Estado é condenado em R$ 50 mil após PM chutar garçom, e juiz cita poema da ditadura militar
O Estado do Tocantins foi condenado a pagar uma indenização no valor de R$ 50 mil a título de danos morais por causa de uma agressão brutal praticada por um policial militar contra um garçom, na cidade de Guaraí, região centro-norte.
O caso aconteceu no dia 19 de agosto de 2024 em frente a uma distribuidora de bebidas onde a vítima trabalhava como garçom e que pertence à sua irmã. A agressão foi registrada por câmeras de segurança. A sentença é assinada pelo juiz Océlio Nobre da Silva e foi publicada nesta terça-feira (17).
Durante a abordagem truculenta, a vítima leva um chute de um militar que já desce da viatura com a arma em punho. Conforme o processo, por volta das 17h50, o garçom foi abordado por três policiais na frente do comércio, enquanto esperava por um carro de aplicativo para ir para casa. Um dos PMs mandou ele encostar na parede e quando iria obedecer a ordem, recebeu um chute na altura do peito, mesmo sem ter esboçado qualquer reação.
O garçom acabou caindo e batendo a cabeça no chão. Os policiais ainda o acusaram de ter cometido um roubo e lhe deram um pontapé nas costas.
Em nota, o Comando-Geral da PMTO afirmou que os policiais envolvidos na ocorrência foram indiciados e que o inquérito está atualmente sob análise da Justiça Militar. Caso sejam denunciados pelo Ministério Público Militar (MPM), poderão ser levados a julgamento.
No âmbito administrativo-disciplinar, foi instaurada uma sindicância para apurar a conduta dos envolvidos. Essa investigação encontra-se em fase final de conclusão. Após o ocorrido, os policiais foram afastados das atividades operacionais, e o autor da agressão foi transferido de unidade como medida preventiva para garantir a imparcialidade na apuração dos fatos.
Na sentença, o juiz citou que no caso houve um atentado aos direitos fundamentais da vítima de ter garantidas a integridade física, proteção da honra e da imagem. “A autoestima do cidadão é um valor que deve ser preservado, promovido, jamais destruído por ato dos agentes públicos”, escreveu.
O juiz também destacou a violência policial como um problema social e que neste caso, o garçom levou chutes em um local público e o policial “demonstra não ter qualquer temor de consequências jurídicas”.
O magistrado ainda citou um poema de Eduardo Alves da Costa, chamado “No Caminho com Maiakóvski”, escrito no período em que o Brasil estava sob a ditatura militar, na década de 60 (veja abaixo).
Na primeira noite eles se aproximam
e roubam uma flor
do nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na Segunda noite, já não se escondem:
pisam as flores,
matam nosso cão,
e não dizemos nada.
Até que um dia,
o mais frágil deles
entra sozinho em nossa casa,
rouba-nos a luz, e,
conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada.
Nos dias que correm
a ninguém é dado
repousar a cabeça
alheia ao terror.
Os humildes baixam a cerviz;
e nós, que não temos pacto algum
com os senhores do mundo,
por temor nos calamos.
No silêncio de meu quarto
a ousadia me afogueia as faces
e eu fantasio um levante;
mas amanhã,
diante do juiz,
talvez meus lábios
calem a verdade
como um foco de germes
capaz de me destruir.
Olho ao redor
e o que vejo
e acabo por repetir
são mentiras.
Mal sabe a criança dizer mãe
e a propaganda lhe destrói a consciência.
A mim, quase me arrastam
pela gola do paletó
à porta do templo
e me pedem que aguarde
até que a Democracia
se digne a aparecer no balcão.
Mas eu sei,
porque não estou amedrontado
a ponto de cegar, que ela tem uma espada
a lhe espetar as costelas
e o riso que nos mostra
é uma tênue cortina
lançada sobre os arsenais.
Vamos ao campo
e não os vemos ao nosso lado,
no plantio.
Mas ao tempo da colheita
lá estão
e acabam por nos roubar
até o último grão de trigo.
Dizem-nos que de nós emana o poder
mas sempre o temos contra nós.
Dizem-nos que é preciso
defender nossos lares
mas se nos rebelamos contra a opressão
é sobre nós que marcham os soldados.
E por temor eu me calo,
por temor aceito a condição
de falso democrata
e rotulo meus gestos
com a palavra liberdade,
procurando, num sorriso,
esconder minha dor
diante de meus superiores.
Mas dentro de mim,
com a potência de um milhão de vozes,
o coração grita – MENTIRA!
O QUE DIZ A PMTO?
“A Polícia Militar do Tocantins (PMTO) informa que os policiais envolvidos na ocorrência foram indiciados após a conclusão do inquérito, que atualmente está sob análise da Justiça Militar. Caso sejam denunciados pelo Ministério Público Militar (MPM), poderão ser levados a julgamento.
No âmbito administrativo-disciplinar, foi instaurada uma sindicância para apurar a conduta dos envolvidos. Essa investigação encontra-se em fase final de conclusão. Após o ocorrido, os policiais foram afastados das atividades operacionais, e o autor da agressão foi transferido de unidade como medida preventiva para garantir a imparcialidade na apuração dos fatos.
Quanto à condenação em primeira instância, trata-se de uma demanda cível em que o Estado foi responsabilizado. A Polícia Militar reitera que colabora plenamente com as informações e medidas necessárias para a correta condução do processo.
Sobre a aplicação da multa, a PGE-TO esclarece que o Estado ainda não foi notificado.
A Polícia Militar do Tocantins reafirma seu compromisso com a legalidade, a ordem e a excelência na prestação de serviços à sociedade.
Palmas, 18 de dezembro de 2024
Polícia Militar do Tocantins – PMTO
Procuradoria-Geral do Estado – PGE-TO”
Fonte: AF Noticias