MPF recebe líderes sociais e governo para discutir denúncias contra REDD+ no Tocantins
Representantes de movimentos sociais e entidades de defesa dos povos e comunidades tradicionais se reuniram nesta sexta-feira (3) com o Ministério Público Federal (MPF) e a Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Semarh) para tratar das denúncias sobre o Programa REDD+ Jurisdicional do Tocantins. O encontro contou com a presença da Articulação Tocantinense de Agroecologia (ATA), Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Coordenação Estadual das Comunidades Quilombolas do Tocantins (COEQTO), Instituto Terra, Direito e Cidadania (ITDC), além da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e da Secretaria dos Povos Originários e Tradicionais (Sepot).
As organizações afirmam que o programa vem sendo conduzido de forma irregular, sem garantir a Consulta Livre, Prévia e Informada (CLPI) prevista na Convenção 169 da OIT. Segundo lideranças, o governo estadual tem restringido os debates à divisão de benefícios financeiros, sem apresentar informações completas sobre os impactos ambientais, sociais e culturais, o que inviabiliza uma consulta efetivamente informada e fere as Salvaguardas de Cancún.
Os movimentos defendem que a regularização fundiária e a segurança territorial são condições essenciais para que qualquer política de compensação de carbono seja legítima e justa. Por isso, pedem não apenas a suspensão imediata do programa, mas também a revogação da Lei Estadual nº 3.525/2019, conhecida como “Lei da Grilagem”, que convalida registros fundiários irregulares e, segundo eles, amplia os conflitos no campo e o desmatamento. A constitucionalidade da norma está sendo analisada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) proposta pela Contag e pela Defensoria Pública do Estado (DPE-TO).
Reivindicações e irregularidades apontadas
As entidades cobram ainda avanços na titulação dos territórios quilombolas e a efetividade da Lei do Babaçu Livre, que há 17 anos permanece sem regulamentação. Das 52 comunidades quilombolas certificadas no Tocantins, apenas uma possui título de propriedade. Já a Lei do Babaçu Livre, criada para proteger o modo de vida das quebradeiras de coco babaçu, segue inoperante, impedindo o livre acesso aos babaçuais.
Recomendações da DPU e DPE
No fim de setembro, a Defensoria Pública da União (DPU) emitiu a Recomendação nº 8409084, pedindo a suspensão integral do Programa REDD+ Jurisdicional. O documento considera nulas as consultas realizadas, classificando o processo como “simplificado e desrespeitoso” aos protocolos próprios de decisão dos povos e comunidades tradicionais.
Entre as exigências estão a revogação da Instrução Normativa nº 01/2025 da Semarh, a apresentação de um projeto detalhado e compromissos concretos com a regularização fundiária. O governo estadual tem 20 dias para atender integralmente as recomendações, sob pena de ação judicial.
Em maio, a Defensoria Pública do Estado, por meio da Defensoria Agrária e Ambiental (DPAGRA) e do Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos (NDDH), já havia feito recomendação semelhante, destacando a necessidade de garantir uma consulta ampla e respeitosa aos protocolos próprios das comunidades.
Histórico de denúncias
Desde o início da implementação do programa, os movimentos sociais vêm questionando sua condução.
- Março: a COEQTO solicitou a suspensão das oficinas do REDD+ por falta de informações claras e desrespeito ao protocolo de consulta quilombola.
- Julho: a ATA denunciou o caso ao MPF e ao Comitê Nacional de Salvaguardas do REDD+ (CONAREDD+), destacando violações ao direito de consulta de quilombolas, quebradeiras de coco e agricultores familiares.
- Agosto: durante o VII Encontro Tocantinense de Agroecologia, mais de 300 lideranças indígenas, quilombolas e camponesas lançaram uma carta política criticando as oficinas do programa, que priorizariam apenas a repartição de benefícios financeiros.
- Setembro: durante o seminário “Tocantins na Encruzilhada”, os movimentos lançaram uma carta-manifesto denunciando o mercado de carbono como uma forma de “mercantilização da natureza”, incapaz de enfrentar as verdadeiras causas do desmatamento.
Encaminhamentos da reunião
Na reunião desta sexta, a Semarh afirmou que irá analisar as denúncias e pretende manter o diálogo com os movimentos. A Funai demonstrou preocupação com a forma como as informações têm chegado às comunidades indígenas e pediu mais cautela para evitar conflitos internos.
“Essas manifestações dos povos indígenas, através de suas organizações e lideranças, são legítimas. Cabe à Funai, ao governo estadual e aos demais entes federativos aprimorar o diálogo para não gerar mais conflitos e dúvidas”, declarou Clarisse Raposo, chefe do Serviço de Gestão Territorial e Ambiental da Funai – Coordenação Regional Araguaia-Tocantins.
A Articulação Tocantinense de Agroecologia (ATA) reforçou que continuará denunciando o programa em diferentes instâncias até que o processo de consulta seja legítimo, transparente e respeite os direitos dos povos e comunidades tradicionais.
O QUE DIZ A SEMARH?
“A Secretaria do Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Tocantins reafirma o compromisso do Programa Jurisdicional de REDD+ (Redução de Emissões de Gases do Efeito Estufa por Desmatamento e Degradação ) com a transparência, a inclusão social e a proteção dos direitos das comunidades tradicionais.
Em conformidade com a Resolução CONAREDD+ nº 9 e com as Salvaguardas de Cancún, o processo de Consulta Livre, Prévia e Informada (CLPI) vem sendo conduzido de forma íntegra, assegurando escuta qualificada e participação efetiva de quilombolas, quebradeiras de coco babaçu, povos indígenas e demais comunidades tradicionais.
A Instrução Normativa nº 1/2025, elaborada a partir de diálogos técnicos, estabelece etapas específicas de consulta e validação, incluindo a construção coletiva do calendário e a escolha de representantes pelas próprias comunidades. O processo abrange desde a apresentação técnica do Programa JREDD+ e de sua governança até a escuta ativa das comunidades, definição de prioridades e validação das decisões.
O Programa já promoveu mais de 60 encontros em todo o Tocantins, sendo 40 oficinas com Povos Indígenas, Quilombolas, Comunidades Tradicionais e Agricultura Familiar (PIQPCTAF), 14 com gestores públicos e equipes técnicas do Estado e 5 com produtores rurais — pequenos, médios e grandes. Realizados em todas as regiões, esses eventos foram planejados de acordo com as realidades locais e os modos de vida de cada comunidade, garantindo participação efetiva, inclusiva e respeitosa. Alguns encontros tiveram duração de até três dias, possibilitando um aprofundamento maior dos debates e a construção coletiva de propostas.
Com mais de 3.500 participantes, o Programa consolida uma das maiores mobilizações sociais já realizadas no Tocantins para discutir clima, conservação ambiental e desenvolvimento sustentável — uma marca que seguirá crescendo nas próximas etapas.
A gestão permanece aberta ao diálogo, à escuta contínua e ao aperfeiçoamento das políticas públicas, reafirmando o compromisso do Tocantins com o desenvolvimento sustentável e com os direitos coletivos.”
Fonte: AF Noticias
