‘Psicológico é a pior parte no momento’, diz enfermeira que trabalha em UTI para pacientes com coronavírus em SP
A enfermeira Mara Santos, de 40 anos, trabalha há 18 anos na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) de um hospital particular localizado na Zona Sul de São Paulo. Plantões, pacientes em estado grave e lotação máxima dos leitos da UTI sempre fizeram parte do dia a dia da profissional de saúde. Entretanto, há cerca de vinte dias a UTI em que trabalha passou a atender apenas pacientes com coronavírus. Em entrevista ao G1, a enfermeira relata que a pandemia do COVID-19 deixou sua rotina ainda mais intensa, o que abalou, principalmente, o seu psicológico.
O G1 acompanha profissionais de saúde durante a pandemia.
“Por ser uma doença nova, dá muita insegurança, então, psicologicamente, os plantões estão terríveis, pela gravidade, e por a gente ver que os pacientes são muito graves e a melhora é muito lenta, e às vezes não acontece essa melhora do jeito que a gente espera. Além disso, tem a insegurança de poder se contaminar, poder contaminar a família, eu acho que esse psicológico é a pior parte no momento”, desabafa.
“Eu estou muito mais sobrecarregada, a gente sai do plantão muito mais cansada. Eu acho que não é pela quantidade de pacientes, porque, eu pelo menos, estou acostumada a trabalhar há 18 anos com lotação máxima de UTI, com pacientes graves e isso é uma rotina para gente na UTI. O problema é o tipo de paciente”, completa Mara.
A enfermeira conta que as três UTIs do hospital foram fechadas para atender pacientes com o COVID-19 e que, ao todo, são 35 leitos. Mara relata ainda que o perfil dos pacientes internados com o coronavírus é bem diversificado. Segundo ela, a maioria ainda são idosos, mas jovens também estão na UTI.
“Tem idosos, sim, mas tem jovens também. Eu acho que quando falam que o grupo de risco é idoso, no primeiro momento, é idoso com alguma doença, alguma comorbidade. Antes de ver de perto na minha cabeça era assim, pessoas com mais de 80 anos, cheias de doenças pré-existentes, mas não é essa a realidade que a gente está vendo, tem idosos de 80 anos, sim, mas tem pessoas de 33, de 27, idosos de 63, 64, então, não é aquilo que a gente imaginava”, diz Mara.
Enfermeira Mara Santos com os equipamentos de proteção que utiliza para cuidar de pacientes na UTI. — Foto: Arquivo Pessoal
Equipamentos de proteção
No combate a pandemia de coronavírus, os profissionais da saúde devem utilizar equipamentos de proteção individual (EPI) para evitar a contaminação. Mara relata que utiliza máscara do tipo N95, luvas, avental e óculos. Ela conta que precisa colocar os EPIs assim que entra na UTI e que durante as 12 horas de plantão os óculos e a máscara não podem ser ajustados.
“Machuca, dói, mas ao mesmo tempo a gente não pode tirar nem arrumar, por risco de contaminação. Colocou, acabou, porque não pode colocar a mão no rosto. Antes de fechar a UTI, quando eram alguns leitos só de isolamento tinha até um cartaz na entrada dos quartos, que era ‘se está incomodando, se você está suando, aguenta, não põe a mão no rosto’. Então, assim, é extremamente desconfortável, para um plantão de 12 horas aquela foto que as pessoas veem com os profissionais machucados isso é real, acontece”, afirma a enfermeira.
Mara conta que, mesmo tomando os cuidados devidos e utilizando corretamente os equipamentos de proteção durante o seu trabalho, ainda teme a contaminação.
“Mesmo assim ainda gera uma insegurança. Alguém dentro do hospital pode, por exemplo, não ter usado adequadamente os materiais. Até no botão do elevador que aperta e você aperta também você pode pegar, até mesmo no seu condomínio isso pode acontecer também. Uma coisa que eu costumo falar muito é que se uma pessoa fizer de errado, põe em risco a vida de milhares de outras pessoas”, afirma a enfermeira.
“Então, não adianta só eu fazer minha parte, todo mundo tem que fazer sua parte e mesmo assim, ainda assim, terminando o plantão eu tomo banho para vir para casa. Chegando em casa eu deixo o sapato para fora de casa, bolsa para fora de casa, tomo outro banho e eu falo também que a gente se esfrega, se esfrega, se esfrega e nunca tem certeza que está realmente limpa, que não está trazendo nada”, completa.
Rotina
Para trabalhar durante os plantões, Mara se divide com o marido que é técnico em radiologia para cuidar das filhas do casal. As crianças têm 4 e 5 anos e a enfermeira conta que teme levar algum tipo de contaminação para as meninas.
“Eu tenho muito medo, eu acho que se você perguntar para todos os profissionais, isso é uma coisa geral. Eu conheço pessoas que estão morando sozinhas, se distanciaram da família, outras que estão morando em um cômodo separado, outras na garagem, usam banheiro privativo, eu, infelizmente, não tenho como fazer isso, mas elas já sabem. Quando eu chego de manhã eu falo não encosta na mamãe antes da mamãe tomar banho”, conta.
A profissional de saúde trabalha durante a madrugada em uma escala 12×36, o que são 12 horas de trabalho e 36 de descanso. Ela costuma sair do plantão às 7h da manhã, horário em que o marido está entrando no trabalho, por isso, as crianças são transportadas de carro com ele até o trabalho da enfermeira e voltam com a mãe para casa, já que não tem com quem ficar.
Contaminação
Na quarta-feira (8) Mara conta que começou a apresentar alguns sintomas de coronavírus como dores de cabeça e no corpo, além de febre. Por isso, foi afastada de suas atividades e será submetida ao teste que diagnostica o COVID-19.
Fonte: G1 – São Paulo