Na ‘Amazônia francesa’, parque ocupa quase metade do território e garimpo é maior ameaça ambiental
O maior parque nacional da França não está na Europa, e sim na Amazônia. E faz fronteira com o Brasil. O Parque Amazônico da Guianaocupa uma área de cerca de 34 mil quilômetros quadrados – mais do que o estado de Alagoas e equivalente a quase metade do território da Guiana Francesa.
Longe das queimadas que geraram mal estar entre os presidentes Emmanuel Macron e Jair Bolsonaro, a região tem o garimpo ilegalcomo o problema mais grave para a preservação da Amazônia. O problema, inclusive, tem levado Brasil e França a fazerem operações conjuntas para evitar a exploração clandestina da floresta (leia sobre o tema mais adiante).
Apesar do nome ‘Vila Brasil’, comunidade fica do lado francês do rio Oiapoque, que divide os dois países — Foto: Guillaume Feuillet/Parc amazonien de Guyane
Então, como as queimadas pouco afetaram a Guiana Francesa?
Uma imensa área de preservação dividida por Brasil e França ajudou a evitar queimadas no nordeste da Amazônia, disse ao G1 o cientista Jérôme Chave, do Centro de Estudos da Biodiversidade da Amazônia. Ele mencionou as seguintes razões:
- As queimadas que chamaram atenção do mundo ocorreram principalmente em áreas desmatadas anteriormente (veja aqui o que diz um cientista da Nasa).
- Não é o caso do Parque Amazônico da Guiana, que, com o Parque Nacional das Montanhas do Tumucumaque (Amapá), formam uma das maiores áreas preservadas de floresta do mundo.
- A enorme e densa mata isolam esses dois parques dos maiores centros urbanos da região amazônica.
“No norte [da Amazônia], o acesso é mais difícil, então há menos perigo de fogo e desmatamento. Essa é a vantagem de nossa geografia”, explicou Chave.
Mapa do Parque Amazônico da Guiana, na Guiana Francesa — Foto: Rodrigo Sanches/G1
O Parque Amazônico da Guiana abriga centenas de milhares de espécies diferentes. Só de insetos, estima-se que haja 100 mil. Tamanha biodiversidade leva os franceses a pressionarem as autoridades locais por maior preservação das florestas sob controle da França.
“A Amazônia é uma região que faz muita gente sonhar. Principalmente em zonas temperadas, como a França, há toda uma cultura e imaginário que se construiu sobre a floresta”, comenta Chave.
Garimpos ilegais
Operação contra o garimpo ilegal no rio Oiapoque, na fronteira com a Guiana Francesa, em 2016 — Foto: Divulgação/Polícia Civil
Apesar das poucas queimadas, autoridades de Brasil e França precisam lidar com o garimpo ilegal, a maior ameaça para a enorme biodiversidade da região e das populações indígenas na região entre o Amapá e a Guiana Francesa.
O presidente do Parque Amazônico da Guiana, Claude Suzanon, admitiu o problema do garimpo ilegal em entrevista ao G1. “É nossa maior dificuldade”, afirma.
Suzanon explica que a proibição do uso do mercúrio na Guiana Francesa não dissuade garimpeiros de utilizarem o material na corrida pelo ouro.
“O mercúrio contamina peixes, polui os rios. É uma pena, mas acabamos desaconselhando algumas populações locais a comer certas espécies de peixes”, diz Suzanon.
Militares participam de funeral de dois soldados mortos durante operação contra garimpos ilegais, em 2016, em Caiena, na Guiana Francesa — Foto: Jerome Vallette / AFP
O problema atinge frontalmente o Brasil porque, segundo o instituto francês Centro Nacional da Pesquisa Científica, a maior parte dos garimpeiros ilegais é de brasileiros. Em junho, uma operação da Polícia Federal brasileira prendeu 20 pessoas acusadas de comércio ilegal de ouro proveniente dos garimpos dessa região.
Na visão do presidente do Parque Amazônico da Guiana, a impunidade atrai cidadãos que cruzam o rio Oiapoque para participar de garimpos ilegais do lado francês da fronteira.
“É complicado erradicar os garimpeiros clandestinos porque eles mal vão à prisão. Acabam reenviados de volta ao Brasil. As medidas não são dissuasivas”, apontou Suzanon.
Rio Oiapoque, fronteira Brasil-Guiana Francesa — Foto: Cássio Vasconcellos
Há tentativas de Brasil e França em cooperarem com o problema. Em abril, o Exército Brasileiro e legionários das Forças Armadas francesas participaram de operações conjuntas na região do Tucumaque para patrulhar o rio Oiapoque e fiscalizar embarcações.
No mês seguinte, uma operação colocou cerca de três mil militares do Exército Brasileiro em ação em Oiapoque – já fora da região dos parques – para combater crimes como tráfico e contrabando.
Ecologia e economia
Foto de arquivo de lançamento de um foguete Veja na Guiana Francesa — Foto: Handout / CNES / AFP Photo
Mesmo que o Parque Amazônico ocupe “apenas” cerca de 40% da Guiana Francesa, imagens de satélite mostram que praticamente toda a região é coberta por mata densa. Boa parte dos mais de 250 mil habitantes do território ultramarino francês vivem em três cidades:
- A capital Caiena, na beira do Atlântico
- Saint-Laurent-du-Maroni, às margens do rio Maroni e na fronteira com o Suriname
- Kourou, cidade litorânea que abriga o principal centro de lançamento de foguetes da União Europeia.
Como desenvolver a economia e criar oportunidades aos habitantes do território francês a quase 7 mil quilômetros de Paris? Claude Suzanon, diretor do Parque Amazônico da Guiana, explica que a conservação e o ecoturismo se tornaram parte do desenvolvimento local.
“O parque, no início, era estritamente uma unidade de proteção. Continuamos a nos preocupar em conservá-lo, mas também queremos o desenvolvimento sustentável, com a valorização da cultura e das tradições locais.”
Entomologista observa insetos do Parque Amazônico da Guiana, na Guiana Francesa — Foto: Guillaume Feuillet/Parc amazonien de Guyane
As regras para entrada no Parque Amazônico da Guiana são bastante rígidas. Para Suzanon, a ideia é preservar a mata e as populações autóctones que vivem na parte mais densa da reserva.
O ecoturismo, então, ajuda a atrair investimentos. Thomas Saunier, presidente da Companhia de Guias da Guiana, dirige também um acampamento na mata. O ecologista vê nos visitantes uma oportunidade de educação sobre o meio ambiente.
“Temos no ecoturismo uma pedagogia que ensina a preservar a Guiana Francesa”, afirma.
Construção tradicional de uma das populações autóctones que vivem dentro do Parque Amazônico da Guiana, na Guiana Francesa — Foto: Guillaume Feuillet/Parc amazonien de Guyane
Suzanon, presidente do parque, explica também que o desafio é integrar ribeirinhos, indígenas e quilombolas à economia local – inclusive com o uso de fundos da União Europeia.
“Queremos formalizar as atividades para que essas pessoas nessas regiões tenham acesso à aposentadoria e outros direitos. Afinal, eles têm filhos, que precisam ir à escola.”
Dificuldades de Macron
O presidente francês, Emmanuel Macron, fala sobre meio ambiente e igualdade social a empresários na véspera da abertura do G7, em Paris, na sexta-feira (23) — Foto: Michel Spingler/Pool via Reuters
Após tuitar que discutiria a Amazônia no G7 – com uma fotografia não correspondente aos recentes incêndios –, Emmanuel Macron mencionou a Guiana Francesa em um discurso televisionado em cadeia nacional.
“A Amazônia é nosso bem comum. Estamos todos envolvidos, e a França está provavelmente mais do que outros que estarão nessa mesa [do G7], porque nós somos amazônicos. A Guiana Francesa está na Amazônia”, afirmou o presidente.
Apesar das declarações em defesa da Amazônia que terminaram em trocas de farpas com o presidente Jair Bolsonaro, a Guiana Francesa – justamente o território da França na floresta – representou dificuldades a Macron.
Votação também já começou em Iracoubo, na Guiana Francesa — Foto: Jody Amiet/AFP
Uma das razões é a instalação de uma mina no meio da floresta conhecida como Montanha de Ouro (Montagne d’Or, em francês), uma parceria entre empresas do Canadá e do Reino Unido para a exploração.
O site oficial do projeto, ainda em fase de estudos, promete que a mina vai respeitar todas as regulações de preservação ambiental e de exploração mineral. Entretanto, ambientalistas pressionam as autoridades francesas para que as obras sejam interrompidas – a produção na Montanha de Ouro está prevista para começar em 2022.
Pressionado, sobretudo após o desastre de Brumadinho, Emmanuel Macron disse que o projeto é “incompatível com ambições ecológicas e em matéria de biodiversidade” e pediu mais estudos, informou o jornal “Le Parisien” em maio.
Além disso, Macron cometeu uma gafe geográfica durante a campanha eleitoral de 2017: chamou a Guiana Francesa de “ilha” ao comentar a greve geral que paralisou a região naquele ano. Os opositores exploraram o caso, ao sugerir que o futuro presidente mal conhecia os territórios ultramarinos franceses.
“Claro que eu jamais pensei que a Guiana Francesa fosse uma ilha”, defendeu-se Macron, posteriormente.
Fonte: G1