Mineradora está de olho em terras raras dentro de território quilombola no Tocantins
Notícias do Tocantins – Uma mineradora ligada a um fundo de investimentos estrangeiro quer explorar terras raras dentro do território quilombola Kalunga do Mimoso, no sul do Tocantins, sem o conhecimento nem a consulta prévia da comunidade local. Os processos da empresa Brasmet Exploration Participações Ltda., aprovados pela Agência Nacional de Mineração (ANM), abrangem mais de 5 mil hectares – cerca de 9% do território tradicionalmente ocupado por aproximadamente 270 famílias quilombolas nos municípios de Arraias e Paranã.
Levantamento da Repórter Brasil identificou três autorizações de pesquisa mineral concedidas pela ANM sem qualquer consulta à comunidade, em desacordo com a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificada pelo Brasil, que exige consulta livre, prévia e informada às comunidades quilombolas antes de qualquer atividade econômica que possa afetar seus territórios.
“Não temos conhecimento dessa pesquisa. Fiquei surpreso”, afirmou Eudemir de Melo da Silva, vice-presidente da Associação Kalunga do Mimoso. O estatuto da associação prevê que todas as decisões devem ser tomadas coletivamente, por meio de assembleias.
As autorizações foram concedidas em julho deste ano, após a própria ANM reconhecer formalmente que os pedidos de pesquisa da Brasmet se sobrepunham ao território quilombola. Ainda assim, a agência optou por dar continuidade ao processo, sob a justificativa de que, caso a empresa não manifestasse desistência, a tramitação seguiria normalmente.
Em nota, a Brasmet confirmou a sobreposição e afirmou que está apenas realizando “levantamentos geológicos de superfície, sem qualquer intervenção física”. A empresa alega que, por se tratar de atividade de “baixíssimo impacto”, não haveria obrigação legal de consulta prévia, segundo informou o representante legal, Alexandre Galvão Olímpio.
A declaração, no entanto, é contestada por juristas, procuradores e especialistas ambientais, que alertam para os riscos sociais e ambientais mesmo durante a fase de pesquisa – além do precedente que isso pode abrir para a futura exploração minerária.
“A consulta deve ser iniciada assim que for feita a solicitação de pesquisa mineral”, argumenta Vercilene Dias, da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq). Para ela, é inaceitável que o Estado aprove uma pesquisa sem sequer notificar a associação representativa do território.
Além do Kalunga do Mimoso, a empresa tem outros pedidos de exploração dentro do território quilombola Kalunga, em Goiás – um dos maiores do país. A Brasmet é controlada pelo fundo de investimentos Ropa, sediado em Gibraltar, que afirma em seu site ter compromisso com as comunidades locais.
DEMANDA INTERNACIONAL PRESSIONA EXPANSÃO
A corrida por terras raras no Brasil tem sido impulsionada pelo crescimento da demanda global. Esses minerais – usados em turbinas eólicas, carros elétricos, armamentos e tecnologia de ponta – estão no centro de disputas geopolíticas e comerciais. O Brasil possui a segunda maior reserva mundial, atrás apenas da China. Só em 2024, 82% dos novos pedidos de exploração no país foram para terras raras.
Na Amazônia Legal, há 157 requerimentos em análise, muitos deles sobrepostos a 41 áreas protegidas – incluindo três territórios quilombolas, quatro terras indígenas e 34 unidades de conservação. A região abriga 17% das áreas requeridas para exploração de terras raras no Brasil.
COMUNIDADE AGUARDA TITULAÇÃO
O território Kalunga do Mimoso ainda não é titulado, embora tenha sido certificado pela Fundação Cultural Palmares desde 2005. Em 2010, o governo federal assinou decreto de desapropriação de 57 mil hectares para a criação do território quilombola. Mesmo sem a titulação formal, o Ministério Público Federal (MPF) reforça que os mesmos direitos devem ser assegurados à comunidade, conforme o artigo 68 da Constituição Federal.
“A não demarcação do território não pode ser impedimento ao exercício de direitos pela comunidade”, ressalta Álvaro Manzano, procurador-chefe do MPF no Tocantins.
CRÍTICAS À FLEXIBILIZAÇÃO AMBIENTAL
Para especialistas, a liberação de pesquisas e futuras explorações sem a devida consulta reflete um cenário de afrouxamento das normas socioambientais, especialmente diante da nova legislação de licenciamento ambiental aprovada pelo Congresso Nacional.
“Sob o discurso de inovação tecnológica e transição energética, a mineração pode ter um novo boom, avançando sobre áreas protegidas”, alerta Fábio Ishisaki, assessor do Observatório do Clima.
Para Vandeli Paulo dos Santos, coordenador da Conaq, a exploração de minerais estratégicos no Brasil tem servido majoritariamente aos interesses externos:
“A população preta, parda, indígena e quilombola não usufrui dessa riqueza. São os mesmos que continuam sendo explorados enquanto outros países enriquecem com nossos recursos naturais”, critica.
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Fonte: AF Noticias