Saúde de vitrine: políticos não vivem o próprio marketing e o cidadão paga o preço
Keslon Borges | Opinião
Dizem que o Brasil é o país do futuro. Na saúde, parece mais o país da ficção. Por aqui, inauguram-se prédios novos, compram-se equipamentos de última geração e estampam-se outdoors com o sorriso do gestor que jura estar entregando um “serviço de qualidade”.
Mas basta um detalhe: o mesmo político que corta a fita da UPA, do hospital regional ou da sala de cirurgia reformada jamais coloca um parente lá dentro. Ele, a esposa, os filhos, os netos — todos têm plano de saúde particular. Porque acreditar na própria propaganda, convenhamos, seria arriscado demais.
Segundo o Conselho Federal de Medicina, 78% dos municípios com escolas médicas não possuem leitos hospitalares adequados para o ensino. Em 57%, não há hospital de ensino. E muitos cursos sofrem com a falta de professores qualificados.
Mas nada disso impede a multiplicação de faculdades de medicina como se fossem franquias de fast food.
O resultado é previsível: uma geração de médicos recém-formados lançados à prática como quem aprende a nadar sendo jogado no mar aberto. De acordo com o CRM-TO, o Tocantins não suporta novas vagas para curso de Medicina.
E adivinhe para onde vão esses jovens inexperientes? Para as UPAs, postos de saúde e hospitais públicos. Lá, ocupam funções que deveriam ser conduzidas por especialistas com residência — mas esses custam caro. E político, sabemos bem, prefere investir em marketing do que em valorização profissional.
Enquanto isso, a população serve de cobaia.
Entre agosto de 2023 e julho de 2024, o Tocantins registrou 2.817 falhas na assistência à saúde, incluindo erros de medicação, falhas cirúrgicas e mortes evitáveis.
Em Gurupi, uma mulher saiu da cesariana com material cirúrgico esquecido dentro do corpo. Não é ficção — é manchete.
Mas a farsa continua. O prefeito sorri, o governador grava vídeo, o deputado anuncia emenda. E todos juram: “agora a saúde é prioridade”. Só que, na prática, o que existe é saúde de vitrine — brilha na propaganda, mas desmorona na vida real.
O eleitor precisa perceber a ironia: quem vende o sonho da “saúde de qualidade” não entrega o próprio filho no balcão da UPA. Porque, no fundo, sabe que não é seguro. Se confiassem, estariam lá — lado a lado, enfrentando fila, falta de especialista e improvisos de novato.
Até lá, seguimos assim: com políticos que colhem aplausos, enquanto a população colhe consequências. E com médicos especialistas cada vez mais desvalorizados, trocados por cabides de emprego e favores políticos.
É uma saúde que serve muito bem ao marketing, mas muito mal à vida.
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Keslon Borges | Economista e Especialista em Gestão Pública.
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Fonte: AF Noticias
