Paraisópolis se une contra o coronavírus, contrata ambulâncias, médicos e distribui mais de mil marmitas por dia
Em uma estreita escada em um beco de Paraisópolis, socorristas suam para conseguir subir cada degrau transportando um paciente em uma maca. Em uma das maiores comunidades de São Paulo, a circulação de médicos, enfermeiros e socorristas se tornou comum nas últimas duas semanas, quando os moradores se uniram no combate ao coronavírus, e, por conta própria, contrataram uma equipe médica e ambulâncias que ficam 24h à disposição da população local.
“A gente percebeu que o governo não iria lançar nenhum programa específico para as favelas, e nesse sentimento de abandono saiu a construção de um programa que é uma rede de solidariedade entre moradores de Paraisópolis”, explicou Gilson Rodrigues, presidente da União de Moradores, associação que representa a favela com mais de 100 mil habitantes.
Em uma parceria da União de Moradores com a Associação das Mulheres de Paraisópolis e o G10 das Favelas (instituição que reúne líderes de 10 grandes favelas no Brasil), surgiu o “programa de socorro” à comunidade na Zona Sul de São Paulo.
Foram escolhidos 420 “presidentes de rua”, voluntários que são responsáveis por zelar por trechos de vias predefinidos, cada uma com cerca de 50 casas. Os “presidentes” têm a missão de monitorar se algum morador de sua região tem sintomas da Covid-19 ou se precisa de atendimento médico. Outra tarefa é a de identificar as famílias que estão com a renda reduzida ou mesmo sem renda e que estejam passando fome.
Para o atendimento médico, a comunidade contratou uma equipe com três ambulâncias (sendo uma UTI móvel), dois médicos, dois enfermeiros e três socorristas, que se mudaram para Paraisópolis há 15 dias.
Mulher com sintomas de Covid-19 sendo socorrida em Paraisópolis, na Zona Sul de São Paulo — Foto: Reprodução/Redes sociais
Foi assim que o socorrista Diego Cabral, de 35 anos, deixou a casa onde mora com a esposa, na Vila Matilde, na Zona Leste, a mais de 25 km de distância para estar sempre disponível em Paraisópolis. No novo posto de trabalho, ele viu a demanda por atendimento crescer. “Na primeira semana acho que atendemos 28 casos. Nessa segunda semana já subiu para 51”.
Os profissionais de saúde estão em uma casa cedida por moradores. “Nós fomos muito bem recebidos pela comunidade, a comunidade se preocupou em nos ajudar e fazer a gente se sentir em casa”, disse o socorrista.
A precariedade do serviço público de saúde na favela fez com que as equipes tenham que atuar também em atendimentos não relacionados com a Covid-19. “Como o Samu não chega nas casas, nós acabamos fazendo todo tipo de atendimento. Os líderes de rua acionam a ambulância e nós fazemos o atendimento de todos os tipos de problemas de saúde”.
Ambulâncias contratadas para atender Paraisópolis — Foto: Arquivo pessoal
“A gente está numa guerra e vamos viver como se fosse numa guerra. Se não fizer isso, vamos perder muita gente em Paraisópolis”, disse Emerson Barata, diretor da União de Moradores. Emerson costuma acompanhar os socorristas para indicar os caminhos e trajetos na favela.
Segundo ele, há seis casos confirmados de coronavírus em Paraisópolis. Entre eles, uma farmacêutica, uma funcionária de um grande hospital privado de São Paulo e uma diarista que teria sido infectada na casa da patroa. Procurada, a Secretaria Estadual da Saúde disse não comentar casos específicos.
Mais de mil marmitas por dia
Junto com a pandemia, veio também a diminuição de renda para alguns que já tinham pouco. Pensando neles, uma equipe de 15 mulheres prepara e distribui cerca de 1.300 marmitas por dia em Paraisópolis. “Muita gente que está desempregado, o gás acabou, está sem arroz, sem feijão, não está podendo se alimentar, a crise se agravou muito. Além disso, há pessoas acamadas, idosos. Estamos atendendo todo esse público”, explica Elizandra Cerqueira, presidente da Associação das Mulheres de Paraisópolis.
Antes da pandemia preocupar a favela, Elizandra gerenciava o Bistrô Mãos de Maria, o restaurante que agora está fechado e que oferece cursos profissionalizante para mulheres da comunidade. Hoje, ela se dedica a buscar doações de alimentos para o preparo das marmitas, que têm um custo de produção de R$ 10. “Elas sempre são bem caprichadinhas, aquela comida caseira”.
Elizandra Cerqueira é presidente da Associação das Mulheres de Paraisópolis — Foto: Marcelo Brandt/G1
A atual estrutura com médicos, socorristas, e ambulâncias foi contratada para apenas um mês. E os moradores ainda correm para pagar o investimento que se soma aos custos dos salários das cozinheiras das marmitas, da compra de equipamentos de proteção individual (máscaras e luvas), além da compra cestas básicas . A arrecadação está sendo feita por uma vaquinha online e também pela contribuição de comerciantes e moradores.
“Então não temos o dinheiro ainda, estamos contando com a solidariedade das pessoas para poder pagar”, disse Gilson Rodrigues. Até o final da tarde desta segunda-feira (6), a campanha havia arrecadado mais de R$ 230 mil reais.
O presidente da União de Moradores também contou que pretende montar um espaço de quarentena em duas escolas públicas da região. Gilson quer que os espaços, que estão ociosos neste momento de recesso escolar, sejam usados para acolher pacientes com sintomas leves para o novo coronavírus. Ele diz estar em tratativas com o governo para isso.
Marmitas produzidas pelo projeto ‘Mãos de Maria’. Mais de mil são entregues diariamente em Paraisópolis — Foto: Arquivo pessoal
Fonte: G1 – São Paulo