do Amana, no município de Itaituba, oeste do Pará.
Além de patroa, Raimunda também é banco e comércio do local. Ela “guarda” o pagamento dos funcionários (entre 3 e 7% do ouro que extraem) e usa esse crédito para descontar os gastos deles no garimpo. Todo o controle é mantido por ela, em um famoso caderno que fica na sede e ninguém acessa, apenas ela. A dívida só é revelada quando eles vão embora, momento em que a patroa faz as contas. Os garimpeiros se referem com temor ao momento em que ela “risca o caderno”. Raimunda criou uma série de regras, atípicas até para os garimpeiros mais rodados, que fazem os trabalhadores gastar dentro do seu garimpo. É proibido trazer comida de fora, compras apenas na sua cantina. É proibido namorar, as relações são intermediadas pelo pagamento de programas. É proibido usar a internet disponível na sede, obrigando quem quer falar com a família a pagar para ir até o local onde há um rádio. Tudo isso vira dívida. Na hora que ela risca o caderno, alguns devem tanto que não têm saldo nem para sair do local.
Era o caso de um trabalhador sentado na beira da estrada que liga a sede à porteira quando o comboio de dez carros entrou na propriedade, na quinta dia 16.
Foi quando os 38 homens e mulheres que trabalhavam ali foram resgatados pelo grupo de fiscalização móvel do Ministério do Trabalho. Os fiscais consideraram que os 30 garimpeiros e 8 cozinheiras viviam em situação análoga à de escravos. Como o garimpo estava dentro da Floresta Nacional do Amana, a ação foi em parceria com o Icmbio, o Instituto Chico Mendes de Conservação para a Biodiversidade, que interditou as frentes de extração. Participaram também o Ministério Público do Trabalho, a Defensoria Pública da União, o Ministério Público Federal e a Polícia Militar.
Olhando para os lados e muitas vezes sussurrando para falar com a equipe da Repórter Brasil, os trabalhadores só revelaram o esquema ao qual eram submetidos depois que foram retirados dali. Mesmo assim, com medo. “Prefiro viver”,respondeu uma das mulheres quando questionada se o seu nome poderia ser publicado. Respeitando a vontade da maioria, a identidade dos trabalhadores não será revelada.