Júlio Prado: Secretarias de Comunicação e o perigo de um modelo ultrapassado
Júlio Prado | Jornalista
As Secretarias de Comunicação Brasil à fora têm insistido em um papel que já não condiz com a realidade política e tecnológica do século XXI. Presas a uma mentalidade burocrática, muitas dessas estruturas se limitam a divulgar ações institucionais de maneira fria e protocolar, defendendo rigidamente a ideia de que seu único papel legal é a promoção das iniciativas da administração. Com isso, ignoram a essência política de governo e deixam de disputar narrativas no espaço público, abrindo terreno para adversários mais dinâmicos e conectados com as novas formas de comunicação.
Essa postura parte da equivocada suposição de que gestão pública e política são esferas separadas. Na prática, governar é um ato intrinsecamente político, e a comunicação deve refletir essa indissociabilidade. Ao insistirem em uma abordagem asséptica e meramente informativa, muitas secretarias perdem relevância, tornando-se peças quase decorativas dentro das estruturas de governo. O resultado é previsível: enquanto a comunicação oficial permanece hermética e impessoal, opositores ocupam o vácuo com mensagens mais ágeis, emocionalmente envolventes e estrategicamente direcionadas.
O Erro Estratégico da Comunicação Governamental
O modelo predominante na comunicação de governos progressistas ainda se comporta como se estivéssemos nos anos 1990. Textos formais, peças publicitárias engessadas e discursos institucionais transmitidos em rede nacional revelam um distanciamento das novas dinâmicas da informação. Em um mundo onde a comunicação se dá em tempo real e de maneira descentralizada, essa abordagem não apenas soa ultrapassada, mas também se torna ineficaz diante da concorrência feroz por atenção e engajamento.
Um exemplo emblemático desse descompasso pôde ser visto essa semana. No mesmo dia em que a Comunicação do presidente Lula optou pelo tradicional e solene pronunciamento em cadeia nacional de TV para anunciar novidades no programa Pé-de-Meia e no Farmácia Popular, um discurso monótono, gravado na frieza e solidão do Palácio do Planalto , Jair Bolsonaro publicou em suas redes sociais vídeos gravados por apoiadores em meio a uma multidão entusiasmada, que entoava em uníssono a frase “volta, Bolsonaro”. Enquanto um falava para um público passivo e disperso, o outro transformava seu público em protagonista de um movimento, fazendo de cada seguidor um agente de amplificação de sua mensagem. Quem viu ambas as publicações pôde analisar e tirar suas próprias conclusões sobre qual estratégia foi mais eficaz em termos de engajamento e impacto.
A Falácia da Comunicação “Neutra”
Defender que a comunicação governamental deve ser apenas técnica e desprovida de engajamento político não passa de um erro estratégico grave. Em um ambiente onde a disputa narrativa se tornou permanente, a omissão equivale a ceder espaço para que outros definam a percepção pública sobre a gestão. Governos que não compreendem essa dinâmica acabam reféns de seus adversários, que, com maior destreza no uso das ferramentas digitais, conseguem impor suas versões dos fatos e mobilizar sentimentos coletivos.
A comunicação de governos progressistas muitas vezes subestima o poder do discurso emocional e do senso de pertencimento. Enquanto os comunicadores institucionais seguem presos a uma linguagem burocrática, a extrema direita soube transformar seus líderes em símbolos de identidade e pertencimento para seus apoiadores. Não por acaso, as redes sociais se tornaram território fértil para políticos desse espectro, que compreendem que comunicação não se trata apenas de informar, mas de criar conexão e engajamento.
A Direita Radical Compreendeu Melhor o Jogo
Se há algo que a nova direita fez com maestria nos últimos anos, foi entender que comunicação não é um departamento secundário do governo, mas uma peça central da disputa política. Enquanto secretarias de comunicação progressistas seguem reféns de velhos formatos, líderes da direita radical dominam a linguagem das redes sociais e utilizam estratégias que falam diretamente à emoção do público.
Os números deixam isso claro. As maiores taxas de engajamento político no Brasil hoje não vêm de canais institucionais, mas de perfis que fazem uso intenso de vídeos curtos, transmissões ao vivo, memes e interações diretas com seus seguidores. Enquanto isso, governos continuam apegados a pronunciamentos televisivos, comunicados de imprensa e postagens que pouco dialogam com a realidade dinâmica das plataformas digitais.
A política contemporânea exige mais do que institucionalismo frio e burocrático. Exige estratégia, conexão e presença ativa nos espaços onde a opinião pública é formada. Governos que não compreenderem essa transformação continuarão à mercê das narrativas adversárias e verão suas gestões serem engolidas por uma comunicação mais ágil e eficaz. Se a esquerda quiser recuperar terreno, precisará abandonar de vez o ultrapassado modelo de comunicação governamental e aceitar que, na era digital, quem não se comunica com inteligência e emoção simplesmente desaparece.
Sobre o autor
Júlio Prado é Jornalista há 25 anos. Tem passagens por grupos de comunicação em emissoras afiliadas à TV Globo, TV Record, Band e SBT. Foi executivo do Grupo Bandeirantes em Minas Gerais e Secretário de Comunicação de Palmas, a capital mais jovem do Brasil, até 31 de dezembro do ano passado.
Fonte: AF Noticias