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Por que industrializados custam tanto no Brasil?

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Produtos industrializados custam entre o dobro e o triplo do preço no Brasil, em comparação com outros países. O que mais pesa são os impostos, a margem de lucro e o valor do real frente ao dólar. A ineficiência da indústria, a precariedade da infraestrutura e a baixa produtividade dos trabalhadores, combinada com seus salários em alta, são problemas adicionais. Os industriais, atacadistas e varejistas brasileiros ganham dinheiro de forma diferente dos de outros países capitalistas. Em vez de vender muito, ganhando pouco por unidade, eles vendem pouco, com larga margem de lucro.

O governo brasileiro, além de cobrar alíquotas altas, calcula os impostos também de forma diferente da de outros países. Se o produto vale R$ 100 e a alíquota é de 30%, o governo não cobra R$ 30. A alíquota é aplicada não sobre R$ 100, mas sobre R$ 130. Nesse exemplo, em vez de R$ 30, o governo recebe R$ 39. Os tributos vão sendo aplicados, uns sobre os outros, e a cada vez que o produto muda de mãos.

A pedido do Estado, a importadora Sertrading fez o cálculo dos impostos sobre três produtos – celulares, calças jeans e brinquedos. Considerando preço inicial de R$ 100 e margens de lucro de 10%, os celulares saltaram para R$ 278 (178% mais), as calças jeans, para R$ 308 (208% mais) e os brinquedos, para R$ 408 (308% mais).

O professor Alcides Leite, da Trevisan Escola de Negócios, pesquisou, para o Estado, os preços de iPad, tênis Nike, camisa Lacoste e o automóvel Corolla no Brasil, nos Estados Unidos, onde quem pode vai fazer compras, no México, país com nível semelhante de industrialização do Brasil, e na Itália, conhecida pela carga tributária e burocracia. Quando os preços são convertidos para reais, constata-se que todos custam mais caro no Brasil.

O Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário calculou então os impostos cobrados nos quatro países sobre esses quatro produtos. Mesmo subtraindo-se os impostos, continuam bem mais caros no Brasil (ver infográfico).

Estudo do Sindipeças, o sindicado dos fabricantes de peças para automóveis, constatou que a margem de lucro das montadoras no Brasil é o dobro da média mundial e mais do triplo da dos EUA. Em média, as montadoras lucram 10% no Brasil, 5% no mundo e 3% nos EUA. Os impostos também são maiores: 32% no Brasil, até 16% no mundo e de 6% a 9% nos EUA.

“É margem de lucro”, constata Alcides Leite. “Falta concorrência.” Cláudio Felisoni de Ângelo, do Programa de Administração de Varejo da USP, analisa: “A margem aqui é bem maior por causa do exercício do poder de monopólio pelas empresas no Brasil, e também por causa da escala”.

Felisoni fez um estudo comparativo das promoções da Black Friday, tradicional liquidação do Dia de Ação de Graças nos EUA, agora copiada no Brasil. “Nos EUA, os descontos são substanciais”, observou. “No Brasil, ou não houve descontos ou os preços foram majorados.” Felisoni nota que, nos EUA, qualquer produto está disponível em duas ou três lojas a distância a pé. “O primado do mercado é a competição interna, enquanto aqui há muito menos concorrência”, compara. “No Brasil, 40 milhões de pessoas ascenderam à classe média e não têm costume de pesquisar preços na internet.” Seu critério é se as parcelas cabem no bolso.

A prazo. “As redes de varejo fazem parcerias com financeiras, que instalaram escritórios nas lojas”, descreve Alcides Leite. Os preços embutem o custo do financiamento. Não há desconto à vista, até porque não interessa aos comerciantes expor o quanto estão cobrando pelo parcelamento.

“As margens aqui são maiores porque os volumes são menores”, constata Miguel Jorge, ex-ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, e consultor de comércio exterior. “Quando vê que o seu produto importado está mais barato, o vendedor aumenta a sua margem e aproxima o preço final do praticado no mercado interno.”

Exemplo recente disso foram os aparelhos da Apple. Fabricados em Campinas com incentivos da Lei de Informática, ainda assim eles continuaram com os mesmos preços de quando eram importados. Procuradas, a Apple e a fabricante Foxconn não quiseram comentar o tema.

Em 2010, a indústria automobilística remeteu US$ 4,1 bilhões em dividendos para o exterior; no ano seguinte, o valor alcançou o recorde de US$ 5,6 bilhões. “Fora o dinheiro que ficou, para investimento”, anota Miguel Jorge. No ano passado, houve mais investimentos, e as remessas somaram US$ 2,4 bilhões. “É muita margem”, conclui. “A indústria é muito ineficiente porque o empresário está muito acostumado com a proteção. Nunca estivemos expostos à competição. Nem todos os países do mundo são produtores de tudo. Teríamos de nos especializar no que fazemos bem.”

Um dos setores mais protegidos, o de eletroeletrônicos, registra um dos maiores déficits comerciais (exportações menos importações): cerca de US$ 20 bilhões no ano passado. Dessa importação, 70% vai para a Zona Franca de Manaus, que não fabrica: monta, porque as peças e componentes são isentos de impostos de importação para lá. Esses impostos têm peso tão expressivo que, mesmo com os altos custos de transporte, os importados para São Paulo não conseguem competir com os produtos vindos de Manaus.

Nesse caso, fica claro que o intuito de promover a indústria nacional, mesmo ao custo de preços mais altos, perdeu-se. Ficaram apenas os preços mais altos. Mas fica também a alta arrecadação, que sustenta um governo que gasta cada vez mais. “O governo é o grande sócio, e ineficiente”, resume Felisoni. “Todo mundo quer ganhar do consumidor final: o governo, a indústria e o comércio”, define José Roberto Ferro, especialista no setor automotivo. “Mesmo com custos altos, as empresas conseguem margem de lucro razoável, porque o mercado é aquecido. O preço é dado por quanto o consumidor está disposto a pagar. Carro popular custa R$ 40 mil no Brasil porque as pessoas aceitam pagar esse preço.”

“Noutros países, se a demanda cai, há guerra de preços”, observa Ferro. “No Brasil, toda vez que o mercado começa a dar sinais de crise, o governo reduz os impostos temporariamente, protege os carros nacionais contra os importados e deixa intactos a margem de lucro e os preços. Não há competição real com os outros países.” Na sua visão, os problemas de custos de produção só serão levados a sério quando as margens caírem. Só então a indústria investirá em eficiência. “A Fiat está mal na Europa e a GM, no mundo inteiro”, exemplifica o especialista. “No Brasil, as duas estão bem.”

A Anfavea, que representa as montadoras no Brasil, afirma não dispor de dados sobre a lucratividade das empresas. “Porém, pela pressão dos custos e pelo grau de concorrência do mercado, não são possíveis resultados fora de padrão”, estima Ademar Cantero, diretor de Relações Institucionais da Anfavea. Ele argumenta que “essa concorrência tem pressionado os preços dos veículos para baixo, não permitindo o repasse dos crescentes custos de produção”. Entre 2005 e janeiro de 2013, enquanto a inflação medida pelo IPCA foi de 51,5%, o preço dos veículos, pelo mesmo índice, caiu 8,2%.

‘Proteção’. Antonio Pargana, da importadora Cisa Trading, vê ligação entre as dificuldades de importar no Brasil e margens altas. “Não bastassem os impostos na veia, um emaranhado de normas fiscais e parafiscais dificulta o entendimento e a formação de preço”, analisa ele. “Quando uma situação é desconhecida, na dúvida, o empresário se protege com margens mais altas.” Além disso, diz Pargana, as dificuldades “afastam os que poderiam importar, mas têm medo, e outros se aproveitam para cobrar preços excessivos”. Segundo ele, “o pequeno e o médio importador têm medo de entrar e, quando entram, tentam ganhar uma fortuna, com quantidade pequena, em vez de importar em grande volume”.

“A administração tributária comete ousadias incompreensíveis, que causam insegurança jurídica”, critica Luís Carlos Melo, diretor do Centro de Estudos Automotivos e ex-presidente da Ford do Brasil. Ele cita a sobretaxa de 30 pontos porcentuais sobre o IPI dos carros importados, aplicada como reação a suposta “invasão” de automóveis chineses. “Em nome da proteção da indústria nacional, manda-se toda a previsibilidade para o espaço. A margem deve ter algum tipo de colchão.”

“As mudanças constantes desorganizam o comércio: num ano um produto não tem tarifa, noutro, tem de 10% ou 15%”, concorda o embaixador José Botafogo Gonçalves, ex-secretário-geral da Câmara de Comércio Exterior da Presidência.

“Não é imposto”, constata o tributarista Fernando Zilvetti, da Fundação Getúlio Vargas. “Ninguém aqui abre a margem. Lucro deve ser obtido com base na produtividade, em uma margem com escala.” O mercado consumidor no Brasil explodiu, diz Zilvetti, mas o preço não cai. “Compensa produzir aqui, tanto que estão vindo fábricas para cá”, observa o tributarista. “É cíclico: o empresário se queixa e o governo faz o que ele quer, não o que é melhor para o consumidor.”

(MSN)