Grávidas e mães de bebês contam que farão Enem para sustentar os filhos: ‘Sem diploma, é mais difícil’
Yasmim Ribeiro, de 26 anos, prestará o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) em janeiro de 2021. Ela sonha em entrar na faculdade para conseguir uma boa remuneração no emprego e proporcionar um padrão de vida confortável a Joaquim, seu filho de 7 meses.
“Sou mãe solo. Cuido dele sozinha – faço bicos, recebo auxílio emergencial. A vida das mulheres já não é fácil. Quando você não é formada e ainda tem um bebê, fica ainda mais difícil: são gastos com pomada, vitamina, pediatra, alimentação”, diz.
“Quero fazer o Enem para conseguir uma colocação melhor no mercado de trabalho. Meu filho foi um acidente, mas não tem culpa disso. Vou enfrentar o mundo para dar o que ele merece”, conta.
Nesta reportagem, conheça a história de Yasmim e de outras duas jovens que, ao se tornarem mães, sentiram a necessidade de aumentar a renda da família. Em busca de uma carreira mais sólida, elas se inscreveram no Enem para conquistar o diploma universitário e buscar um salário melhor.
Uma pesquisa da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), divulgada em setembro, mostra que, de fato, brasileiros graduados tendem a ganhar 131% a mais do que aqueles que param no ensino médio.
Enem com pausas para amamentação
Como lactante, Yasmim terá o direito de sair da sala de prova quantas vezes quiser para amamentar Joaquim. Ele estará em um espaço à parte, com um acompanhante escolhido pela candidata. O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), que organiza o Enem, prevê este atendimento especial – basta requisitá-lo na inscrição ou pelo telefone 0800 616161.
“Meu desafio vai ser me concentrar, sabendo que meu filho estará na sala ao lado, com a minha cunhada. Ele convive comigo 24 horas por dia, mas ficará sem mim durante o exame. Imagina minha cabeça. Mas não vou desistir”, diz.
Yasmim tenta elaborar estratégia para conciliar estudos e maternidade. — Foto: Arquivo pessoal
Não será o primeiro Enem de Yasmim. Em 2012, ela concluiu o ensino médio em São João do Meriti (RJ), onde mora, e foi aprovada em farmácia na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ).
“Precisei trancar o curso porque não dava para estudar e trabalhar ao mesmo tempo, e meus pais não tinham como me ajudar financeiramente. Em 2015, tentei de novo, mas tranquei a matrícula mais uma vez, pelo mesmo motivo”, diz.
Ela sabe que, caso consiga entrar na faculdade em 2021, terá o desafio de conciliar os estudos com a vida de mãe solo.
“Começo a pensar que terei de estudar à noite. Mas onde vou deixar meu filho? Na minha região, não tem creche pública, então ele ficará com a madrinha. Se ela não puder, precisarei procurar uma escola de tempo integral e tentar um auxílio para pagar. Em último caso, terei de conversar com os professores e ir com o Joaquim para a faculdade”, afirma.
Até janeiro, Yasmim continuará estudando em casa, com seu próprio cronograma, e treinando fazer edições anteriores do Enem.
Necessidade de salário maior
Em Campo Grande, Lorraine dos Santos, de 23 anos, descobriu a gravidez em agosto. “Eu já estava inscrita no Enem, mas aí ganhei um incentivo ainda maior para entrar na faculdade em 2021. Preciso dar uma condição melhor de vida para o meu filho”, diz.
Grávida, Lorraine prestará o Enem para tentar uma vaga em administração. — Foto: Arquivo pessoal
Ela trabalhava em um “call center” e morava só com a mãe.
“Meu salário dava para as minhas coisas. Quando soube que ia ter uma pessoinha dependendo de mim, percebi que precisava de um rumo. É muito difícil achar um bom emprego sem ter ensino superior. Ainda por cima, não recebo apoio do pai da criança”, diz.
A meta de Lorraine é usar a nota do Enem para entrar na faculdade no segundo semestre de 2021. “O bebê vai estar maiorzinho, aí vou deixá-lo com a madrinha. Tem a opção também de fazer um curso à distância; já facilitaria um pouco”, conta. Ela quer estudar administração: passou a se interessar por contabilidade depois de trabalhar como caixa em pizzarias e lanchonetes.
Para se preparar para o exame, a jovem resolve questões de edições passadas de vestibulares e assiste a vídeos no Youtube sobre os conteúdos cobrados no Enem.
Em janeiro, quando for fazer a prova, Lorraine estará no 6º mês de gestação. “Meu maior medo, por causa da pandemia, é o transporte. Vou tentar pegar um carro de aplicativo, para não entrar em contato com tanta gente. Vai ser difícil também durante o Enem, porque devo ir várias vezes ao banheiro. De resto, estou tranquila”, afirma.
Prova aos 8 meses de gravidez
Em São Paulo, Rosalia Santos, de 40 anos, prestará o Enem quando Iara estiver quase nascendo – no 8º mês de gravidez. “Vou estar com um barrigão, andando bem devagar. Mas preciso fazer a prova e entrar na faculdade, porque o mercado muda muito. Quem não tem curso superior vai ficando para trás. Já tenho uma menina de 10 anos, a Gabriela. Com mais uma bebê, preciso de uma renda melhor”, diz.
Rosalia estará no oitavo mês de gestação quando prestar o Enem. — Foto: Arquivo pessoal
Rosalia chegou a começar um curso técnico de enfermagem, mas o interrompeu para se casar e ter a primeira filha. “Sinto falta de estudar. Já fiz de tudo: fui caixa de loja, costureira em malharia, vendedora. Agora, quero fazer uma faculdade à distância, por causa das duas crianças. Com a nota do Enem, posso conseguir um bom desconto em faculdades particulares”, conta.
Durante a pandemia, Rosalia só sai de casa para as consultas de pré-natal. Para o Enem, ela planeja caprichar no álcool gel e, claro, usar máscara.
“Não vai ser fácil. Mas eu já queria fazer uma faculdade, por causa da minha filha mais velha. Agora, grávida, a necessidade só aumentou. É o futuro de duas crianças que depende de mim e do meu marido”, diz.