STJ cita mais de 10 casos de venda de sentenças no TJTO; soltura de preso custou até R$ 750 mil
A decisão do ministro João Otávio de Noronha, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que autorizou a operação Máximus da Polícia Federal (PF), na última sexta-feira (23), cita 14 situações distintas nas quais desembargadores e juízes do Tocantins teriam vendido decisões judiciais.
A operação investiga uma série de crimes envolvendo magistrados, advogados e outras autoridades do Estado, que são suspeitos de integrar uma organização criminosa estruturada e com tarefas bem definidas. Além da venda de sentenças, o grupo chegou a interferir e definir a escolha de uma desembargadora do TJTO, bem como do presidente da Corte.
Em um dos casos, o acusado de mandar matar o empresário Elvisley Costa de Lima, em Palmas, teria pago R$ 750 mil e três relógios da marca de luxo Hublot em troca da revogação de sua prisão, em 2020. Após ser solto, Bruno Teixeira da Cunha fugiu do estado e só foi preso um ano e meio depois, em Santa Catarina.
Na época, o Ministério Público Estadual foi contra a liberdade, mas o juiz Marcelo Eliseu Rostirolla, que estava com o caso, decidiu soltar Bruno afirmando que embora existissem fortes indícios de participação, o réu se apresentou espontaneamente e “demonstrou que pretende colaborar” e a liberdade só deveria ser restringida em caso de “extrema necessidade.”
Durante as investigações, Bruno Teixeira foi ouvido pela PF e contou que se encontrou pessoalmente os advogados Tiago Sulino, preso durante a operação Máximus, e Robson Moura Figueiredo Lima, presidente do Instituto de Terras do Tocantins exonerado nesta quarta-feira (28), com quem teria negociado sua liberdade.
“Afirma que foi procurado por uma pessoa que informou que o investigado T. S. [Tiago Sulino] teria a solução para sua questão e, após reunir-se com ele e com o investigado R. M. F. [Robson], negociou o valor de um R$ 1 milhão pela liberdade, sendo certo que conseguiu sacar o valor de R$ 200.000,00 naquele mesmo dia e comprometeu-se a pagar o restante em seguida.”
Bruno Teixeira também revelou o suposto envolvimento de Thales André Pereira Maia e seu pai, o desembargador afastado Helvécio de Brito Maia Neto.
“O depoimento de B. [Bruno] traz inúmeros outros elementos, inclusive da participação do envolvido T.[Thales] e de seu pai, o Desembargador H. [Helvécio]. Afirma que T. esteve pessoalmente em sua casa, para cobrar o restante do dinheiro prometido e inclusive levou relógios e lotes seus, como forma de pagamento, sendo certo que os lotes seriam destinados ao pai de T., o desembargador H”.
Confira a seguir os casos cujas decisões teriam sido vendidas, conforme a investigação:
1. Mandado de Segurança contra a Sefaz
O MPF apontou que nos processos nº 0019575-93.2021.8.27.2729 e nº 0020140-57.2021.8.27.2729, a empresa O. S. de S. L. impetrou mandados de segurança contra a Secretaria da Fazenda do Tocantins (Sefaz) e incluiu no polo passivo o Estado do Tocantins e duas outras entidades.
A investigação revelou que uma organização criminosa estava por trás dessas ações, e que essa organização conseguiu influenciar a 2ª Vara dos Feitos das Fazendas e Registros Públicos de Palmas. Especificamente, o juiz José Maria Lima teria recebido vantagens indevidas para beneficiar a empresa O. S. de S. L. Essas vantagens incluíram viagens internacionais para Amsterdã e Madri, em troca de facilitar a venda de decisões judiciais.
Um dos integrantes da organização, Thiago Sulino de Castro, que acabou preso pela PF, teria usado o token (dispositivo de segurança) e a senha do juiz para realizar atos judicantes, ou seja, ele teria emitido decisões judiciais de forma ilegal. Além disso, o suspeito também teria recebido dinheiro para influenciar o resultado dessas decisões. Como parte dessas atividades, uma nota fiscal de serviços no valor de R$ 150.000,00 foi emitida em outubro de 2022, indicando o pagamento por essas práticas ilícitas.
2. Revogação de prisão
A decisão judicial revela o suposto envolvimento do desembargador Helvécio Brito de Maia Neto, de seu filho Thales Maia, e do juiz Marcelo Eliseu Rostirolla na revogação da prisão temporária de Bruno Teixeira da Cunha, condenado por ser o mandante do assassinato de Elvisley Costa de Lima.
Segundo o ministro João Otávio de Noronha, a revogação da prisão teria custado R$ 750 mil e três relógios de luxo, pagos à organização criminosa para que o juiz Rostirolla anulasse a prisão de Bruno Teixeira. Em depoimento à PF, Bruno afirmou que Thales Maia visitou sua casa para cobrar o restante do dinheiro e levou relógios e lotes como pagamento, destinados ao seu pai, Helvécio Maia Neto.
3. Decisões beneficiando hospitais
Com a quebra de sigilo dos dados telemáticos de Thales Maia, foram encontrados elementos que reforçam a participação dos envolvidos no esquema criminoso não especificado pela PF. Um arquivo de imagem encontrado no backup de conversas de WhatsApp entre Thales Maia e Thiago Sulino indica discussões sobre o processo e possíveis ações para influenciar o relator, o desembargador Marco Anthony Steveson Villas Boas.
Thiago Sulino, que não era advogado vinculado às partes, mas compartilhou informações com Thales Maia. Além disso, o procurador-Geral do Estado, Kledson de Moura Lima, também teve acesso ao processo em momentos coincidentes com a vista dos autos pela desembargadora Angela Maria Ribeiro Prudente, levantando suspeitas de participação irregular.
A apelação foi julgada em 30/1/2023, e a decisão foi unânime, apesar do pedido de vista da desembargadora. O acesso do procurador Kledson coincidiu com o período da vista, sugerindo que o pedido de vista poderia ter sido utilizado para permitir o acesso indevido ao processo, levando a decisões favoráveis para os hospitais, beneficiando uma das partes. O acórdão foi posteriormente recorrido, e o recurso foi admitido com efeito suspensivo, indicando mais irregularidades no processo.
4. Precatórios do município de Lajeado
O caso investiga suspeitas de irregularidades no pagamento de honorários ao escritório B. & B., envolvendo uma grande quantidade de pessoas e decisões judiciais. O Município de Lajeado entrou com uma ação judicial para cumprimento de sentença (nº 0016098-38.2016.8.27.2729/TO) que determinava o pagamento de honorários ao escritório. Inicialmente, a juíza S. M. P. suspendeu o pagamento devido à ilegalidade da contratação do escritório. No entanto, o juiz José Maria Lima, afastado na última sexta, revogou essa decisão e autorizou o pagamento.
A Ação de Improbidade Administrativa nº 5000076-23.2012.827.2739/TO havia reconhecido a ilegalidade da contratação do escritório B. & B. Apesar disso, decisões subsequentes envolvem o desembargador Helvécio Brito de Maria Neto e o juiz José Maria permitiram o pagamento milionário ao escritório, sugerindo manipulação e corrupção.
Thiago Sulino de Castro, que não é advogado, fez consultas ao processo, e Thales Maia, filho do desembargador Helvécio, facilitou a influência do pai nas decisões. Paulo Alexandre Cornélio de Oliveira Brom também está implicado, com comunicações que reforçam sua conexão com o esquema.
5. Ação de improbidade administrativa envolvendo empresários da W. E
A investigação começou após um informante confidencial relatar que a organização criminosa teria agido no desbloqueio indevido dos bens da empresa W. E. A Polícia Federal iniciou uma verificação (IPJ n. 2521539/2033), constatando que, em 4/3/2020, o juiz José Maria Lima havia determinado a indisponibilidade dos bens da empresa W. E.
No entanto, em 10/2/2023, o mesmo juiz rejeitou a ação de improbidade administrativa contra a empresa, alegando que a W. E. teria sido vítima de extorsão, o que causou estranheza, pois sua decisão inicial havia sido baseada em evidências de improbidade e prejuízo de R$ 18,4 milhões.
O Ministério Público recorreu da decisão, e o desembargador Pedro Nelson de Miranda Coutinho concedeu efeito suspensivo ao agravo. Além disso, há indícios de que o grupo criminoso envolvido agiu de maneira semelhante em outras ações, com registros encontrados na nuvem de arquivos que mostram comunicação entre os investigados e contratos de serviços advocatícios relacionados ao caso.
6. Decisão em ação de improbidade administrativa envolvendo o ex-presidente do Igreprev
A notícia-crime que levou ao Inquérito n. 1.668/DF alega que uma organização criminosa estava envolvida em um processo de improbidade administrativa, envolvendo Gustavo Furtado Silbernagel, então presidente do Igeprev. A PF descobriu que o juiz José Maria Lima decidiu não se afastar do caso, apesar de ter um conflito de interesse, pois estava ligado ao Instituto. Uma Exceção de Suspeição foi ajuizada e aceita pelo TJTO, pois o juiz estava impedido de julgar devido à sua relação com o Instituto.
Teve um recurso especial rejeitado inicialmente, mas depois o mesmo foi aceito pelo então Presidente do TJTO. O STJ confirmou o impedimento do juiz José Maria Lima, quando julgou o recurso. Também foi encontrado que Thiago Sulino, apesar de não ser advogado do caso, teve acesso aos autos e o juiz José Maria Lima fez uma petição em um momento inadequado.
O juiz também absolveu o presidente do Igeprev, dos atos de improbidade. Conversas e documentos foram encontrados que mostram o envolvimento da organização criminosa. Há também indícios de que o presidente foi beneficiado por uma decisão de uma desembargadora que foi vencida no julgamento.
7. Decisão em agravo de instrumento interposto em ação de execução em desfavor de empresário
As investigações revelam que há um print datado de 6/12/2022, relacionado ao Agravo de Instrumento nº 0012454-67.2022.8.27.2700, sob a relatoria da desembargadora Angela Issa Haonat, encontrado no terminal de Thales Maia. Esse print foi extraído de uma conversa entre Thales e um telefone de propriedade da empresa U. do L. P. de E. L., na qual José Eduardo Sampaio era sócio-administrador. Sampaio também é apontado como possível usuário desse telefone e o print pode ter sido compartilhado por Thales Maia.
Thales Maria, filho do desembargador Helvécio Maria, mantém uma relação próxima com Thiago Sulino, que tem contato com a desembargadora Angela Haonat, devido ao seu irmão, Rafael Sulino, ser assessor da magistrada. Esses vínculos indicam que Sampaio pode ter usado Thales e Thiago para influenciar a decisão da desembargadora Angela.
Além disso, imagens do processo foram encontradas em conversas entre os terminais associados a Sampaio e Thales, e um arquivo PDF com informações do DetranNet sobre um veículo registrado no nome de José Eduardo sugere que ele buscava uma decisão favorável no processo, que envolvia um valor de R$ 1.300.000,00 e o pedido de constrição patrimonial de José Eduardo suas empresas.
8. Decisões nas ações de interesse de mineradora
Áudios revelam que Daniel Almeida Vaz, sócio da empresa Almeida Vaz, negociava com Thales Maia para obter decisões favoráveis para a empresa O. M. M., com indícios de pagamento de propina.
A empresa G. N. M. e C. de M. e S. E. entrou com um processo para reaver uma área de mineração. Uma decisão favorável foi tomada em 22/7/2021, mas o desembargador Helvécio Maia concedeu um efeito suspensivo em 15/2/2022, permitindo que a O. M. M. continuasse a minerar. Além disso, foram identificadas transferências de dinheiro para Thales Maia, sugerindo pagamento de propina.
As desembargadoras Etelvina Maria Sampaio Felipe e Ângela Prudente também estariam envolvidas no esquema, mantendo o sigilo dos processos e concedendo efeitos suspensivos, favorecendo a mineradora com a suspensão indevida das decisões. Conversas e depósitos bancários corroboram a existência de pagamentos ilícitos relacionados a esses casos.
9. Decisão na ação declaratória de inexistência de obrigação tributária (n. 0011597-94.2023.8.27.2729/TO – ACJ X MUNICÍPIO DE PALMAS)
Envolve a atuação do grupo criminoso no julgamento de uma ação em que A. – C. e I. S. questionam o Município de Palmas sobre um alto valor de IPTU, totalizando R$ 12.782.829,08. O grupo teria agido para beneficiar a parte autora da ação.
10: Decisão no precatório n. 0007122- 56.2021.8.27.2700, envolvendo A D. P. L.
Há indícios de que um dos juízes investigados teriam, de forma criminosa, atrasado a execução de multas para beneficiar a própria empresa, transformando isso em lucro para a empresa D. P. L., em prejuízo do Município de Palmas.
11. Suposta interferência no trâmite do agravo de instrumento nº 0015024-94.2020.8.27.2700 – expurgo inflacionário do exequente Antenor Aguiar Almeida
Na análise dos dados extraídos da nuvem de Thales Maia, foi encontrada uma conversa que inclui documentos sobre uma ação judicial de Antenor Aguiar Almeida contra o Banco do Brasil, solicitando a penhora, por meio do Bacenjud, de R$ 57.967.842,13 (cinquenta e sete milhões, novecentos e sessenta e sete mil, oitocentos e quarenta e dois reais e treze centavos).
12. Decisão na ação de improbidade administrativa nº 0000566-91.2016.8.27.2739/TO
Os documentos mostram que, ao analisar os dados obtidos com a quebra de sigilo de Thales Maia e Thiago Sulino, foi possível identificar a participação do grupo no processo de Improbidade Administrativa número 0000566-91.2016.8.27.2739/TO.
13. Atuação da organização criminosa na escolha e nomeação de uma das envolvidas para ocupar o cargo de desembargador do TJTO e ministro do TST
De acordo com os registros, os desembargadores em questão aceitaram uma proposta de benefício impróprio da então candidata Angela Issa Haonat, que prometeu nomear o irmão do advogado Thiago Sulino de Castro como seu assessor. O objetivo era facilitar a identificação de possíveis agentes privados envolvidos em processos judiciais e potenciais pagadores de subornos para a compra de sentenças. Angela foi eleita desembargadora (e indicada pelo governador) e, de fato, nomeou Rafael Sulino (irmão de Thiago Sulino) para o cargo de assessor, conforme o artigo 317, § 1º, do Código Penal.
14. Atuação na questão fundiária no estado do Tocantins
O desembargador João Rigo Guimarães, na ocasião presidente do TJTO, e o juiz Ocelio Nobre da Silva, na época coordenador do Núcleo de Prevenção e Regularização Fundiária (NUPREF), juntamente com o advogado Thiago Sulino de Castro, são suspeitos de terem atuado junto ao governador Wanderlei Barbosa para promover a nomeação do procurador-geral do Estado, Kledson de Moura Lima, e do presidente do Instituto de Terras do Tocantins, Robson Moura Figueiredo Lima. O objetivo seria favorecer interesses particulares na regularização de terras no Tocantins.
Além disso, há indícios de uma organização criminosa no Estado, organizada e com divisão de tarefas, envolvendo membros do Poder Judiciário, do Poder Executivo do Estado do Tocantins e do Município de Palmas. Essa organização teria como objetivo obter vantagens, diretas ou indiretas, por meio da regularização fundiária de áreas específicas, utilizando práticas como corrupção, exploração de prestígio, e prevaricação, entre outros crimes. Há indícios de que uma organização criminosa influenciou a eleição para a presidência do TJTO, pagando aos desembargadores para desconsiderarem a tradição de antiguidade ao elegerem o desembargador João Rigo Guimarães.
Com informações do G1 Tocantins e Jornal Opção.
Fonte: AF Noticias