Por que sites, blogs e canais de YouTube não vão precisar vender publicidade pra sempre
O ano em que a mídia começou a virar arroz
Acho que antes de avaliarmos o caminho que a produção de conteúdo vai tomar, é preciso estabelecer uma diferença básica entre o que acontece aqui e o que acontece nos Estados Unidos.
MÍDIA É COMMODITY. É IGUAL ARROZ. TEM TIPO ESPECIAL, TIPO 1 E 2, MAS NÃO INTERESSA QUEM PRODUZIU.
Nos Estados Unidos (que é o mercado onde a gente se espelha, pelo tamanho do país, pelo foco no consumidor doméstico e pela divisão em mercados regionais), mídia é commodity. Não só banner. Toda a mídia, online e offline. É igual arroz. Tem tipo especial, tipo 1 e 2, mas não interessa quem produziu. Você vende para um marketplace e o marketplace vende para o comprador final. O preço é regulado pela demanda (e pelos tipos especial, 1 e 2). E isso vale pra tudo. Banner, página de jornal, inserção no Super Bowl.
No Brasil, embora a gente tenha ad networks para banners, o resto não é feito assim. É tudo quase artesanal, você tem que comprar mídia para uma campanha específica. Cada planejamento é uma nova compra de mídia. Pensa bem: na venda de arroz, não importa se você produz uma tonelada ou 1 milhão de toneladas de arroz, vai tudo pro mesmo bolo e de lá é vendido. O preço é o mesmo no fim. É isso que acaba rolando na mídia americana e também no resto do mundo.
Mas o jeito brasileiro é assim, entre outras coisas, pra não permitir que um pequeno produtor de conteúdo se compare com a um grande grupo de mídia. Esse modelo mantém os preços mais altos, o que é bom para veículo e é bom para agência.
Só que, no fim, não é bom pro anunciante. Embora a conta final feche – entre outras coisas porque a mídia faz a criação sair de graça muitas vezes -, a medida que a tecnologia pra mensuração de resultados avança, o mercado pressiona pra que a compra de mídia seja cada vez mais comoditizada também.
Isso importa bem pouco num mercado onde os maiores anunciantes são o governo e varejistas focados em classe C, D e E, que simplesmente ignoravam a internet até uns 3 anos atrás (muitos governos e varejistas regionais, grandes anunciantes em suas praças, ainda ignoram). Mas começa a mudar a medida que a internet vai ficando mais mobile, alcança mais gente, o e-commerce também cresce, etc.
Então entendam: isso VAI mudar. A compra de mídia VAI ser programática e comoditizada, cada vez mais, inclusive nos meios TV, rádio, impresso e OOH. Não sei se vai ser nos próximos cinco ou nos próximos vinte anos, mas vai acontecer.
Bom, eu falei tudo isso para no fim, apontar o que (na minha opinião) vai ser o caminho da produção de conteúdo, que era o que estávamos discutindo.
Num cenário de mídia comoditizada, isso só vai dar dinheiro para quem controla tráfegos enormes, que hoje são Google e Facebook. Um grupo do qual, segundo o artigo da Wired,Twitter, Snapchat e Apple querem fazer parte.
Essa é a minha primeira conclusão. O mercado de mídia (online e offline) vai ser dominado por poucos grandes players globais. Podem ser dois, podem ser cinco, podem ser dez. E como esse é um mercado baseado em tecnologia, eles vão se revezar no domínio do mercado. Assim como acontece no mercado de tecnologia, aliás.
Há 20 anos a Microsoft era processada por dominar o mercado de browsers com o Internet Explorer. Hoje o IE é uma piada. A HP era o bicho papão dos PCs. A Dell, que era uma empresa de fundo de quintal, já a deixou pra trás. Nokia e BlackBerry dominavam seus mercados há menos de 10 anos e hoje lutam pra sobreviver. Então fiquemos atentos a isso. Pode ter um novo Facebook nascendo amanhã.
O MERCADO DE MÍDIA (ONLINE E OFFLINE) VAI SER DOMINADO POR POUCOS GRANDES PLAYERS GLOBAIS. PODEM SER DOIS, PODEM SER CINCO, PODEM SER DEZ.
Bom, a questão é que esses caras efetivamente não produzem conteúdo. Eles dependem de um parceiro que faça isso. E o caminho para ganhar dinheiro, seja para um blogueiro, para aVice ou para o Buzzfeed, vai ser se associar a esses caras. E esse é um jogo que ainda está muito no começo.
Lá atrás, quando alguém tinha um site com audiência e achou que tinha chegado a hora de fazer grana com aquilo, esse maluco resolveu colocar uns retângulos com propaganda no meio do texto e vender a qualquer preço. Ele conseguiu vender. Os grandes grupos de mídia resolveram fazer a mesma coisa e, como não esperavam grana nenhuma vindo disso, vendiam por centavos ou fração de centavos. Todo mundo começou a fazer o mesmo.
Esse caras se comportaram como uma manada, venderam cedo demais, barato demais. Ainda por cima, na época pré-bolha onde qualquer resultado era válido, todo mundo se esforçou demais para tentar mostrar resultados baseados em cliques, etc. E esse foi o alicerce no qual o formato foi construído em cima. Hoje todo o mercado de banners sofre com isso.
Lembrei dessa triste história porque acho que corremos o risco de isso acontecer aqui. O YouTube já remunera seus parceiros com centavos. Além disso, também vende seus pre-rolls a centavos (pelo menos não mais fração de centavos). Embora ainda tenha muita água pra rolar, o YouTube está algumas voltas na frente de todo mundo nesse esquema de parceria remunerada. E meio que já definiu alguns padrões que tendem a ser seguidos pelos outros:
● Divisão de receita 55/45 (a maior parte para o produtor).
● Não-exclusividade.
● O produtor pode vender seus próprios patrocínios.
A boa notícia é que as voltas na frente do YouTube acabaram justamente por fazer esse modelo ser posto a prova. É só olhar o canal de maior sucesso no Brasil, o Porta dos Fundos. Com uma audiência de primeiro nível, o canal rapidamente se tornou uma empresa, produtora de conteúdo e vendedora de mídia, com pacotes de patrocínio que deixaram todo o departamento de vendas do Google com inveja, como o product placement da Itaipava, por exemplo.
HÁ ALGUNS ANOS, PAGAR ASSINATURA DE SERVIÇOS DE MÚSICA OU DE SITES ERA ALGO BEM EXCÊNTRICO. COISA DE RICO OU DE OTÁRIO, OU OS DOIS. AGORA NÃO MAIS.
Isso fez essas três premissas da parceria do YouTube começarem a mudar, porque o YouTube quer botar a mão nesse product placement também. E pra isso, topam até mudar essa divisão de receita, mas em contrapartida exigem alguma exclusividade.
Percebam que, se isso acontecer, é a mesma grana entrando na mídia, a da Itaipava. Só que a dinâmica mudou – ao invés do Porta dos Fundos ter que ter um departamento de vendas pra vender isso, competindo com o próprio YouTube, ele passa a vender isso para o YouTube, que por sua vez cuida de falar com a Itaipava.
Essa é, na minha opinião, o caminho que teremos. E aí, se você for o New York Times ou o Buzzfeed, ou a Kéfera, vai ter força para negociar, conseguir contratos melhores, acesso aos melhores anunciantes, menos interferência no seu conteúdo. E se você for pequeno, vai ter que se contentar com os centavos.
Caminhos alternativos
Eu sei que esse artigo está muito grande, mas quero falar ainda de outros dois caminhos importantes que mostram de onde poderá vir a grana para o conteúdo.
Existe no zeitgeist atual dois vetores que levam o dinheiro do leitor/espectador/usuário direto para o bolso do produtor de conteúdo: A idéia de que propaganda é ruim e a idéia de que pagar pelo conteúdo é bom.
As duas coisas sempre existiram. Propaganda como vilã é algo bem antigo aliás, mas a idéia começou a ficar mais forte em 2015 por conta dos ad blockers. Nós pagamos por conteúdo a vida inteira, comprando ingressos de cinema, revistas e TV a cabo. A novidade é que, nos últimos dois anos, fazer isso na internet passou a ser cool. No início dessa década, pagar assinatura de serviços de música ou de sites era algo bem excêntrico. Coisa de rico ou de otário, ou os dois. E agora não é mais. É cool ter Spotify, Netflix, Apple Music. É cool pagar o Patreon ou o Kickstarter.
Antes a idéia de construir um negócio de conteúdo cujo modelo de receita é o pagamento de assinatura era absurdo. Hoje é realmente viável. Principalmente para quem quer produzir algo classudo e nichado. É triste que muitos empreendimentos que faziam justamente isso tenham morrido antes de esse dia finalmente chegar, como o Grantland, citado no artigo da Wired que motivou esse texto. Mas isso não prova que o modelo é impossível. Só prova que “timing is a bitch”.
ANTES A IDÉIA DE CONSTRUIR UM NEGÓCIO DE CONTEÚDO CUJO MODELO DE RECEITA É O PAGAMENTO DE ASSINATURA ERA ABSURDO. HOJE É REALMENTE VIÁVEL.
Outro importante caminho é o e-commerce. Se o conteúdo é tão bom para o anunciante e não é mais possível alcança-lo, o produtor passa a ser o anunciante de si mesmo. Seja como um varejista que vende produtos de terceiros, como faz a revista feminina Lucky, que usa seus reviews para vender roupas e cosméticos em sua loja online; ou seja como uma verdadeira marca, vendendo merchandising, livros e DVDs com conteúdo exclusivo. E nisso o próprio mercado de e-commerce tem evoluído bastante, oferecendo white labels, dropshipping, e marketplaces para que esse modelo seja possível sem que necessariamente o produtor de conteúdo tenha que montar uma empresa de e-commerce. Mas isso é assunto pra outro artigo.
PS: Sobre o que eu falei nos parágrafos 3, 4 e 5 desse texto: essa é uma explicação bem generalista, que eu fiz rapidamente para demonstrar um ponto de vista sobre a produção de conteúdo, que é o verdadeiro objetivo aqui. Não é uma explicação completa e nem é uma comparação sobre o que é melhor ou pior.
No mercado publicitário dos EUA também existe a venda de mídia mano a mano, patrocínio, projetos especiais, BV, a figura do executivo de vendas que ganha bem, do VP de mídia poderoso. Também existe o pequeno produtor que é reconhecido e se dá bem no mercado, também existe a mão pesada de quem domina o mercado. Nada é tão preto no branco assim. Lembre-se sempre disso 🙂
(OCIOSO)