Bem-vindos ao ano letivo de 2022: Um novo ano com velhos problemas. Palmas, até quando?
A educação brasileira passa por turbulentas transformações, sobretudo na esfera pública. Surge assim, um olhar nostálgico que deseja resgatar a qualidade de outrora, quando não tínhamos a universalização do ensino e a educação fundamental era pública e de qualidade, porém ofertada para poucos afortunados.
A pergunta-título pode até parecer estranha para alguns, mas este questionamento se fundamenta no fato de que nós trabalhadores em educação recebemos no último dia 31 de janeiro a importantíssima missão de cuidar de modo 100% presencial da integridade física, psicológica e do aprimoramento intelectual dos mais de 41 mil filhos/as de trabalhadores palmenses regularmente matriculados nas 78 Escolas ou Centros de Educação Infantil (CMEIs) da cidade.
Inseridos nesse contexto, os educadores buscam ofertar aos alunos uma educação pública de excelência e durante a pandemia esse desafio ficou ainda maior. Além da defasagem de aprendizagem dos alunos, há ainda, o medo da contaminação e os traumas e os lutos pelas mortes de amigos e/ou familiares. Para tanto, esses profissionais se reinventam com diversas ações e práticas cada vez mais criativas e efetivas, no intuito de entregar à população um processo de ensino aprendizagem mais eficaz e eficiente.
Somos sabedores que os bons resultados não são oriundos apenas do esforço individual dos educadores. Em Palmas, a semente desse projeto de sucesso educacional, inegavelmente influenciado positivamente por uma política educacional progressista. Esta surgiu após muita luta e cobranças dos trabalhadores. A partir de 2006, com a implementação do Plano de Cargos, Carreira e Remuneração (PCCR – Lei 1445/2006) e as Escolas de Tempo Integral (ETIs). Assim, ampliou-se o tempo de estudo das crianças em unidades de ensino e tornou-se nos últimos anos, exemplo de estrutura e espaço educacional. As salas foram climatizadas, foram feitas adaptações para o ensino infantil que propiciam ambientes organizados, coloridos, comunicativos e lúdicos para garantir a interação e possibilitar os resultados positivos de aprendizagem.
Assim, como fruto dessa boa política educacional e aliado à qualidade dos/as educadores/as têm-se os recorrentes bons resultados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB). A educação de Palmas se destaca nacionalmente. Em 2019, a capital obteve a terceira colocação nacional para os anos iniciais do ensino fundamental, e a segunda colocação nacional para os anos finais. Sendo que a Escola de Tempo Integral (ETI) Olga Benário, superou a meta estabelecida para 2022, posicionando-se em 1º lugar com uma média de 8,1 quando a meta nacional foi 6,0.
Sabemos que a sociedade palmense se orgulha e reconhece o papel social e transformador das nossas escolas municipais. Principalmente, da importância dos professores/as e trabalhadores/as em educação na vida estudantil das nossas crianças, possibilitando-as novas vivências e olhares para um futuro de protagonismo e sucesso.
Contudo, infelizmente todo início de ano letivo nos deparamos com o mesmo ruim e velho problema, a falta de profissionais em diversas unidades de ensino. O que seria fácil de resolver, se esse não fosse apenas um sintoma de uma doença crônica da educação tocantinense. Devem estar se perguntando que doença seria essa? Ouso responder: A IPCS – Interferência Política, Crônica e Sistêmica que há anos nos atrapalha.
Atualmente, de acordo com dados do Diário Oficial do Município de Palmas, o número de servidores efetivos é menor que o de servidores em regime de contrato temporário que somam cerca de 55% do quadro. O comparativo mostra evidente desproporção entre o número de ambas as espécies de provimento. Há uma exacerbação do quantitativo de cargos em comissão, especialmente se considerado que configuram exceção à regra da acessibilidade via concurso público.
Estes cargos existem sob o argumento de uma premente necessidade de haver pessoas conhecidas e de confiança para exercerem exclusivamente a função. Por outro lado, a prática nos mostra que estas vagas são ofertadas através de manobras políticas. Estas visam futuramente obter vantagens, fazem com que o indivíduo contratado faça as vontades daquele que o nomeou. Essa prática de troca de favores é conhecida como clientelismo, que tem origens no Brasil colonial, esteve presente na Ditadura Militar no Brasil e ainda permanece nos dias de hoje no Tocantins.
Início de ano letivo é tempo do professor/a reavaliar as práticas pedagógicas adotadas no ano anterior, qualificar-se nas formações continuadas, criar novas possibilidades pedagógicas, participar efetivamente da elaboração do Projeto Político Pedagógico (PPP) de sua unidade, repensar a sociedade que pretende ajudar a construir, dentre tantas outras importantes ações. Tempo de todos aqueles que compõem o quadro de trabalhadores em educação unirem forças a fim de tornar o início do ano letivo possível, de Agentes Administrativo Educacionais (AAEs), alguns responsáveis pela merenda escolar, organizarem e prepararem as cozinhas e despensas, outros que atuam nas equipes de limpeza, se empenharem na faxina geral da escola, além dos demais cargos técnicos, cada uma com a sua importante atribuição.
Porém, nossa Capital segue com a peculiaridade de, mais uma vez, fazer com que uma parte considerável dos trabalhadores em educação tenham como prioridade uma outra preocupação, que nada tem a ver com o que relatei. A primeira e mais importante delas é buscar saber do “seu padrinho político” se voltará ou não ao seu posto de trabalho com a manutenção do contrato temporário e a certeza de receber pelo seu trabalho. A situação de instabilidade dos módulos que compõe o organograma das unidades escolares impacta o seu bom funcionamento e causa sobrecarga aos servidores em atividade regular.
Existe em Palmas uma série de exemplos inaceitáveis de interferência politica nas escolas publicas, dentre eles podemos citar um caso revoltante, onde um determinado vereador pressionou um diretor de escola para modificar a lotação de um professor/a X, ou seja, local onde determinado/a professor/a deveria lecionar.
E as principais vítimas dessa doença quem são? As crianças que sempre iniciam as primeiras semanas de aula em escolas onde faltam professores/as em diversas áreas: Ciências, História, Geografia, ou ainda, sem monitores, cuidadores, merendeiras e outros. Diante da situação, profissionais efetivos e até mesmo os já contratados se desdobram para escola não fechar.
Enquanto isso, os “políticos” de ocasião, em geral vereadores/as e/ou pretensos candidatos a deputados fecham seus acordos de indicação e interesse, para só então publicar as nomeações – “dos seus”. Frente à essa triste realidade ainda temos diretores/as de escolas que apesar da sobrecarga psicológica e a pressão da comunidade escolar não podem expressar indignação sob o risco de perderem seus cargos e consequente gratificação financeira, vez que ocupam cargos de confiança (não da comunidade escolar), mas sim, muitas vezes, das indicações e acordos políticos.
Segundo o grande educador brasileiro, Moacir Gadotti, uma escola pública autônoma tem maiores chances de garantir a qualidade de ensino do que uma escola obediente, submissa e burocratizada. Nesta mesma seara, Mia Couto, nos convoca para a seguinte reflexão:
“Agora é preciso coragem para ter esperança. Antes nós sonhamos uma pátria porque éramos sonhados por essa mesma pátria. Agora, queremos pedir a essa grande mãe que nos devolva a esperança. Mas não há resposta, a mãe está calada, ausente. A única coisa que ela nos diz é que ela teve voz enquanto nós fomos essa voz. Enquanto nos calarmos, ela permanecerá no silêncio. O que significa que precisamos recomeçar sempre e sempre. Há que inventar uma outra narrativa, viver uma outra crença. A verdade é esta: somos nós que temos de ir dando à luz uma mãe. Só somos parentes, pátria e cidadão, numa relação alimentada grão a grão, gota a gota”. (COUTO, 2009)
Assim, convido, a todos os cidadãos, que se preocupam com a educação pública, a unir forças aos trabalhadores/as em educação, integrando-se na cobrança de uma solução definitiva para esses dois problemas: Primeiro, o Concurso Público da Educação e posterior processo seletivo para contratos e; Segundo: A Lei do PME nº2238/16 que prevê Gestão Escolar Democrática. Um gestor/a com autonomia poderá decidir em conjunto com sua comunidade as prioridades e dificuldades das NOSSAS ESCOLAS e assim, superá-las. Do contrário, a escola não estará efetivamente cumprindo seu papel social. Vamos?
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Fábio de Souza Lopes – Professor da Rede Estadual e Municipal em Palmas-TO, Mestre em Ensino de Biologia – (UnB), Especialista em Educação no Campo – (Ufscar), Pós-Graduado em Educação Ambiental – (UFT) e Presidente do Sintet Regional Palmas.
Fonte: AF Noticias