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Temor aos anticoncepcionais faz mulheres abandonarem a pílula

8uju352l00ugnwh67mfgw98odMarco da luta feminista, o surgimento e uso da pílula anticoncepcional foi considerado um ato revolucionário na década de 60 por ter sido símbolo da autonomia da mulher sobre o próprio corpo e do seu poder de escolha em relação ao melhor momento de gerar um filho.

Mais de 40 anos depois, algumas delas se unem para mostrar que revolucionário é deixar de usá-la. O método que no passado as libertou, hoje aprisiona. E, acreditam, as coloca em risco.

Os relatos de pessoas que dizem ter problemas por conta do medicamento se multiplicam nas redes sociais. Nelas, os grupos se espalham e o movimento ganha força em fanpages como ‘Vítimas de Anticoncepcionais, unidas pela vida’; ‘Um veneno chamado anticoncepcional’ e ‘Adeus Hormônios – Contracepção não hormonal’.

O espaço é utilizado para o compartilhamento de experiências, discussões e reúne depoimentos que vão desde perda da libido, ganho de peso e mudanças abruptas de humor a casos de tromboembolismo venoso.

O receio de ter uma trombose foi justamente o motivo que levou a administradora Daniella Menezes, 34, a abandonar a pílula há 12 anos, após quatro de uso. Mesmo sem histórico de eventos tromboembólicos na família, ela sentia fortes dores nas pernas e foi advertida pelo angiologista de que precisava parar.

“Além de prevenir a gravidez, a pílula também ajudava a reduzir a cólica e a TPM, mas fiquei com medo. Minha saúde é mais importante”, diz Daniella.

Estudo

A preocupação é legítima. Há estudos que reforçam a relação entre o uso de anticoncepcionais orais combinados – que inclui um tipo de estrogênio (estradiol) e um progestógeno (progesterona) – e a ocorrência de tromboembolismo.

Segundo o ginecologista Hilton Pina, que é professor da Universidade Federal da Bahia (Ufba), as pílulas que contêm tipos recentes de hormônios progestágenos (drospirenona, desogestrel, gestodeno e ciproterona) trazem maior risco de formação de coágulos.

“Por isso, é fundamental que o médico faça uma anamnese detalhada e investigue o histórico familiar da paciente antes de prescrever o anticoncepcional”, explica Pina, que também é chefe da Unidade de Atenção da Saúde da Mulher do Hospital das Clínicas da Ufba.

O presidente da Sociedade Brasileira de Angiologia e Cirurgia Vascular – Regional Bahia, Maurício Aquino, explica que o risco ocorre porque o hormônio presente nos anticoncepcionais pode interagir com fatores de coagulação, o que contribuiria para a formação dos trombos. Mulheres obesas, fumantes e sedentárias devem redobrar os cuidados.

“È importante lembrar que se trata de um evento muito raro. A mulher tem mais risco de ter uma trombose por conta de uma gravidez do que do uso do anticoncepcional”, pontua.

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) ratifica que a ocorrência de reações adversas graves relacionadas ao uso de contraceptivos orais combinados é rara.

Dados do órgão revelam que, no período de 2011 a junho deste ano, foram notificados 267 casos relacionadas ao uso das pílulas. Desses, 177 foram ocorrências graves, como trombose, embolia pulmonar e acidentes vasculares cerebrais. A Secretaria de Saúde do Estado da Bahia (Sesab) não dispõe de dados locais.

Para o ginecologista e diretor médico do Centro de Pesquisa e Assistência em Reprodução Humana (Ceparh), Jorge Valente, a automedicação é responsável por boa parte das complicações envolvendo o medicamento.

“Há mais de 50 fórmulas, com dosagens e tipos de hormônio diferentes, que são recomendadas de acordo com o perfil de cada mulher. O problema é que muitas delas compram a pílula usada pela irmã, amiga, e sem orientação médica. A proteção contraceptiva, normalmente, é a mesma em todas elas, mas é preciso entender que os riscos não”, alerta.

Ginecologista Simone Barco defende o direito de escolha da mulher (Foto:  Mila Cordeiro | Ag. A TARDE)

Troca de  método 

Para a ginecologista Simone Barco, o desejo da mulher de trocar a pílula por um método não hormonal deve ser respeitado. “O anticoncepcional é um avanço da medicina, mas não é o único método contraceptivo disponível. Se a mulher está insegura ou se sente desconfortável, por que não usar  outros recursos?”, questiona. 

Na opinião da profissional, o excesso de medicalização tem feito com que as mulheres deixem de conhecer o próprio corpo. 

“Os anticoncepcionais são excelentes para amenizar os sintomas da tensão pré-menstrual, as cólicas, as espinhas, mas ter uma alimentação saudável também ajuda muito. A mulher que retira o açúcar, os produtos industrializados e o sódio da dieta tende a sentir menos esses sintomas. Há, portanto, outras possibilidades, mas buscamos sempre o caminho mais prático e fácil”, pontua. 

O discurso faz todo sentido para a microempresária Bárbara Reimão, 37 anos. Após quase 20 anos consumindo a pílula, há três anos, ela resolveu parar: “Não queria mais essa bomba hormonal no meu corpo. Estou feliz com a minha escolha”, desabafa ela.

A troca do método ocorreu paralelamente a um processo de mudança interno e desejo de resgate do feminino. “Fui sentindo necessidade de conhecer meu ciclo, o fluxo do meu corpo, meu comportamento durante esse processo. Passei a entender a menstruação e todos os sintomas decorrentes dela como algo natural, necessário e próprio da mulher”, conta.

Alerta

Embora também defenda o respeito à escolha da mulher, o ginecologista Jorge Valente alerta que o anticoncepcional ajuda no tratamento de algumas doenças ginecológicas, a exemplo da endometriose e da síndrome de ovário policístico. 

“Por isso, também nesse caso, é importante buscar orientação médica. Dependendo da situação, não é necessário trocar o método contraceptivo, basta adequar a dosagem e o tipo de hormônio ao perfil da paciente”, diz.

(UOL)