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Ex-padre é condenado à prisão por estupro e cárcere de rapaz que queria entrar em seminário

Notícias de Palmas  A Justiça do Tocantins condenou o ex-padre Marcos Aurélio Costa da Silva a oito anos de prisão, em regime inicial semiaberto, pelos crimes de estupro e cárcere privado com finalidade libidinosa contra um jovem de 18 anos. A decisão, assinada pela desembargadora Ângela Haonat, reformou a absolvição de primeiro grau e reconheceu que o religioso “valeu-se da posição eclesiástica para dominar e violentar a vítima”

A defesa informou que protocolou embargos infringentes devido ao voto divergente na turma julgadora e aguarda novo julgamento.

O Tribunal de Justiça atendeu ao recurso do Ministério Público do Tocantins (MPTO), que sustentou que o depoimento da vítima era coerente, detalhado e compatível com laudos e testemunhos. A acusação também apontou histórico de condutas semelhantes: em 2015, quando atuava na cidade de Peixe, Marcos Aurélio foi detido suspeito de exibir pornografia a um adolescente de 16 anos.

Segundo o MPTO, o ex-padre atraiu o jovem a Palmas com a promessa de ajudá-lo a ingressar no seminário, mantendo-o sob vigilância, privação de liberdade e violência sexual. Para a relatora, os autos mostram que o réu “se aproveitou da confiança natural depositada na figura religiosa”.

A desembargadora também autorizou que o condenado recorra em liberdade.

Relembre o caso

O crime ocorreu em agosto de 2019. A denúncia aponta que o jovem, vindo de Pernambuco, foi hospedado no apartamento do então padre sob o pretexto de receber uma carta vocacional. No local, foi submetido ao consumo forçado de bebida alcoólica, abusos e ameaças. Ele só conseguiu fugir quando Marcos Aurélio esqueceu a chave na porta. A prisão em flagrante ocorreu no mesmo dia, após o rapaz procurar a delegacia “em estado de choque”.

O ex-padre estava suspenso das funções religiosas desde 2018 e acabou definitivamente desligado do ministério sacerdotal após denúncias encaminhadas ao Vaticano, segundo a vítima e documentos apresentados no processo.

A promessa de vida religiosa que virou pesadelo

O primeiro contato entre os dois ocorreu no Facebook, em um grupo de jovens vocacionados. O diálogo durou cerca de dois anos. Marcos Aurélio dizia que poderia ajudar o rapaz a entrar no seminário.

Quando o jovem precisou da carta de recomendação, o ex-padre afirmou que ela deveria ser entregue pessoalmente em Palmas. Desconfiado, ele chegou a consultar a Diocese de Porto Nacional, que confirmou que Marcos Aurélio era sacerdote.

“Eu confiava porque era padre. Ele falava como se estivesse fazendo um favor para minha vocação”, relembra.

Em Palmas, o que seria uma estadia breve virou quatro dias de violência e privação de liberdade. Conforme o processo, Marcos Aurélio ofereceu bebida insistentemente até que o jovem apagou e acordou durante os abusos.

“Ele não me deixava sair do apartamento. Era obrigado a fazer massagens, tocar ele, sempre sob ameaça de morte se eu não obedecesse”, contou.

O terror acabou apenas quando o ex-padre esqueceu a chave na porta. O jovem fugiu sem documentos e chegou à delegacia “em extremo desespero”, segundo policiais.

A condenação, a reviravolta e o papel do MP

Mesmo com relatos consistentes, Marcos Aurélio havia sido absolvido em primeira instância. O MP recorreu, apontando “coerência, riqueza de detalhes e ausência de contradições” no depoimento da vítima, além de testemunhas e laudos que corroboravam as denúncias.

O órgão destacou ainda o histórico de comportamentos semelhantes. “O padrão de conduta não pode ser ignorado”, afirmou a desembargadora na decisão.

Com a apelação, o Tribunal condenou o ex-padre e reconheceu que ele atraiu o jovem “valendo-se da autoridade religiosa para fins de satisfação sexual”.

“Eu tive que sumir. A Igreja virou as costas para mim”

Após denunciar o caso, o jovem afirma que viveu sob medo constante. “Eu precisei de psicólogo e psiquiatra. Não consigo entrar em um confessionário, não consigo ficar sozinho com um padre. São seis anos tentando reconstruir minha vida”, desabafou.

Ele relata ter sofrido exclusão dentro da própria Igreja: “É como se eu fosse o errado. Eu denunciei e parecia que tinha me voltado contra a Igreja. Me sinto julgado até hoje.”

Segundo o jovem, Marcos Aurélio tentou descobrir onde ele estava, chegando a procurar padres conhecidos em Pernambuco. “Eu não me sentia seguro em lugar nenhum”, afirmou.

De acordo com ele, o Vaticano recebeu um dossiê com seu depoimento e, após processos disciplinares, Marcos Aurélio foi desligado definitivamente da função sacerdotal.

As marcas, diz, permanecem profundas: “Ele destruiu minha vocação, minha fé e parte da minha vida. Só quero justiça e segurança.”

Especialistas citados no processo afirmam que o jovem apresenta sinais de trauma complexo, compatíveis com vítimas de abuso prolongado e manipulação psicológica.

Fonte: AF Noticias