Os Cassetas revolucionaram o humor brasileiro – e estão de volta!
“Procurando Casseta e Planeta”, uma série de 20 episódios exibida de 2ª a 6ª, às 23h15, no Multishow, marca o retorno do grupo à TV depois do fim de “Casseta e Planeta Vai Fundo”, em 2012. E é muito bom ter esses caras de volta.
O programa é um “mockumentary”, um falso documentário, sobre a vida dos Cassetas no ostracismo depois do fim de seu programa na Globo. Todos estão na pindaíba: Hubert produz filmes pornô, Beto Silva faz shows de axé, Hélio de La Peña tenta engatar uma carreira de sambista, Cláudio Manuel tomou um “Boa Noite, Cinderela!” de uma ex-namorada, e Marcelo Madureira faz comícios alertando para o perigo do comunismo. O único que está por cima é Reinaldo, “empresário do ramo do jazz”, que vive num palacete e quer esquecer seu passado de comediante.
Os dois primeiros episódios foram muito bons, com destaque para a ótima sequência em que Hélio procura o sambista Arlindo Cruz para “aprender a voltar a ser negão”. Finalmente, uma série cômica brasileira que dá vontade de acompanhar.
Quatro anos fora do ar (ou seis, se contarmos o fim do último programa de sucesso deles, “Casseta e Planeta, Urgente!”, que estreou em 1992 e sobreviveu por 18 anos) é muito tempo. É natural que a geração mais jovem não tenha lembranças da fase áurea dos Cassetas. Mas quem presenciou o aparecimento deles na cena humorística brasileira, no início dos anos 90, sabe que “Casseta e Planeta, Urgente!” marcou época.
POR QUE “CASSETA E PLANETA, URGENTE!” REVOLUCIONOU O HUMOR BRASILEIRO
A vitória do texto sobre o bordão
Até o surgimento do “Casseta e Planeta, Urgente!”, o humor brasileiro era dominado pelos bordões. Quem pode esquecer Tião Macalé (“Ih, nojento!”), Didi Mocó (“Ô, psit!”), Zé Bonitinho (“E agora, um tostão da minha voz!”), o Dorival de Jô Soares (“Tem pai que é cego!”) ou o Professor Raimundo de Chico Anysio (“E o salário, ó!”)? Bordões vinham do humor radiofônico e, bem mais longinquamente, da “commedia dell’arte” italiana (sobre o tema, sugiro esse texto curto e elucidativo do blog de Bemvindo Sequeira).
Quando os Cassetas surgiram, na virada dos anos 80 para os 90, trouxeram uma nova influência, a de programas como “Monty Python’s Flying Circus” (1969) e “Saturday Night Live” (1975), que tinham como ponto forte o texto. Foi um choque. O humor brasileiro, que sempre viveu da familiaridade (o público sabia o que esperar de cada cena, e toda cena culminava no bordão), de repente viu esquetes diferentes, com reviravoltas de enredo e fins inesperados (e, por favor, não estou condenando o ”humor de bordão”, que adoro, apenas constatando que os Cassetas abriram mão dele).
O saudável amadorismo dos protagonistas
Os Cassetas não eram atores. Antes de estrear o programa, eram roteiristas da Globo (na verdade, quem primeiro viu o potencial deles para a atuação foi meu saudoso tio, o produtor musical Paulinho Albuquerque – leia aqui um texto de Beto Silva que conta essa história).
Nenhum deles tinha o talento cênico de um Chico Anysio, Jô Soares, Berta Loran, Paulo Silvino ou Agildo Ribeiro, e nem adiantava tentar. A solução foi utilizar um estilo de interpretação propositalmente amadorístico, como se estivessem atuando em um vídeo caseiro dos mais toscos. Boa parte da graça do programa veio desse esculacho, algo completamente novo na TV brasileira e, especialmente, na Globo, conhecida pela alta qualidade de suas produções e de seus elencos.
Adeus, cenários estilizados!
Veja qualquer programa de humor brasileiro feito até os anos 90 e perceba como os cenários eram estilizados – a pracinha da “Praça é Nossa”, o bar em que Mussum toma um “mé” nos “Trapalhões”, etc. Isso era herança do circo e do teatro. Mas os Cassetas tinham grande influência do humor televisivo britânico e norte-americano, que utilizavam, prioritariamente, cenários mais naturalistas e reais. Pela primeira vez, vimos esquetes cômicos filmados na rua.
O povo fala
Outra inovação de “Casseta e Planeta, Urgente!” no humor televisivo brasileiro foi a participação de populares. Era comum, especialmente nos primeiros anos do programa, que os comediantes fossem às ruas entrevistar pessoas e que essas entrevistas fossem incorporadas ao programa. Era uma mistura, então rara e hoje muito usada, de humor e jornalismo.
A autocrítica
Talvez a maior inovação do programa tenha sido a decisão de zoar a própria programação da TV Globo. O humor brasileiro sempre utilizou paródias de filmes e sátiras a celebridades, mas os Cassetas levaram isso ao extremo, criando novelas fictícias que esculhambavam novelas que estavam no ar (“O Rei do Galho” / “O Rei do Gado”) e parodiando astros da emissora. Hoje isso é comum, mas na época foi realmente novo e transgressor.
A incorreção política
Até hoje não sei como a Globo botou no ar dois personagens chamados “Fodedor” (“Fucker”) e “Chupador” (“Sucker”). Revendo alguns dos esquetes, a impressão é de que hoje boa parte das piadas seria censurada pela repercussão negativa em redes sociais. Os caras falavam de racismo, sexualidade e preconceito de classe de uma forma aberta e escrachada.
Enfim, para quem não viu na época, vale a pena assistir aos programas antigos e lembrar como os Cassetas foram importantes e inovadores. Nos últimos 20 anos, as únicas coisas que me fizeram rir na TV brasileira foram eles e seus filhos mais talentosos, a trupe do “Hermes e Renato”.
(UOL)