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Artigo | Envelhecimento dignificado: o chamado global e a urgência do Tocantins

Paulo Alexandre Rodrigues de Siqueira | Promotor de Justiça

Hoje, mais do que nunca, somos convidados a refletir sobre o envelhecimento. Em 14 de dezembro de 1990, a Assembleia Geral das Nações Unidas designou o dia 1º de outubro como o Dia Internacional das Pessoas Idosas – uma data que, no Brasil, a Lei nº 11.433/2006 transformou também no Dia Nacional do Idoso, celebrando a promulgação do nosso Estatuto. Em 2022, a ONU nos convocou com o tema “Resiliência de pessoas idosas em um mundo em mudança”, um lembrete para desafiarmos estereótipos, reconhecermos o potencial da longevidade e nos prepararmos para uma transformação demográfica sem precedentes.

A composição da população mundial mudou drasticamente. Entre 1950 e 2010, a expectativa de vida global saltou de 46 para 68 anos. Em 2019, 703 milhões de pessoas tinham 65 anos ou mais. E as projeções são ainda mais surpreendentes: até 2050, essa população mais que dobrará, ultrapassando 1,5 bilhão, com o crescimento mais acelerado ocorrendo justamente em países em desenvolvimento. No nosso Brasil, a realidade já se impõe:

A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) estimam que, até 2025, o Brasil terá aproximadamente 31,8 a 33 milhões de pessoas com 60 anos ou mais e a projeção para 2050 é de que quase um terço dos brasileiros esteja nessa faixa etária. O Tocantins não é exceção a essa “onda prateada”, e precisamos agir com urgência, pois segundo o IBGE 2025 a projeção de idosos é de 12,2% da população de aproximadamente 1.586,859, cerca de 154.000 idosos.

Saúde e Oportunidade: Os Pilares de uma Longevidade Digna

Uma vida mais longa é, sem dúvida, uma oportunidade. Anos adicionais significam mais tempo para aprender, para novas carreiras, para desfrutar da família e contribuir com a comunidade. Mas a extensão dessas oportunidades depende crucialmente de um fator: a saúde. É por isso que o Brasil, através da Lei nº 10.741/2003, instituiu o Estatuto da Pessoa Idosa, regulando direitos para aqueles com 60 anos ou mais. Complementarmente, a Portaria MS nº 2.528/2006 (revisada em 2017) aprovou a Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa, com a finalidade primordial de recuperar, manter e promover a autonomia e a independência desses indivíduos.

As diretrizes dessa política são claras: promoção do envelhecimento ativo e saudável, atenção integral e integrada, estímulo a ações intersetoriais, provimento de recursos, estímulo à participação e controle social, formação de profissionais, divulgação de informações, cooperação nacional e internacional, e apoio a estudos e pesquisas. É um roteiro abrangente que, se aplicado, pode transformar a realidade de nossos idosos.

Os desafios locais: financiamento, cuidado e combate à violência

No entanto, a distância entre a legislação e a vivência cotidiana é um abismo que precisamos transpor. O financiamento das políticas públicas para idosos ainda é um calcanhar de Aquiles. A insuficiência orçamentária, a fragmentação de recursos e a falta de planejamento integrado persistem. É essencial que o Tocantins avance na criação de fundos específicos, na vinculação orçamentária mínima e em incentivos fiscais para empresas que promovem a inclusão da pessoa idosa, garantindo a sustentabilidade das ações.

Além disso, enquanto falamos de cuidado integral, somos confrontados com uma necessidade premente: a criação de Instituições de Longa Permanência para Idosos (ILPIs) públicas. Para muitos idosos em situação de vulnerabilidade, sem suporte familiar adequado ou com necessidades de saúde complexas, essas instituições representam a única garantia de dignidade e segurança. O Estado não pode se omitir; é um dever ético e social investir em estruturas que acolham e cuidem desses cidadãos.

Ao mesmo tempo, as ILPIs privadas, que complementam essa rede, exigem uma regulamentação rigorosa e uma fiscalização implacável. Não podemos permitir que o cuidado com nossos idosos se degrade em um serviço de baixa qualidade ou, pior, em negligência. Padrões claros de atendimento, infraestrutura, qualificação profissional e, principalmente, mecanismos eficazes de denúncia e punição para irregularidades são inegociáveis. Somente com instituições públicas robustas e privadas devidamente reguladas e fiscalizadas garantiremos a proteção e o bem-estar de todos os idosos do nosso estado.

E a proteção deve ser ainda mais ampla, pois a violência contra idosos é uma chaga social. É alarmante saber que 1 em cada 6 idosos sofre algum tipo de violência, e que 90% desses casos ocorrem no ambiente familiar, seja física, psicológica, financeira ou por negligência e abandono. A rede de proteção, com Delegacias Especializadas, Ministério Público, Defensoria Pública, Conselhos de Direitos e CREAS, precisa ser fortalecida e ter seus instrumentos (como o Disque 100 e medidas protetivas) amplamente divulgados e acessíveis.

A força da participação e a década do envelhecimento saudável

O envelhecimento é diverso, e precisamos reconhecer as “múltiplas velhices”: ativa, vulnerável, indígena, quilombola, urbana, rural. Cada uma com suas particularidades, mas todas com o direito de participar. Estimular espaços como Universidades da Terceira Idade, grupos de convivência e conselhos participativos não apenas reduz o isolamento, mas melhora a autoestima e permite a transmissão de conhecimentos inestimáveis. Os Conselhos de Direitos da Pessoa Idosa, em particular, são guardiões da democracia participativa, e seu fortalecimento, com capacitação e recursos, é crucial para que possam cumprir seu papel deliberativo e fiscalizador.

Em 14 de dezembro de 2020, a Assembleia Geral da ONU proclamou a Década do Envelhecimento Saudável (2021–2030), uma colaboração global para melhorar a vida dos idosos, alinhada aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Este é um chamado global que o Tocantins deve abraçar.

Um futuro digno para nossos idosos

O envelhecimento populacional não é uma ameaça, mas uma oportunidade. Exige uma abordagem sistêmica, onde o financiamento adequado apoie políticas de saúde e proteção social, impulsionadas pela participação e pelo controle social. O Tocantins tem o potencial de ser protagonista nessa construção, inspirando-se em boas práticas de outros estados.

É nossa responsabilidade coletiva, de cidadãos e governantes, garantir que a longevidade seja sinônimo de dignidade, respeito e oportunidades. Que a “Década do Envelhecimento Saudável” seja, para o nosso estado, uma década de ações concretas, de compaixão e de construção de um futuro verdadeiramente prateado, onde cada idoso seja valorizado e cuidado.

SOBRE O AUTOR

Paulo Alexandre Rodrigues de Siqueira possui graduação em Direito pela pela Universidade Federal de Goiás (2000). Curso de Aperfeiçoamento em Direito do Trabalho- EMATRA (2004). Pós-Graduação em Direito Penal – FESURV-GO (2005). Pós-Graduação em Direito Privado- FESURV-GO (2005). Curso de Aperfeiçoamento em Direito Notarial e Registral – LFG (2006). Curso de Aperfeiçoamento em Direito Civil -Faculdade Metropolitana de São Paulo (2019). Curso de Aperfeiçoamento em Direito do Consumidor Faculdade Metropolitana de São Paulo (2019). Curso de Aperfeiçoamento em Direito de Família e Sucessões Faculdade Metropolitana de São Paulo (2019). Pós-graduação em Direito Constitucional e Processo Constitucional pela UFT (2021). Possui Mestrado Profissional e Interdisciplinar em Prestação Jurisdicional e Direitos Humanos pela UFT (2021).Doutorando em Prestação Jurisdicional e Direitos Humanos da UFT/ESMAT 2025/2028.

Atualmente é titular da 15 Promotoria de Justiça da Capital com atribuições exclusivas em: (Direitos Humanos, Direitos dos Idosos, Direito das Pessoas com Deficiência, Assistência Social, Direito da Mulher sob a perspectiva de igualdade de gênero, Direito de Igualdade Social e Racial (população negra, indígena, quilombolas e comunidades tradicionais), Direito a Diversidade Sexual (como a promoção da cidadania e a garantia de direitos para a população LGBTQIAPN+), Direito a Segurança Alimentar e Nutricional e Direito do Consumidor. Compõe na condição de membro do Ministério Público do Conselho de Segurança Pública do Tocantins (CONESP/TO). Membro do Grupo de Atenção Especializada em Segurança Pública do MPTO GAESP (2024/2026) na comissão de Direitos Humanos.

Fonte: AF Noticias